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Mês: Julho 2005

18 de Julho, 2005 Carlos Esperança

Concorrência desleal

Ontem o padre Vítor Feytor Pinto, no fim da missa do meio-dia, avisou os paroquianos para não darem esmolas ao pé da igreja.

Um mendigo estabelecido junto à porta e com horário de trabalho coincidente com a entrada e saída dos actos piedosos não gostou deste ataque à economia liberal.

Entrou na igreja, esbofeteou o conhecido pároco, tirou-lhe os óculos e esmagou-lhos com os pés.

Para além do acto reprovável do mendigo, que o Diário Ateísta lamenta, estamos em condições de informar os nossos pios leitores de que o padre Feytor Pinto pensa apresentar queixa judicial. Isto de dar a outra face e arriscar o próximo par de óculos é uma atitude cristã do passado.

Fonte: Correio da Manhã

17 de Julho, 2005 Palmira Silva

Creatio ex nihilo

«Desde há muito dizem que o Supremo Arquitecto tentou fazer escultura. (…) Assim este velho de barbas escolheu como material o barro, o que em si mesmo já mostra o tipo de mentalidade escultórica que possuía. As coisas começaram a correr para o torto; umas esculturas eram simplesmente más, outras começaram a estalar (…). Irascível e incapaz de autocrítica, Deus disse logo que a culpa não era dele. Em primeiro lugar acusou outro génio da época, um agrónomo especialista em pomares que, ao que parece, frequentava o jardim onde Ele punha as esculturas. Depois, acusou a má qualidade do barro e, finalmente, proibiu que se fizessem mais esculturas(…).» João Cutileiro, 1972.

Todas as religiões têm os seus mitos da criação, expressões de arquétipos comuns a toda a humanidade, já que uma das funções da religião é a de explicar o mundo e a existência humana, necessitando, por isso, mitos da criação, tanto do mundo como do homem. Assim, o mundo é frequentemente criado por um deus ou deuses a partir do caos, de uma matéria primordial, pensamento ou palavra divina – como na Bíblia e no Popol Vuh – e, nalgumas, uma emanação divina, como calor ou transpiração. Para a criação do homem, que se segue normalmente à criação do mundo, estes mitos envolvem, como seria de esperar, a intervenção «divina», seja ela a partir de um ovo, descendência de um casal divino, de barro, etc.. Todos esses mitos, porém, possuem características comuns: (1) o ser supremo é omnisciente e todo-poderoso; (2) o acto de criação é consciente, deliberado, planejado e livre e (3) a criação original é um paraíso destruído por um qualquer pecado humano.

Explicadas as origens é necessário elaborar sobre o futuro, com especial ênfase naquele que é o nosso destino último: a morte. Surgem então paraísos sortidos onde aqueles que em vida seguiram os meios de salvação debitados pelas autoridades religiosas respectivas vivem em eterna felicidade na Valhala adequada à sua cultura. Os incréus e os que não obedecem escrupulosamente aos ditames dessas autoridades são agraciados com infernos de concepção variada mas que são invariavelmente castigos «divinos» horríficos. Muitas religiões apresentam ainda versões apocalípticas para completar o ciclo.

Desde os primórdios da humanidade que os mitos criacionistas se constituiram como verdade absoluta, interpretada literalmente dos textos sagrados das diversas religiões. As vozes discordantes ou críticas foram por norma radical e violentamente silenciadas uma vez que as autoridades religiosas e políticas se confundiam no exercício do poder e o respeito pelo indivíduo não faz parte do código «genético» de alguma religião. No mundo ocidental a hegemonia das autoridades religiosas começou a ser questionada há pouco mais de dois séculos, na sequência dos movimentos humanistas renascentistas e culminou na laicidade e declaração dos direitos do homem, que inclui o direito à liberdade de pensamento. Mas quer a laicidade quer os direitos mais elementares são alvo contínuo de ataques dessas autoridades religiosas, nomeadamente da Igreja Católica, vulgo ICAR. A conjuntura actual é pasto fértil para que o Vaticano tente recuperar o integrismo perdido e, de facto, a eleição recente de Ratzinger para dirigente supremo e incontestável da ICAR é apenas mais um dos muitos sinais que o indicam.

