250 anos depois , III – A Modernização
Talvez a acção mais marcante do Marquês se tenha verficado nas inestimáveis reforma e laicização do ensino nacional, concretizadas na reformas pombalinas do Ensino, iniciadas em 1759, data da expulsão dos jesuítas que monopolizavam o ensino até aí. Reformas onde se incluiu a remodelação da Universidade de Coimbra, nas suas palavras «uma Universidade onde as teimas, os sofismas e os maus livros fazem grande figura».
A reforma do ensino começou pelos «estudos menores», para os quais foi criado um corpo de «professores régios», em substituição dos mestres até aí eclesiásticos. Mais tarde, passou-se à reforma do «Estudo Geral» de Coimbra.
A reforma pombalina incidiu especialmente na introdução das ciências da natureza e das ciências exactas, até aí blasfémias proscritas dos campi universitários. Mas os curricula «tradicionais» não foram descurados, tendo-se procedido à reforma da Faculdade de Medicina, introduzindo investigação experimental de acordo com as sugestões de Ribeiro Sanches, o que levou à fundação do Teatro Anatómico e do Dispensatório Farmacêutico, e à criação de duas novas faculdades, a de Matemática e a de Filosofia. Esta última concedia um lugar particular à Filosofia Natural, com a criação do Gabinete de Física (equipado com equipamento experimental que constitui hoje em dia uma das melhores colecções do género referentes aos séculos XVIII e XIX) e do Museu de História Natural, que conjuntamente com o Hospital e as dependências da Faculdade de Medicina, ocuparam o antigo Colégio de Jesus, cuja igreja foi transformada em Sé Catedral, e à construção do Laboratório Químico e do Jardim Botânico.
O choque tecnológico tão em voga hoje em dia era também uma ambição de Sebastião José. Assim, as Universidades colaboravam no desenvolvimento das indústrias, da mineração e da agricultura. A Faculdade de Matemática, a que estava anexo o Observatório Astronómico, tinha como objectivo paralelo o estudo da agrimensura, de grande interesse especialmente para a planificação e ordenamento do território. Por outro lado, foram importados mestres estrangeiros com o objectivo de dinamizarem a quasi inexistente indústria nacional, destacando-se o italiano Domingos Vandelli, que procurou em Coimbra revivificar a indústria da faiança decorativa, de grande tradição na cidade e ainda hoje muito viva.
De facto, Sebastião de Carvalho e Melo foi providencial não só para a indústria mas também para o comércio nacionais. Preocupado com a promoção do comércio, que declarou «profissão nobre, necessária e proveitosa», fundou a Aula do Comércio, da responsabilidade da Junta de Comércio que também criou, escola que deveria ensinar contabilidade segundo o modelo inglês, para além de ter utilizado toda a sua enorme capacidade diplomática para conseguir acordos comerciais muito vantajosos para Portugal. Para além do impulso tecnológico inédito no país que tentou incutir na nossa indústria, foi um patrono da indústria nacional, dispensando um cuidado especial à fábrica das sedas, situada no largo do Rato, em Lisboa, às fabricas de lanifícios da Covilhã, Fundão e Portalegre, e à fabrica de vidros da Marinha Grande. Criou as Fábricas de Cordoaria, a Real Escola Náutica do Porto, a Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro e a Impressão Régia, hoje Imprensa Nacional.
Procedeu igualmente à Reforma pombalina da Administração Financeira do Estado (Lei de 22 de Dezembro de 1761), em que cria o Erário Régio ou Tesouro Real, o precursor no actual ministério das Finanças e altera radicalmente a organização económica e financeira portuguesa. São introduzidos, formal e completamente, os princípios e regras que não mais deixarão de guiar a administração orçamental do Estado moderno, iniciando a ruptura com o antigo regime e começando a desfazer a confusão entre património nacional e património da Coroa. Cria ainda o cargo de Intendente Geral da Polícia, medida que constituiu o primeiro combate contra o banditismo.
Deve-se igualmente ao Marquês de Pombal a reforma da nossa legislação civil, reforçada com a publicação da Lei da Boa Razão, que tornava necessário todas as futuras leis serem fundamentadas numa razão justa, senão tornar-se-iam inválidas.
E não podemos esquecer que foi por acção do Marquês de Pombal que a Inquisição perdeu o seu poder absoluto, tendo sido suprimida a censura eclesiástica da imprensa (substituída pela Real Mesa Censória, mas de qualquer forma um progresso em relação à situação até aí verificada) e, com a única excepção de Malagrida, acabaram os autos de fé inquisitoriais em que os supostos hereges eram queimados em orgias de fé, como aconteceu durante o reinado do Fidelíssimo João V ao dramaturgo António José da Silva, o Judeu. Os autos de fé regressaram brevemente depois da queda em desgraça do marquês verificada após a morte de D. José I e da ascensão ao trono de D. Maria I, que pretendeu «reparar as ofensas do reino a Deus». Os últimos autos de fé em território nacional realizaram-se em 1781, tendo sido queimadas dezassete pessoas em Coimbra e oito pessoas em Évora.
Finalmente convém recordar que foi por sua ordem que foi abolida a distinção entre cristão-velhos e cristãos-novos, entre canarins e europeus na Índia e promulgada a abolição da escravatura na metrópole.
Em suma, não obstante o seu pendor ditatorial, um exemplo perfeito do despotismo iluminado que preconizava um Estado absolutista, e o seu lado negro manifestado na brutal retaliação com que puniu os seus adversários políticos, nomeadamente os Távoras, o marquês de Pombal, umas das figuras mais determinantes na nossa História, foi um estadista e um político brilhante que retirou Portugal das trevas obscurantistas e do atraso para onde o poder da Igreja o tinha desterrado. Não mais a Igreja, apesar das tentativas para tal verificadas no reinado da piedosa Maria I, comandou e determinou todos os aspectos da vida nacional. As sementes da laicidade, que tardam em fruir plenamente neste cantinho à beira mar plantado, foram lançadas irreversivelmente em solo português pela mão do controverso mas brilhante Marquês de Pombal!
Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.