Falácias
Consegui descobrir o texto da acção que a Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI) moveu contra a Universidade da Califórnia por esta não reconhecer disciplinas cristãs ou disciplinas de (pseudo)ciência baseadas em livros de duas editoras cristãs.
O texto da acção é demasiado extenso (mais de 100 páginas) para ser lido na íntegra mas logo no início descobre-se que vários alunos não entraram na UC, inclusive um que pretendia seguir medicina (cristã, certamente), devido «à discriminação de perspectivas e discriminação de conteúdos dos acusados em relação à educação em escolas cristãs e a textos cristãos».
Discriminação de conteúdos é simplesmente anedótico. Será que a seguir vão processar o Conselho Médico da Califórnia se este não reconhecer e conceder licenças de prática aos charlatães especialistas que pretendem curar pela fé, oração, água benta, imposição das mãos, defumações ou outra qualquer banha da cobra, com base no facto de tal constituir «discriminação de conteúdo», favorecendo a medicina científica em relação a doutrinas espirituais?
E simplesmente anedóticos são os livros de texto que estão na base da rejeição pela UC das disciplinas de ciência e biologia leccionadas nas escolas que movem a acção. O livro de Biologia do 10º ano de uma das editoras em questão, a Bob Jones University Press, é um bom exemplo.
Assim, logo na Introdução ficamos a saber que «As pessoas que prepararam este livro tentaram consistentemente pôr em primeiro lugar a palavra de Deus e a ciência em segundo (…) Se (…) em algum ponto a palavra de Deus não prevalece os autores pedem desculpa». Diria que não é uma perspectiva científica alternativa mas sim uma tentativa apologética de usar a ciência para impor as IDiotias cristãs, sem nada de científico!
Ainda mais anedótica científica é a seguinte afirmação, que como a quase totalidade do que está disponível online, pretende preparar os alunos contra as «falácias» blasfemas da ciência e seus advogados, os incréus cientistas. Ou seja, trata-se de um livro anti-ciência e não de um livro de ciência! E que pretende garantir que os alunos que o utilizam fiquem efectivamente «vacinados» contra o conhecimento científico para além de impedir a abertura de espírito e desenvolvimento de espírito crítico!
«O mesmo artigo da enciclopédia pode afirmar que o gafanhoto evoluiu há 300 milhões de anos. E pode-se encontrar a descrição de um qualquer insecto a partir do qual supostamente o gafanhoto evoluiu e uma descrição dos insectos que os cientistas dizem ter evoluído do gafanhoto. Pode mesmo encontrar-se uma explicação ‘científica’ da praga bíblica de gafanhotos no Egipto. Estas afirmações são conclusões baseadas em ‘ciência suposta’. Se as conclusões vão contra a palavra de Deus, então as conclusões estão erradas, não importa quantos factos científicos parecem suportá-las».
Como seria de esperar a evolução é considerada absurda: «Deus criou os homens e todas as outras espécies de organismos com a capacidade de reproduzirem a respectiva espécie (Gen. 1:12, 21, 25, 28); assim, humanos reproduzem humanos, carvalhos reproduzem carvalhos e gatos reproduzem gatos. A ideia que todas as formas de vida descendem de uma célula ancestral comum que teve origem em moléculas não vivas é absurda».
Um capítulo disponível no sítio da Internet é o Capitulo I: A ciência da vida e o Deus da vida. Onde se podem encontrar pérolas como a da página 9, numa das caixas descrevendo «Aspectos da Biologia». Este aspecto «biológico» em concreto trata da importantissima questão «Como comunica Deus com os homens» e explica que as supostas revelações de Deus a Joseph Smith, o fundador dos mormons, são falsas:
«Foi Joseph Smith revelado por Deus? Baseados nas Escrituras devemos dizer não! O apóstolo Paulo diz que se alguém (incluindo o próprio Paulo ou mesmo um anjo) prega outro qualquer evangelho ele deve ser amaldiçoado (Gal 1:8)». Elucidação de facto indispensável num livro de Biologia!
Mas a minha favorita é a definição de falácia encontrada no livro:
«Falácia: tudo o que contradiz a verdade revelada de Deus, não importa quão científico, quão estabelecido ou quão aparentemente consistente e lógico pareça».
Quiçá terá sido num livro desta editora que J.C. das Neves encontrou a definição de moralismo que aplicou na sua última opinação!