Neste contexto, a ciência, completamente incompatível com quaisquer manifestações divinas, é o primeiro «inimigo» dos prosélitos da fé. Como o comprovam todas as movimentações em relação a investigação em terrenos perigosos para a ICAR (e outras religiões do livro, as naturais aliadas da primeira nas Nações Unidas nas tentativas de proibição da investigação sacrílega) como sejam a investigação em células estaminais, a clonagem, reprodução e morte assistidas. Assim, era apenas expectável que a teoria da evolução fosse repudiada pelo Vaticano. O dogmatismo anti-científico e obscurantista é necessário à sobrevivência do cristianismo e a reposição dos mitos da criação a pedra basilar da recuperação do integrismo católico.

Perante a ameaça civilizacional que tal regressão implicaria e dado que as tentativas de ensino do criacionismo, na sua vertente IDiota, o criacionismo advogado numa primeira fase pelo ilustre prelado Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, não se restringem aos Estados Unidos e já houve delírios criacionistas na Europa, urge combater os dinossauros de Deus na sua missão totalitária. Como o temos feito no Diário Ateísta, informando os nossos leitores das manobras eclesiásticas nesse sentido, nomeadamente os repetidos assaltos à laicidade dos Estados, e dissecando os absurdos criacionistas que os exegetas do Vaticano querem impor como verdades absolutas e incontestáveis!

16 de Julho, 2005 Carlos Esperança

Terror religioso

Sou particularmente sensível às desigualdades sociais e à potencial violência que geram; à injustiça de uma sociedade egoísta e insensível ao sofrimento alheio; à discriminação que a riqueza, o consumo e o ostentação geram entre os que têm acesso imoderado e os que não podem sonhar com a mais ténue partilha.

Conheço do liberalismo económico as consequência deletérias na ruptura do tecido social e na marginalizarão de largas camadas populacionais, cuja miséria se torna mais obscena na comparação com o luxo que cresce e se ostenta a seu lado.

Não ignoro os ressentimentos que o colonialismo criou, as injustiças e os crimes cometidos nos países colonizados, o saque feito pelas nações poderosas do Norte aos países atrasados do hemisfério Sul.

Tudo isto é verdade e mal vai o mundo se a justiça distributiva se não ampliar, se o progresso não puder ser partilhado por maior número de pessoas, se a liberdade não se estender aos países onde os cleptocratas se apropriaram do aparelho do Estado e imensas populações vivem na mais cruel das misérias.

Mas nada disto justifica a barbárie que o fanatismo religioso espalha pelo mundo, nem serve de alibi a universitários, pilotos de avião e outros privilegiados que escolheram a profissão de suicidas. Não se pode conceder a liberdade a clérigos que açulam os crentes contra a civilização. Urge impedir o sangue e o ódio cultivados durante anos nos antros de mesquitas, contra a liberdade, o progresso e a cultura.

Há quem pense que todo o conhecimento que não cabe nos livros execráveis, que passam a vida a decorar, são inúteis; que qualquer manifestação de liberdade que colida com a vontade divina é um pecado grave; que a liberdade é uma provocação a um ditador cruel e sanguinário a cuja vontade interpretada pelo clero se submetem até à loucura e à morte.

O direito de culto não pode ser posto em causa mas o direito à vida e a civilização têm de merecer uma vigilância que não pare à porta das mesquitas ou na sacristia das igrejas. Os criminosos islâmicos que se imolaram no Metro de Londres eram ingleses imbecilizados por mullahs, veículos de bombas feitas provavelmente por um professor universitário que acredita na grandeza de Alá e na bondade de Maomé.

A esta corja de fanáticos, que medra no esterco da fé, é preciso dizer basta. Em nome da civilização. Por amor à liberdade. Pela igualdade dos sexos. Em defesa da vida. Pela diversidade de culturas. No estrito respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Abaixo a fé. Viva a vida.

16 de Julho, 2005 fburnay

O que a História devia ensinar

É de tempos de crise que os tiranos se servem para impôr as suas doutrinas,as soluções que os que os seguem vêem como as únicas disponíveis para pôr termo ao caos que assola a sociedade.

