Um clerical anglófilo e francófobo
A primeira estorieta, contada de forma deliberadamente capciosa, refere um artigo de Umberto Eco. A acreditar em JCE, o escritor italiano veria «com crescente preocupação o ataque ao cristianismo em nome do laicismo», um ataque que conduziria a um «vazio» logo preenchido pelo «paganismo», por leituras do «Código Da Vinci» e finalmente pelo fascismo, e ao qual Umberto Eco resistiria fazendo o presépio com o neto. Como rejeito tanto o cristianismo como o pós-modernismo, afoitei-me a procurar o artigo de Umberto Eco. Não foi tempo perdido: na realidade, JCE induziu os seus leitores em erro. O escritor italiano não refere qualquer «ataque do laicismo» ao cristianismo: esmera-se a condenar as tontices pós-modernistas da «Nova Era» e a fúria consumista (o que eu compreendo e aplaudo) e a opôr-lhe a religião, que considera uma necessidade natural da espécie humana (o que eu já não acompanho).
A segunda estorieta diz respeito a David Cameron, o candidato favorito à liderança do Partido Conservador. JCE, fanático dos princípios anglo-saxónicos segundo os quais «o pessoal é político» e a identidade religiosa deve ser explorada para fins eleitorais, elogia Cameron por este «afirmar claramente a sua fé cristã» numa entrevista televisiva. Creio que JCE não se apercebe de que quem legitima a exibição pública do privado, quer este seja o privado religioso ou familiar, justifica também a devassa pública da intimidade de quem assim se exibe, e dos seus desvios aos mandamentos religiosos ou às lealdades conjugais. Também por isso e ao contrário de JCE, parece-me preferível que o debate político se centre em questões de interesse público, e não em sentimentos privados, sejam eles a fé ou a «identidade» religiosa.
A terceira estorieta é sobre outro cronista do Daily Telegraph que, aparentemente, protestou contra a retirada de símbolos religiosos dos espaços públicos, embora não seja claro se as escolas britânicas aí se incluem. Esta estorieta parece-me suspeita, quanto mais não seja porque não é um hábito muito protestante andar a espalhar símbolos religiosos, particularmente crucifixos, pelas escolas.
A quarta estorieta é sobre a Elizabeth, por acaso rainha do Reino Unido, e líder formal da Igreja Anglicana. JCE, que (por preguiça?) não consegue escrever um artigo inteiro sem citar longamente terceiros, transcreve uma passagem de um discurso da senhora, em que ela nos diz que «todas as pessoas (…) podem encontrar significado e propósito no Evangelho de Jesus Cristo». Nem Elizabeth nem JCE parecem querer conceder-nos a possibilidade de recusarmos o cristianismo como referência de vida, uma opção que, no entanto, constitui para muitos de nós uma consequência elementar da liberdade de consciência.