250 anos depois, I – O Marquês de Pombal e os jesuítas
«Enterram-se os mortos e alimentam-se os vivos» Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal, em resposta à pergunta «E agora?» em 1 de Novembro de 1755, data em que ocorreu a maior catástrofe natural em território nacional. Imediatamente após o terramoto o brilhante governante organizou equipas de bombeiros para combater os incêndios e recolher os milhares de cadáveres, para impedir a eclosão de epidemias, o que evitou que a dimensão da tragédia atingisse proporções ainda mais catastróficas.
Em contrapartida, «no meio do cenário de devastação, a Inquisição manteve-se implacável, ordenando a evacuação dos seus prisioneiros para Coimbra, amarrados e transportados em mulas».
A reacção pragmática daquele que viria a ser um dos estadistas nacionais mais marcantes foi determinante no (doloroso) nascimento de um estado moderno dos escombros de um país atrasado e retrógrado, completamente subjugado à Igreja e seus ditames. A Lisboa pré-terramoto era uma cidade cosmopolita «à força», mercê da opulência proporcionada pelo ouro e diamantes provenientes do Brasil e da sua posição indiscutível de primeiro porto europeu, conferida pelo comércio proveniente das possessões ultramarinas. Mas era uma cidade com uma traça urbana medieval, com edíficios na sua maioria decrépitos e insalubres, em que existia uma resistência tenaz às novas ideias que despontavam na Europa, resistência ao modernismo imposta pela Inquisição e pelo poder quase ilimitado dos Jesuítas junto ao Rei. Poder ilimitado que era afrontoso aos olhos do futuro Marquês de Pombal já que para além das tarefas de cristianização os jesuítas controlavam boa parte dos interesses económicos nacionais. Assim os cofres do Estado não reflectiam a riqueza e o fausto da Igreja já que o comércio era de facto dominado pela Igreja e não pelo Estado.
Muitos cargos do governo eram ainda ocupados por membros da Companhia de Jesus e o ensino estava sob o controle dos Jesuítas que continuavam a seguir estritamente o sistema aristotélico (ou seja, tomista). Em 1746, quase no final do reinado de D. João V, agraciado com o título de Fidelissimo pelo papa Bento XIV em recompensa da sua obediência estrita aos ditames do Vaticano, o reitor do Colégio das Artes de Coimbra proíbia por decreto «…quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles» e, em particular, «opiniões novas, pouco recebidas e inúteis para o estudo das Ciências Maiores, como são as de Renato Descartes, Gassendi (Pierre Gassendi teve mais sorte que Giordano Bruno e conseguiu sobreviver à recuperação do atomismo de Leucippus e Epicurus), Newton e outros».
Ou seja, o poder da Inquisição fazia do Portugal setecentista um firme bastião da Contra-Reforma, Inquisição cujo crivo censório impedia a dissipação das trevas obscurantistas, impostas pela Igreja católica, pelos ventos do Iluminismo que se faziam sentir nos círculos cultos do resto da Europa.
Os jesuítas constituiam assim um obstáculo intransponível a todos os projectos da reforma económica, política, militar e, principalmente, social do país pretendida pelo marquês de Pombal. Os jesuítas dominavam todos os aspectos da vida do país, ditando as normas sociais no confessionário, impedindo o progresso do país pelo monopólio da educação e reinando nas finanças pelas benesses e privilégios oferecidas por uma série de devotos reis e pelos bons ofícios da Inquisição.
Não obstante a funesta influência jesuítica se efectivar em toda a Europa, atingia dimensões catastróficas em Portugal devido ao poderio incontestado dos jesuítas nas colónias, principalmente as da América do Sul. Poder absoluto verificado especialmente no Paraguai em que os jesuítas resistiram em ceder o seu domínio sobre o território à coroa portuguesa, como estabelecido em tratado entre a Espanha e Portugal. Foi necessário empreender contra a Companhia de Jesus medidas enérgicas para que os jesuítas cumprissem os tratados ibéricos, campanha dirigida pelo governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, com colaboração de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Sebastião de Carvalho, na zona do Amazonas. O marquês de Pombal ordenou ainda aos governadores-gerais das colónias que investigassem os jesuítas. O resultado do inquérito foi deplorável para aqueles padres, nada abonando em favor da moral e bons costumes seguidos por estes. Face às provas da profunda corrupção da Companhia, Sebastião de Carvalho ordenou que os jesuítas fossem suspensos do exercício da confissão e da pregação em todas as dioceses portuguesas e obteve de Roma um visitador encarregue de proceder a um inquérito e de reformar os (muitos) abusos verificados na Companhia. Bento XIV nomeou para visitador o cardeal patriarca de Lisboa.
Tudo isto contribuiu para a convicção do marquês que Portugal só tinha a ganhar se se livrasse da influência perniciosa dos jesuítas, não só pela resistência que estes faziam às tropas portugueses no Paraguai e pelo seu faustoso poder económico mas especialmente pelo papel nocivo que detinham na educação que os tornava um obstáculo incontornável ao livre desenvolvimento do espírito humano, essencial ao desenvolvimento e progresso do país.
Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.