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Mês: Julho 2005

9 de Julho, 2005 Palmira Silva

Notícias dos (quasi) antípodas

Chi Yeong Yun, 37 anos, um pastor da Igreja de porta aberta de Chatswood e os professores de estudos da Bíblia James Kang, 21 anos (e 1 metro e oitenta e mais de 130 kg), e Tom Chae-Young Lee, 22 anos, declararam-se ontem culpados do espancamento de uma adolescente, Angela Kim, após o juiz lhes ter mostrado fotos do estado em que ficou a vítima após uma «conversa» com os acusados.

Até aí os três devotos consideravam que apenas tinham tentado persuadir a vítima de que esta devia voltar a frequentar a igreja. Aparentemente os três consideravam perfeitamente legítimo o uso de métodos de persuasão mais «directos» para evitar a apostasia e obviar à falta de respeito em relação aos mais velhos manifestada pela adolescente.

Ainda na Austrália, o fundador do culto apocalíptico cristão a Ordem de Santo Charbel, William Kamm, o tal que que reclama uma linha directa com o panteão católico e instruções ao vivo e a cores de Maria, foi condenado ontem num tribunal australiano.

Aparentemente o juri não acreditou nas aparições marianas, ou nas suas instruções ao devoto para fundar um hárem que forneceria a prole que asseguraria a sobrevivência da humanidade após o apocalipse, e considerou que o réu é apenas um pervertido sexual que aproveitou a sua ascendência espiritual sobre os pais da adolescente, membros da sua comunidade, para a manipular, convencendo-a de que tinha sido escolhida pela «Virgem» para ser uma das suas rainhas, e assim abusar sexualmente da jovem de 15 anos.

8 de Julho, 2005 fburnay

O medo da secularização

São muitos os católicos que não gostam de menções à Inquisição, ao fanatismo ou à intolerância da sua religião porque essa religião que conhecem (ou julgam conhecer) lhes foi apresentada numa forma secularizada. A catequese de que foram inocentes vítimas, apesar de retrógrada e por vezes contraditória em muitas matérias, deixa emergir uma mensagem generalizada de amor, paz e respeito, dado o ambiente cultural da nossa sociedade.

Porque nem todos concordam com tudo o que o Papa diz, nem com o que diz padre fulano na sua homilia. Assim não fosse e não ouviria tantas mulheres dizerem-se católicas. Porque não sabem que o livre-pensamento é castigado com o fogo do Inferno. Inferno esse do qual duvidam enquanto possível destino post-mortem e cuja existência julgam, muitas vezes, ser matéria de opinião pessoal no seio do seu catecismo.

Este diluir do dogma pode ser auto-infligido por pessoas de bom senso não têm tempo para acreditar em contradições ao pequeno-almoço ou por ministros da fé mais liberais, reformadores, jovens ou simplesmente amedrontados pela perda de seguidores. O que é certo é que é a sociedade e não o Vaticano que vai ditando as mudanças profundas na maneira de viver a religião.

Seja essa mudança (ela também uma forma de secularização) um modo de fazer cair um véu sobre a repulsa disfarçada que as instituições religiosas têm pelas liberdades pessoais, seja isso um esforço para fazer evoluir doutrinas estáticas há séculos, o que é certo é que a religião, na sua forma natural, possui todos os ingredientes para instrumentalizar a perseguição, a morte e o ódio livres de punição divina e presenteados com garantias de salvação.

É bom lembrar a entrevista de Omar Bakri Mohammed, auto-intitulado «teórico da Al-Qaeda na Europa», onde este revela o não inesperado desprezo total pelo secularismo e o ódio sagrado incluído nos textos divinos e ameaça um atentado em Londres, infelizmente concretizado.

Não sei o que dizer quando alguém mascara o ódio bíblico de “vicissitude da época” ou “tradução melindrosa”. Será uma forma de o exorcizar, aos poucos, da liturgia? Ou será uma forma de o conservar, à espera de melhor oportunidade para voltar a espalhar o cancro medieval do fanatismo?

7 de Julho, 2005 Carlos Esperança

Notas piedosas

Vaticano – Sob os auspícios do gerente do departamento para a Causa dos Santos, cardeal Saraiva Martins, o processo de canonização dos pastorinhos de Fátima, Jacinta e Francisco, vai avançar em Setembro.
O milagre seleccionado refere-se à cura de diabetes, atribuído à intercessão dos dois beatos que, actuando em parceria, curaram um filho de pais portugueses, a viver na Suíça.
O milagre, na área da endocrinologia, foi obrado em Filipe Moura Marques, agora com 5 anos. Este milagre esteve para ser abandonado, mas foi recuperado por falta de outro mais convincente.
É a primeira vez que beatos portugueses obram milagres para um país fora da União Europeia, um facto prodigioso e raro que os peregrinos de Fátima saberão apreciar.

