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Cultura de morte nas Filipinas

Construída em finais do século XVI pelos espanhóis, a Igreja de Quiapo é um dos símbolos mais proeminentes do poder da Igreja Católica nas Filipinas. Poder que se manteve praticamente intocado até hoje, fazendo das Filipinas um dos últimos redutos da teocracia católica. Assim, nas Filipinas são seguidas (in)escrupulosamente as determinações da «santa» Igreja: os execrados métodos contraceptivos «artificiais» são anátema; a defesa de óvulos e espermatozóides absoluta em território tão dominado pela ICAR.

Na Igreja de Quiapo, situada no centro de Manila, todos os dias se podem encontrar centenas de filipinos que rezam a uma suposta milagrosa imagem de Jesus carregando a cruz. Provavelmente pedindo um milagre que os tire da miséria que caracteriza a vida da esmagadora maioria dos habitantes do país, um dos mais corruptos e com uma das maiores taxas de natalidade do mundo. Milagre que nunca acontecerá e os pobres, com proles numerosas que simplesmente não conseguem sustentar, continuarão miseráveis e ignorantes, dependentes da «boa-vontade» e «boas acções» que a Igreja, com dinheiro alheio, magnanimamente distribui, sem qualquer hipótese sequer de aprenderem a controlar a sua fertilidade. E a «santa» Igreja, que actua activamente na política do país, influenciando e determinando não só resultados eleitorais mas destituições de presidentes que não se ajoelharam convenientemente face à Igreja, já fez saber que negará comunhão a qualquer político, e dados os antecedentes fará certamente campanha contra ele, que tente promover políticas de controle de natalidade.

Mas centenas de mulheres filipinas dirigem-se à Igreja de Quiapo em busca de outro tipo de milagre, um milagre muito mais prosaico e muito mais eficiente a resolver os problemas causados pela miséria que assolam a população: uma forma de terminar uma gravidez indesejada.

Os principais pontos de venda de produtos abortivos nas Filipinas situam-se nas imediações de igrejas e a de Quiapo não é excepção. Os locais habituais de venda destes produtos situam-se a poucos metros do Monumento às crianças não nascidas, uma representação de um feto fora do útero, querubins, as mãos estigmatizadas do mítico fundador do cristianismo e uma mãe a chorar. Estátua inaugurada em 1979, ano dedicado às crianças não nascidas pela delegação local da ICAR e ano em que o Cardeal apropriadamente chamado Sin (pecado) considerou os famigerados contraceptivos os principais culpados (?!) da elevada taxa de aborto que já nessa altura se sentia no país e que, de acordo com o piedoso prelado, introduziram uma cultura de morte nas Filipinas.

«Poder-se-ia dizer que nós fornecemos milagres instântaneos às mulheres» afirmou uma das muitas vendedoras que desde há anos vendem ervas e determinados produtos abortivos em Quiapo. Assim, e ironicamente, a Igreja de Quiapo tornou-se sinónimo de aborto, um anátema punido automaticamente com excomunhão, como lembrou o porta voz da Igreja Católica local, Pedro Quitorio, em relação à famigerada pílula RU 486.

No entanto as ameaças de condenação eterna não parecem demover as mulheres filipinas, sem acesso a contraceptivos, cuja distribuição pública foi proíbida pelos bons ofícios da Igreja, com mais filhos que os que podem alimentar e cada vez mais mulheres recorrem ao aborto clandestino. E cada vez mais mulheres morrem devido às sub-humanas condições em que estes abortos são realizados. Em 2002 estimava-se em 400 000 o número de mulheres que recorreram a abortos de vão de escada e cerca de 100 000 necessitaram ser hospitalizadas na sequência de um aborto. Actualmente estima-se em 750 000 o número de abortos anuais e as complicações causadas por abortos deficientemente realizados são a 4ª causa de morte das mulheres filipinas!

Apesar do auxílio precioso de organizações internacionais, muitas mulheres não conseguem ajuda num pós-aborto problemático já que os mui católicos médicos filipinos se recusam a tratar estas pecadoras mulheres, muitas esvaindo-se em sangue. Alguns, mais «caridosos», efectuam a sangue-frio os dolorosos procedimentos necessários, dilatação e curetagem, um «apropriado» e cristão castigo do abominável pecado que cometeram.

Infelizmente, como se lamenta o Dr. Diego Danila que supervisiona este flagelo do aborto clandestino e as mortes maternais para o Departamento de Saúde filipino, todas as propostas de introdução de políticas de planeamento familiar têm sido vigorosamente boicotadas pela poderosa Igreja Católica! Que recentemente, via um grupo católico oximoronicamente chamado pró-vida, propôs uma lei que pretende proibir a venda da pílula e de dispositivos intra-uterinos nas Filipinas. Ou seja, não foram os contraceptivos mas a «santa» Igreja que de facto propiciou e continuará a propiciar uma política e uma cultura de morte para as mulheres filipinas com a sua posição inflexível, a do Vaticano, contra qualquer tipo de contraceptivos.

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