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Manif pelos privilégios

Ontem, dezenas de milhares de pessoas, transportadas por autocarros e, pelo menos, dois aviões, reuniram-se no centro de Madrid para se manifestarem contra a nova proposta de Lei Orgânica da Educação.

Esta manifestação, patrocinada por várias organizações religiosas e conservadoras, incluindo o PP e a Conferência Episcopal Espanhola – curiosamente, quase as mesmas que convocaram a marcha contra o matrimónio homossexual -, pretendia a defesa do ensino religioso, que supostamente é negligenciado na nova lei orgânica. Claro que as coisas não são bem assim: a nova LOE continua a assegurar o ensino da religião a todos os que a queiram estudar. E o que querem os promotores desta manifestação? Que a religião continue a figurar nos currículos de todos os alunos, mesmo aqueles que não estejam interessados.

Por forma a mobilizar tantos defensores dos privilégios da ICAR espanhola, a rádio da Conferência Episcopal – a Cope – recorreu, de acordo com o ministro da Indústria, José Montilla, a «mentiras absolutas». «Na Cope existem personagens que utilizam um bem que é de todos, o espaço radiofónico, para insultar, para propagar a mentira e o ódio e para atacar todos aqueles que não se ajoelham à sua vontade».

Para o ministro espanhol, são os bispos María Rouco Varela e Antonio Cañizares que terão de «explicar a todos os católicos e a todos os cidadãos porque é que a Cope mente, porque é que insulta, porque é que incita ao ódio e porque é que manipula. E sobretudo porque é que o faz com tanta impunidade e atacando todo o mundo. Até o próprio chefe de Estado foi insultado com impunidade e a Conferência Episcopal amparou estes ataques. Os responsáveis da Igreja terão de dar explicações, estes senhores, Rouco e Cañizares, que permitem que um meio de comunicação ultrapasse as linhas do respeito, da informação contrastada, caindo na difamação, na manipulação e na mentira».

O ministro da educação reiterou que a manifestação assentava num «cúmulo de falsidades» e acusou o PP de preferir a mobilização à negociação e de actuar de acordo com interesses «partidaristas».

Quanto à existência de manipulação por parte da hierarquia da ICAR – surpresa! -, o vice-presidente da Federação Estatal de Professores do Ensino da Religião, Luis Guridi, veio a público dizer que os responsáveis eclesiásticos pressionaram os professores durante quinze dias para irem à manifestação contra a LOE. Guridi assegurou que os constrangimentos materializaram-se em chamadas pessoais aos professores de religião para que participassem na organização da marcha, bem como para responderam à convocatória. Nas últimas duas semanas, as delegações diocesanas também elaboraram dípticos para distribuírem pelos colégios que constavam do seguinte: «Se pensa em assistir à manifestação de Madrid contacte o professor de religião do seu centro».

Guridi também disse que, nos últimos dias, as dioceses convocaram os docentes para assistirem a reuniões onde se sublinhava «a importância de acudir» à convocatória. Guridi, que não esteve presente na manifestação, qualificou como «farsa» o conjunto de argumentos apresentados pelos convocantes. Para o vice-presidente, estas pressões são «inadmissíveis no séc. XXI». «Somos profissionais do ensino e não nos dedicamos ao proselitismo. Não somos activistas religiosos». Acerca de possíveis represálias contra aqueles que não foram a Madrid, Luis Guridi está convencido que elas não deixarão de existir. «Sempre as tivemos», disse.

É nestas alturas, quando alguém ataca os seus privilégios, que a ICAR revela a sua natureza mais negra e esquece-se que já não é ela que decide os destinos da sociedade de acordo com a sua única e exclusiva vontade.

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