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Mês: Junho 2005

28 de Junho, 2005 jvasco

Correcção

Devo fazer um comentário sobre o artigo anterior: ser padre e ateu é possível. Padre, ateu e honesto é que não.

27 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Momento Zen da segunda-feira

João César das Neves (JCN), quiçá no comprimento da penitência imposta pelo confessor, para o absolver de algum pecado mortal, volta hoje aos temas com que julga conseguir as bem-aventuranças celestes.

Uns julgam ter à sua espera setenta virgens e rios de mel doce, outros esperam encontrar a virgem Maria e banhos quentes. «Cada doido com sua mania» – como diz o adágio.

JCN afirma que o divórcio e as uniões de facto enfraquecem o matrimónio, contrato que – segundo ele – deve ser sacramentado e manter-se indissolúvel, independentemente dos maus tratos, alcoolismo, infidelidade, incompatibilidade de feitios e torturas mútuas ou unilaterais.

JCN vê o matrimónio como um cálice amargo que, por vontade divina, deve ser bebido até à última gota.

«As crianças são descartadas antes de nascer pelo aborto e mal-amadas depois pelo divórcio» – afirma o pio plumitivo. Espero que se refira a crianças diferentes, isto é, que as mal-amadas não sejam os fetos abortados a que ele chama crianças.

JCN parece temer que a interrupção voluntária da gravidez, o divórcio e os casamentos homossexuais se tornem obrigatórios. Não distingue direitos de obrigações, como não compreende que a humanidade se vá libertando de um velho carrasco – Deus.

O católico fervoroso, JCN, entende que «vivemos no tempo que mais agride, despreza e oprime a mulher». Esquece tempos, não muito longínquos, em que uma mãe solteira era expulsa de casa, agredida, às vezes morta por questões de honra, e, na melhor hipótese, acabava na prostituição em Lisboa. Esquece que, dentro do matrimónio, a violação não existia juridicamente, as agressões eram normais e a mulher era um objecto que Deus entregava ao poder discricionário do marido, com a bênção da Igreja.

Este avençado de Deus desconhece que o direito de voto, o acesso à educação, o direito ao trabalho, a igualdade (ainda débil) entre os dois sexos são conquistas recentes após luta contra a tradição, a vontade da ICAR e a mentalidade religiosa.

JCN diz que estas questões (I.V.G., casamentos homossexuais e divórcio) «estraçalham hoje a sociedade espanhola, corroem a cultura holandesa, incendeiam os estados norte-americanos». Não refere as intrigas, a chantagem e as ameaças com que a ICAR procura destruir governos legítimos.

Surpreende-me que JCN não apele aos bispos, padres e ao próprio Papa para contraírem o sagrado matrimónio, sempre heterossexual, abstendo-se do divórcio e multiplicando-se cristãmente, sem recorrerem ao aborto.

Pode ser uma solução para a falta de vocações sacerdotais.

26 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Catequese à moda antiga

O «Correio da Manhã», de hoje, informa que o padre João Parente, da freguesia de Parada de Cunhos, terá agredido dois jovens da aldeia de Granja, que frequentavam a catequese para a Profissão de Fé, uma cerimónia que facilita o percurso dos difíceis caminhos do Paraíso.

As agressões ocorreram dentro do estabelecimento – a Igreja Matriz de Parada de Cunhos, na diocese de Vila Real.

Como o pontapé e as piedosas chapadas que sua reverência distribuiu pelos miúdos não foram do agrado dos pais, que preferem arriscar a salvação da alma a verem agredidos os seus filhos, o padre fugiu da paróquia, sem confiar na protecção divina.

A fuga do ministro de Deus deixa a paróquia sem missa, sem profissão de fé e outras cerimónias litúrgicas que exijam um padre encartado.

Por enquanto, Deus está sem agente na aldeia da Granja.

26 de Junho, 2005 jvasco

A Recta e a Fada dos dentes


Uma recta existe?
Sou da opinião que sim.
Claro que não existe nenhum objecto material que se prolongue pelo infinito de todo o universo, com comprimento infinito mas área e volume nulos.
Mas existe como conceito, como concepção.

A Fada dos dentes existe?
Tudo indica que não.
Existe como conceito, mas discutir a existência do «conceito de Fada dos dentes» é diferente de discutir a existência da Fada dos dentes.

Pelo contrário, discutir a existência da recta é discutir a existência e validade dessa concepção.
De forma análoga, não faz sentido concluir que Deus existe pela simples razão de que existe o respectivo conceito.