João Paulo II – A beatificação do protector do Opus Dei e admirador dos ditadores católicos corre a bom ritmo. Foi pensado declará-lo mártir mas a ICAR acanhou-se. Assim, encomendou-lhe com carácter de urgência um milagre que não o envergonhe face aos bem-aventurados pouco recomendáveis que ele próprio elevou aos altares.

Europa e cristianismo – Segundo o cardeal Saraiva Martins, cúmplice de JP2 e de B16, a Europa só sairá da crise com o cristianismo.
Ao apelar ao reconhecimento das raízes cristãs da Europa, diz que há lugar para o Islão.
Para além da falsificação histórica que a ICAR pretende fazer, insinuando que o Continente só passou a existir com o cristianismo, reserva ainda um lugar ao islão cujo proselitismo demente aprecia. Um mal nunca vem só.

Lugar para o Islão – O cardeal não se referia ao atentado de Londres, posterior às suas palavras.

7 de Julho, 2005 Carlos Esperança

E o resultado viu-se…

«A única vez que rezei na vida foi quando concorri ao Festival da Canção».

Herman José, humorista. (EM FOCO, «Visão» 07-07-2005, pg. 32).
7 de Julho, 2005 Ricardo Alves

Atentados de Londres: foi em nome de Deus?

Um comunicado de uma alegada Organização Secreta da Al-Qaeda na Europa, assumindo a autoria dos atentados de hoje de manhã em Londres, apareceu num site islamista.
«Em nome de Deus, o misericordioso, cheio de compaixão, possa a paz estar sobre o alegre e destemido lutador, o Profeta Maomé, que a paz de Deus esteja sobre ele.
Comunidade dos muçulmanos e mundo árabe, regozijai-vos pois chegou a hora da vingança contra o governo cruzado e sionista britânico em retaliação contra os massacres que a Grã-Bretanha está a cometer no Iraque e no Afeganistão. Os mujahedin heróicos realizaram um ataque abençoado em Londres. A Grã-Bretanha arde agora com medo, terror e pânico nos seus cantos norte, sul, leste e oeste.
Tínhamos avisado o governo e o povo britânicos repetidamente. Cumprimos a nossa promessa e realizámos o nosso ataque abençoado na Grã-Bretanha depois de os nossos mujahedin se terem esforçado estrenuamente durante um longo período de tempo para assegurar o sucesso do ataque.
Continuamos a avisar os governos da Dinamarca e da Itália e todos os governos de cruzados que serão punidos da mesma maneira se não retirarem as suas tropas do Iraque e do Afeganistão. Aquele que avisa está desculpado.
Deus diz: “Tu, o que acreditas: se ajudares (à causa de) Alá, Ele te ajudará, e plantará os teus pés firmemente.”»
O site onde este comunicado apareceu já não está disponível. A sua autenticidade não está confirmada.
BBC (Comunicado completo)
6 de Julho, 2005 Carlos Esperança

Tolerância cristã

Quando oiço falar da tolerância cristã vêm-me à memória dois milénios de violência que culminam na influência maléfica que a hierarquia católica exerce nos países sul-americanos e em vários países europeus, da Polónia à Espanha.

Se é verdade que judeus ortodoxos e muçulmanos, particularmente estes, não temem confronto com as malfeitorias dos cristãos, não podemos absolver a violência que brota dos livros ditos sagrados e do proselitismo dos crentes fanatizados.

Os cátaros e o huguenotes provaram cruelmente as manifestações de tolerância cristã, tal como os judeus e os muçulmanos. As Cruzadas e a Inquisição não foram epifenómenos de uma época mas inserem-se na matriz genética de uma doutrina que tem por ambição dominar o mundo.

A Reforma e a Contra-Reforma são o exemplo trágico da ferocidade que os cristãos são capazes de desenvolver. E que dizer dos cristãos que santamente acorriam aos locais de suplício para se deliciarem com as torturas e o churrasco de pessoas vivas?

Calvino foi tolerante? Os Evangélicos e os Adventistas são tolerantes? JP2 e B16 são exemplos de tolerância ou de bondade?

