A campanha pela virgindade
Os dois países ocidentais líderes no desastroso campeonato da gravidez adolescente e doenças sexualmente transmissíveis nesta faixa etária, os Estados Unidos e o Reino Unido, são aqueles em que as campanhas dos conservadores têm maior força e a educação sexual e o acesso a meios de contracepção se encontram entre os mais fracos.
Os Estados Unidos, segundo mostram as estatísticas do Fundo Demográfico das Nações Unidas, são a única nação rica que se encontra no meio do bloco do Terceiro Mundo, com 53 nascimentos por 1000 adolescentes – um índice pior do que o da Índia, das Filipinas e do Ruanda [1]. O Reino Unido vem a seguir, em 20º. Os países que, segundo os conservadores, deveriam estar à cabeça da lista, encontram-se no fim da tabela. Alemanha e Noruega só têm 11 bebés por 1000 adolescentes, a Finlândia, 8; a Suécia e a Dinamarca, 7; e a Holanda, 5 [1].
A explicação da UNICEF é bastante inequívoca. A Suécia, por exemplo, mudou a sua política de forma radical em 1975: «Abandonaram-se as recomendações de abstinência e de praticar o sexo exclusivamente no casamento, a educação contraceptiva tornou-se explícita e criou-se uma rede nacional de clínicas para jovens, concretamente para fornecer de forma confidencial orientação aos jovens sobre métodos e tratamentos contraceptivos… Durante as duas décadas seguintes, o índice de nascimentos em adolescentes baixou em 80%». As doenças de transmissão sexual, em contraste com os crescentes índices do RU e EU, baixaram neste país cerca de 40% nos anos 90.
«As análises da experiência holandesa», continua a UNICEF, «chegaram à conclusão de que a razão subjacente ao sucesso foi a combinação de uma sociedade relativamente tolerante com atitudes mais abertas para o sexo e a educação sexual, que inclui os métodos contraceptivos». Pedidos de contraceptivos lá «não se associam à vergonha ou à culpa» e «os meios de informação estão predispostos a levar a cabo mensagens explícitas» sobre os contraceptivos dirigidos aos jovens. Aquilo a que os conservadores designam por «esgoto» conduz aos índices mais baixos de abortos e de natalidade em adolescentes da Terra».
Os EU e o RU, ao contrário, «são sociedades menos inclusivas» em que «oficialmente, pode encontrar-se orientação e serviços sobre contraceptivos, mas numa atmosfera ‘fechada’ embaraçosa e secreta». O Reino Unido tem uma taxa mais alta de gravidezes em adolescentes, não porque haja mais sexo ou mais abortos aqui, mas pelos «índices mais baixos de uso de contraceptivos».
A catástrofe que aflige muitas adolescentes na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, por outras palavras, não se deve aos professores liberais, a pais liberados, à Fundação Marie Stopes International [Organização Internacional para a prevenção de gravidezes não desejadas e para o controle da natalidade], ou ao Guardian, mas a George Bush, a Ann Widdecombe e ao Daily Mail. Às suas campanhas contra a educação sexual desde cedo, à sua oposição ao acesso aos contraceptivos e às suas campanhas contra a inclusão social (a igualdade de rendimentos, o estado de bem-estar) que oferece às mulheres jovens melhores perspectivas do que ficar grávidas.
As campanhas a favor da abstinência como as de «A coisa do Anel de Prata» podem atrasar o início da actividade sexual, mas quando as suas vítimas são atraídas ao poço negro (quase todas, eventualmente o são) é provável que só cerca de um terço usem contraceptivos (segundo o estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Columbia), porque não estão «preparadas para uma experiência a que tinham prometido renunciar» [2].
Um artigo publicado no British Medical Journal revela que o resultado é que esses programas de abstinência «se associam a um aumento do número de gravidez entre os casais dos jovens que os seguiram» [3]. Sim, leu-o correctamente: a educação na abstinência aumenta os índices de gravidez em adolescentes.
Se tudo isto fosse conhecido amplamente, os conservadores e os evangélicos nunca se atreveriam a fazer as afirmações que fazem, por isso têm que se assegurar de que não o saibamos. Em Janeiro, o Sunday Telegraph afirmava que os europeus «olhavam com inveja» os índices de gravidez adolescente nos EU [4]. Apoiava esta insólita afirmação ocultando, de forma deliberada, as cifras, apresentando as do índice de gravidezes adolescentes por 1000 nos EU, enquanto no Reino Unido o fazia com o total de nascimentos, de maneira que os leitores não pudessem estabelecer a comparação.
Nota: post recolhido neste excelente artigo do Guardian, de George Monbiot, que pela sua relevância traduzi parcialmente!
[1] UNICEF, Julho 2001. Quadro de índices de natalidade de adolescentes em países ricos. Innocenti Report Card n.º 3. UNICEF, Centro de Investigação Innocenti, Florença.
[2] PS Bearman y H Brucner, 2001. Promising the future: Virginity pledges and the transition to first intercourse [Promessas do futuro: o compromisso com a virgindade e a transição para a primeira relação sexual]. American Journal of Sociology, 106 (4), 859-912.
[3] Alba DiCenso et al., 15 de Junho de 2002. Interventions to Reduce Unintended Pregnancies Among Adolescents: Systematic Review of Randomised Controlled Trials. Actuacções para reduzir as gravidezes não desejadas em adolescentes: Revisão sistemática das Provas Aleatórias de Controle: British Medical Journal, 324:1426.
[4] Olga Craig, 11 Janeiro de 2004. No Sex Please… They’re American, And Their Teenage Pregnancy Rates Are at a 10-Year Low. In Stark Contrast, The UK’s Record Is the Worst in Western Europe [Sexo não, por favor… São americanos e os seus índices de gravidez em adolescentes baixaram em 10 anos. Em brutal contraste, o índice no Reino Unido é o pior da Europa ocidental]. Sunday Telegraph.