Em 1994 a Rússia atacou um país separatista. A Chechénia viu assim começar uma guerra que ainda não terminou.

Nos três anos que se seguiram ao cessar fogo de 1996, eis que do cadáver da decadência civilizacional se vem servir o habitual abutre: o fanatismo religioso. Apesar de contrárias à identidade chechena, começaram a alastrar a sharia, as flagelações públicas e a jihad. Da Arábia Saudita importou-se o wahhabismo para as mentes dos jovens chechenos. O separatismo sempre foi visto como uma oportunidade para os proselitistas do terrorismo, que encontraram em Shamil Basaiev um móbil para crimes como o da Ossétia do Norte.

As religiões sabem como e quando devem servir-se da miséria humana. Os fiéis, habituados a vê-las como sinónimo de paz, é que por vezes não se apercebem.

16 de Julho, 2005 Ricardo Alves

Pode a ICAR aceitar a evolução?

O arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, escreveu um artigo («Finding Design in Nature»; New York Times, 7 de Julho) negando a teoria da evolução. Nesse artigo, Schönborn afirma: «A evolução no sentido de ascendência comum pode ser verdade, mas a evolução no sentido neo-Darwiniano – um processo não guiado e não planeado de variação aleatória e selecção natural – não o é». Schönborn afirma ainda que «Qualquer sistema de pensamento que nega ou tenta ignorar a evidência esmagadora a favor do desígnio em biologia é ideologia e não ciência» e conclui que «Teorias científicas que tentam ignorar a aparência de desígnio como um resultado do “acaso e da necessidade” não são científicas de todo». O artigo é totalmente baseado em textos catequéticos, e aplica-se a demonstrar que a «evidência» de um desígnio (inteligente) na natureza é um ensinamento dogmático da ICAR.

Schönborn já confessou que o seu artigo foi despoletado por uma conversa, em Abril, com o então Cardeal Joseph Ratzinger, que o terá encorajado a pressionar no sentido de obter da ICAR um pronunciamento mais claro sobre a teoria da evolução. Na frente oposta, estes desenvolvimentos preocupam alguns cientistas católicos, que decidiram escrever uma carta a Joseph Ratzinger pedindo-lhe que clarifique se a posição da ICAR se alterou.

Deve notar-se que Schönborn está a tentar obter um recuo relativamente às declarações de Karol Wojtyla em 1988 (quando este pedia o «diálogo» entre a ciência e a religião) e 1996, em que o Papa anterior parecia disposto a aceitar que a teoria da evolução era «mais do que uma hipótese» embora «incompatível com a verdade sobre o homem» se afirmasse que «a mente evoluíra a partir da matéria viva». Karol parecia disposto a aceitar que a teoria da evolução seria válida para todos os animais à excepção do homem; Schönborn pretende colocar toda a teoria da evolução em causa.

As últimas notícias indicam portanto um recuo dos mais altos responsáveis da ICAR no estatuto que conferem à teoria da evolução. No actual papado, a ICAR parece prestes a mergulhar, agora sem cautelas, nas trevas do obscurantismo e do dogmatismo anti-científico.
15 de Julho, 2005 Carlos Esperança

O cãozinho e a confirmação

O homem chegou à Igreja com seu cachorrinho e pediu ao padre:

– O senhor poderia crismá-lo?
– Está louco?! – explodiu o outro.
– Sabe? É que eu adoro o meu cãozinho… Quando ele nasceu, resolvi batizá-lo. Levei-o à igreja ali de baixo e paguei ao padre quinhentos euros. Depois, quando completou um ano, paguei mil euros para que fizesse a primeira comunhão…

Então o padre imediatamente interrompeu:
– Bolas! Por que não me disse logo que o bichinho era católico?

15 de Julho, 2005 Carlos Esperança

Depois do fundamentalismo islâmico, o cristão

O leitor Filipe Castro alerta-me para um dos últimos números da revista semanal americana «New Yorker» que – segundo me diz – traz um artigo sobre um colégio privado para fundamentalistas cristãos que está a treinar «a futura geração de políticos» e que já tem uma quota garantida de estágios na Casa Branca.