O Opus Dei não alberga o mais leve resquício de tolerância no coração dos seus membros. Monsenhor Escrivá, o tenebroso sacerdote que voou a jacto para a santidade, montado no dorso de JP2, foi director espiritual do casal Franco e do general Pinochet, dois terríveis ditadores que governaram respectivamente a Espanha e o Chile.

De Pinochet e esposa dizia JP2 que eram um casal cristão perfeito. Era esta a opinião do futuro santo sobre o torcionário, ladrão e fascista. É de exemplos de santidade assim que o cristianismo está cheio.

Que existem cristãos tolerantes não há dúvida. Que o cristianismo seja tolerante é falso.

6 de Julho, 2005 Palmira Silva

Choque e espanto

Como indicou o João Vasco, uma das pedras basilares em que foi fundado o estado americano, a completa separação estado-religião, está sob ataque nos Estados Unidos.

Num país cuja Constituição centenária não menciona Deus uma única vez, a «guerra» teocrática instalou-se com a nomeação de um juíz para o Supremo Tribunal em substituição de Sandra Day O’Connor que resignou na sexta-feira. Os teoconservadores pretendem ser o nomeado alguém como Antonin Scalia ou Clarence Thomas, que revogue a decisão Roe v. Wade (que permite a interrupção voluntária da gravidez), que garanta a discriminação de homossexuais, que ponha termo ao acesso a anticonceptivos, enfim que instale uma teocracia nos Estados Undidos. E os teocratas, que ajudaram a eleger Bush, acham que merecem pagamento por toda a indispensável ajuda, na forma da nomeação de alguém da sua linha para o Supremo Tribunal!

E tudo indica que G. W. Bush se prepara para nomear para o Supremo Tribunal Alberto R. Gonzales, um dos responsáveis pelo Patriot Act e pela cadeia de acontecimentos que culminaram em Abu Ghraib, sendo um dos autores dos memos «da tortura», dos quais foi amplamente divulgado aquele em que aconselha G.W. Bush a ignorar a convenção de Genebra no tratamento dos prisioneiros talibans.

A ligação de Gonzales ao presidente americano, de quem foi conselheiro até Fevereiro de 2005, data em que foi designado Attorney General, remonta à década de 90 quando Bush era governador do Texas e Gonzales seu secretário de estado e conselheiro. Gonzales, que revia todos os pedidos de clemência dos (muitos) prisioneiros condenados à morte no estado do Texas, de acordo com um artigo de 2003 publicado no The Athlantic Monthly, trabalhava activamente para negar essa clemência.

Um artigo de hoje no The New York Times (registo necessário) dá conta da dissensão nas hostes republicanas sobre esta provável nomeação polémica. Em que o cerne das objecções não tem nada a ver com a linha dura da actuação de Gonzales, quer quando conselheiro do governador do Texas quer no pós 11 de Setembro. Pelo contrário, os teoconservadores acusam Gonzales de ter uma posição muito «branda» nos assuntos em que estão especialmente interessados!

Assim, a Casa Branca e os líderes republicanos no Senado pedem contenção aos seus aliados conservadores no que se refere à possibilidade de Gonzales ser o nomeado. Nomeadamente que baixem o tom nas acusações de guerra «cultural», em que este cultural se refere a assuntos como o aborto, fim da separação estado-religião e casamento homossexual. Guerra «cultural» em que os teocratas consideram Gonzales do outro lado da barricada.

Gary Bauer, presidente da associação American Values e um conservador cristão, declarou que «Muitas pessoas sentem que a administração não devia ser relutante em falar dos valores que esperamos que o nomeado abrace» enquanto representantes de vários grupos conservadores cristãos afirmaram que vão pressionar o presidente para não nomear Gonzales, muito pouco conservador para os respectivos gostos! Ontem a associação Focus on the Family enviou uma mensagem electrónica aos seus apoiantes com o título «Bush defende Gonzales. Alguns conservadores questionam se ele é apropriado para o Supremo Tribunal».

Face às alternativas mais do agrado dos teoconservadores e considerando que as nomeações para o Supremo são vitalícias estou plenamente de acordo com o director executivo da Americans United for Separation of Church and State, o reverendo Barry W. Lynn! Quando este afirma que «Devemos insistir para que o Presidente Bush a substitua por alguém que respeite a liberdade individual. O’Connor era uma conservadora mas via a complexidade das questões igreja-estado e tentava escolher um curso de acção que respeitava a diversidade religiosa do país. A sua resignação potencialmente abre a porta à maior mudança na linha do Supremo Tribunal da história moderna».