As causas do terramoto de 1755
Há 250 anos deu-se uma das maiores catástrofes naturais que a Europa da modernidade viu. O terramoto de 1755 destruiu uma das mais opulentas capitais do mundo e matou dez mil das duzentas e cinquenta mil pessoas que habitavam em Lisboa naquela manhã de Novembro.
Como é natural, após os abalos instalou-se o pânico generalizado, o que deu origem ao aparecimento dos profetas da desgraça que anunciavam o dia do juízo final. Thomas Chase, súbdito britânico sobrevivente à tragédia, diz que a cada tremor os populares «bradavam “Misericórdia!” todos de joelhos, nos tons de voz mais dolorosos que possam imaginar». «As pessoas estavam todas em oração, cobertas de pó, e a luz aparecia como se tivesse estado um dia muito escuro». «Nesta aflição se ouvião fervoríssimas confiçõens em público de culpas cometidas», refere outro testemunho. A população só terá acalmado com uma aparição da virgem na Penha de França «acenando um lenço branco ao povo».
Gabriel Malagrida era um jesuita que recebeu de D. João V licença para fundar uma missão no Pará e, granjeando algum prestígio na Corte, acompanhou o rei na sua morte. Em 1754, depois voltado ao estrangeiro, foi-lhe pedido para assistir à morte da rainha D. Maria Ana de Áustria. Nos sermões dos dias que se seguiram, o jesuita punha em causa a autoridade do rei e de Sebastião de Carvalho, dizendo sobre as causas naturais do fenómeno que «nem o próprio Diabo poderia inventar uma falsa ideia tão passível de nos conduzir à ruína irreparável».
Para Malagrida, a razão do terramoto residia no castigo divino pelos teatros, a música, as danças, as comédias, as touradas e outras ocupações de lazer que constituíam ocupações pecaminosas e obscenas. No Outono de 1756, publicou um panfleto propagandístico intitulado «Juizo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a corte de Lisboa no 1.º de Novembro de 1755», em que, para além da teoria do castigo, citava profecias de freiras, condenava os que levantaram abrigos nos campos, os que trabalhavam na reconstrução da cidade, e recomendava procissões, penitências e recolhimento e meditação de seis dias nos exercícios de santo Inácio de Loyola.
Em consequência deste panfleto, o jesuita foi desterrado para Setúbal e, mais tarde, uma vez que não deixou de pregar contra o governo e os esforços de reconstrução, foi preso e entregue à Inquisição, que o condenou à pena de garrote e de fogueira.
Já Cavaleiro (Francisco Xavier) de Oliveira, queimado em éfige num auto-de-fé, apresentava como causas do terramoto de 1755 a beatice lusitana e a ferocidade da Inquisição.
Numa época em que os valores iluministas entravam em aberto confronto com o que a Igreja propugnava, a explicação natural das causas do terramoto estava destinada a entrar em colisão com a explicação «divina». Após a catástrofe a última coisa que a população precisava era de um bando de padres envergando as suas sotainas negras a anunciarem o fim do mundo. O que precisava, isso sim, era de enterrar os mortos e cuidar dos vivos, no dizer do futuro Marquês de Pombal.
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