A Bafafá Online, do Rio de Janeiro, refere um Encontro Ecuménico para discutir o fundamentalismo religioso, encontro que nasce da preocupação com a tendência actual em todas as confissões cristãs, tendo como objectivo «discutir a função social da teologia e os riscos do fundamentalismo religioso.

O Encontro, que reúne «católicos, metodistas, baptistas, luteranos, presbiterianos e leigos de todo o mundo», terá lugar em Mendes, interior do Rio, de 26 a 30 de julho para o 1º Fórum Internacional de Teologia Contemporânea.

O facto de reunir nomes como Leonardo Boff, Rubem Alves, D. Pedro Casaldaglia, o espanhol Xabier Pikaza Ibarrondo, o americano Harvey Cox, e outros «proscritos» de várias religiões, leva-me a confiar na bondade das intenções já que duvidando do seu Deus, acredito nas suas preocupações.

Finalmente, leio na «red voltaire.net» que o decano do Senado dos EUA, Robert Byrd, comparou Bush a Hitler tendo justificado a afirmação com as alterações ao funcionamento do Senado, empreendidas por Bush, que permitirão encher os tribunais de juizes de extrema-direita.

E explicou que «Hitler nunca renunciou a adornar-se com a legalidade pois percebia o valor psicológico que revestia ter a lei do seu lado».

Estamos a viver tempos maus. O mundo está cada vez mais perigoso porque os padres estão cada vez mais poderosos.

14 de Julho, 2005 Carlos Esperança

Os padres e as eleições autárquicas

Os motivos infamantes que levaram o capitão Valentim Loureiro à expulsão das Forças Armadas Portuguesas (F.A.P.) impedi-lo-iam, noutro país europeu, talvez com a excepção da Itália, de prosseguir qualquer carreira pública.

Foi a situação de desespero económico da viúva e de filhos menores de outro capitão, expulso por iguais mesmos, que deu origem a um acto de misericórdia que levou à reintegração do referido oficial a título póstumo, com uma pena mais suave, situação que foi sancionada pelo gen. Eanes, então CEMGE.

Foi esse esmola à família do camarada falecido que Valentim Loureiro reivindicou para exigir a reintegração e ascender ao posto de major que a antiguidade entretanto permitia.

Depois disto, só a falta de vergonha do próprio e do PSD, em que um protegeu o outro, mútua e reciprocamente, permitiu ao oficial que recebia uma comissão nas batatas compradas para as Forças Armadas, atingir os altos cargos que desempenhou.

Só um eleitorado que não castiga o carácter venal dos seus eleitos e um partido que se conforma com o passado inquietante dos seus quadros, puderam permitir que Valentim Loureiro ocupasse os mais altos cargos da hierarquia partidária, presidisse a uma Câmara, colocasse homens da sua confiança no Governo, incluindo um seu vereador, dirigisse o futebol nacional e presidisse à Empresa do Metro do Porto em representação dos autarcas.

O gesto corajoso e nobre de Marques Mendes, de lhe retirar a confiança política, não o impede de apresentar de novo a sua candidatura à Câmara de Gondomar no próximo dia 22.

Antes disso, «assinou ontem um protocolo com os párocos de 14 freguesias do concelho de Gondomar, com vista à distribuição de uma verba camarária de cerca de 136.500 euros» – segundo revela o Correio da Manhã de 13 do corrente.

«Valentim Loureiro distribui dinheiro por párocos». É a apoteose do caciquismo no seu máximo esplendor.

13 de Julho, 2005 Ricardo Alves

Copiai dez vezes e meditai no sentido

O presidente da Câmara Municipal de Barcelos copiará, no dia 16 de Julho, uma frase da Bíblia. Este acto, integrado na campanha de propaganda «Bíblia Manuscrita», não terá lugar nem na residência deste senhor nem numa igreja, mas sim no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Barcelos.
Conforme se verifica pelo exposto, o senhor Presidente da Câmara de Barcelos necessita de copiar dez vezes a frase:
«As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado»
E, já agora, o preceito §1 do artigo 4º da Lei da Liberdade Religiosa:
«O Estado não adopta qualquer religião, nem se pronuncia sobre questões religiosas».
Seria também avisado meditar no sentido destas frases.