19 de Setembro, 2005 Palmira Silva
Religião e política : variações sobre um tema
A Igreja católica não abdica de tentar impôr os seus dogmas anacrónicos e intolerantes imiscuindo-se de forma inaceitável na política. Curiosamente nos países em que a religião católica é a dominante, a Igreja de Roma tem uma actuação estritamente selectiva, apenas intervindo na cena política para condenar partidos ou governos que pretendam legislar em matérias relacionadas com sexo, contra os preceitos emanados do Vaticano, claro, ou os que lhes pretendam cortar o financiamento. Nunca se ouviu um protesto ou uma condenação dos atropelos aos direitos humanos nas muitas ditaduras nestes países!
Assim, caiu o Carmo e a Trindade numa Itália em período de pré-campanha para as eleições da próxima Primavera, quando Romano Prodi, o social-democrata que foi presidente da Comissão Europeia e que encabeça a coligação de centro-esquerda, se declarou a favor do reconhecimento dos direitos legais dos casais que vivem em união de facto, que representam uma percentagem crescente da população italiana e que, ao abrigo da lei actual, não têm qualquer tipo de protecção ou direitos legais. Como seria expectável no país que alberga a delegação central da Igreja Católica, o Vaticano e os dignitários eclesiásticos italianos reagiram com uma tempestade de protestos e chantagens políticas contra esta «ameaça à família».
O jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, afirmou que Prodi estava a relativizar a família, uma instituição baseada no casamento (para os peritos no assunto, os celibatários do Vaticano). E a agência noticiosa dos bispos italianos, SIR, disse que a coligação encabeçada por Prodi pagaria politicamente nas urnas se tentasse imitar Espanha, que legalizou o casamento homossexual este ano.
Prodi insistiu que a medida não pretende legalizar o casamento homossexual mas apenas garantir os devidos benefícios sociais a mais de um milhão de italianos, equiparando as uniões de facto em termos administrativos e legais às uniões legalizadas no cartório.
Muitos comentadores italianos comparam o que se passa e o que prevêm se vai passar com a campanha milionária e empenhada organizada pelo Vaticano para impedir que o referendo sobre a fertilidade assistida passasse. Em consequência, a Itália tem uma lei retrógrada e aberrante que basicamente considera um embrião equivalente a uma pessoa nascida.
Certamente nos próximos meses veremos o Vaticano a apelar ao voto em Silvio Berlusconi, que pode ter … algumas «arestas» menos polidas, mas é um modelo de virtudes católicas. Especialmente naquilo que de facto interessa, defesa intransigente de embriões, óvulos e espermatozóides e determinação em acabar com educações ateias de evolucionismos e voltar aos bons ensinamentos criacionistas da tradição católica!