Para muitos leitores, este texto pode parecer extremamente disparatado. É óbvio que a existência do «conceito de Deus» não torna Deus real, sob pena de termos de considerar que Zeus e Osiris existem e estão de boa saúde. No entanto é um argumento recorrente, que vai sendo repetido por alguns religiosos.

25 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Burla piedosa

Segundo a Agência Ecclesia, «Lisboa renova a consagração ao Imaculado Coração de Maria» no próximo dia 2 de Julho. Claro que é mentira. Não é a cidade que se consagra, é o «Grupo da Imaculada» que tomou a iniciativa.

Há neste gesto beato um claro abuso: dirigir sinais cabalísticos e borrifos de água benta aos cidadãos que não gostam de ser conspurcados com tal água nem ameaçados com semelhante gestos, ainda por cima oriundos de um travesti com sotaina.

Mas ignoremos os gestos idiotas de quem se julga ungido para consagrar os lisboetas, como se todos fossem devotos, de quem pensa que a cidade é umaa sacristia, de quem imagina que é útil a paródia circense da consagração da cidade.

O interessante é que os piedosos devotos que ocupam a ociosidade em rezas e bênçãos não se dêem conta de que a segunda consagração, após vinte anos, apenas desacredita a primeira, reconhecendo que o prazo de validade caducou ou que as bênçãos são como algumas vacinas que precisam de doses de reforço.

À primeira desgraça, os cidadãos de Lisboa vão reclamar da ineficiência da consagração e pedir uma indemnização pela administração do placebo. Quem assume a garantia da piedosa apólice?

25 de Junho, 2005 Palmira Silva

Linha dura islâmica no Irão

Segundo o ministério do interior, e com a contagem dos votos quase terminada, o ultra-conservador Mahmud Ahmadinezhad ganhou a eleição presidencial no Irão com 61% dos votos, largamente destacado de Akbar Hashemi Rafsanjani com 35%.

Votaram 22 milhões de eleitores, cerca de 47% do eleitorado, contra 63% na primeira volta, quando foi eliminado o «reformador» Mehdi Karroubi.

Aparentemente os habitantes das províncias pobres do Irão compareceram massivamente às urnas para votar no ex-militar, apoiado pela teocracia ultra-conservadora islâmica, que prometeu resistir à decadência do Ocidente, combater a corrupção e melhorar as condições de vida de milhões de iranianos.

Segundo os observadores internacionais ocorreram «falhas» nas eleições. Os apoiantes de Rafsanjani e os candidatos reformistas afirmaram que estas foram manipuladas, os últimos acusando os Guardas Revolucionários do Irão e a segurança Basij de orquestrarem um conluio de forma a dar a vitória ao ultra-conservador, que afirmou ao votar ontem «Hoje é o início de uma nova era política para a nação iraniana»

Um dia de facto triste para a liberdade, religiosa e não só, no Irão. E o fim da esperança de regresso para muitos iranianos exilados, perseguidos e torturados pelo regime do ayatollah Khomeini, que tomou o poder após a revolução iraniana que depôs o Xá Reza Pahlavi, em Fevereiro de 1979. Conheci muitos iranianos nestas condições nos Estados Unidos, na sua maioria membros da comunidade científica.

E um dia de reflexão para os que acreditam que apenas na laicidade estrita e inviolável reside uma sociedade com um futuro pacífico. Os fundamentalismos sortidos têm a sua génese em crises económico-político-sociais, um pouco como assistimos hoje em dia na Europa. Na realidade os fundamentalismos islâmicos são epifenómenos do descrédito sofrido pelo nacionalismo árabe durante a década de 1970, em que as sociedades muçulmanas assistiram, gradualmente, à substituição do pan-arabismo pelo pan-islamismo como ideologia política de massas. Assim, imediatamente após ter tomado o poder, Khomeini apelou à revolução islâmica. A Revolução iraniana afirmava dois dos pontos centrais dos adeptos do islamismo radical. O poder tinha de ser conquistado através da força das armas, neste caso através da revolução, e o Ocidente «decadente», com especial ênfase nos Estados Unidos, o grande Satã, é o inimigo principal do Islão.

O primeiro ponto não foi necessário hoje no Irão mas o segundo é uma constante. Todas as religiões precisam de um Satã a quem atribuir os males do mundo e para mobilizar os crentes no necessário exorcismo. Normalmente violento, porque o demo tem muitas manhas…

24 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Ainda o Diário Ateísta

Recentemente um bando de energúmenos da melhor cepa fascista apareceu a escrever nas caixas de comentários do Diário Ateísta.

Os dez colaboradores habituais são ateus de diferentes proveniências culturais e variadas opções políticas que têm em comum o ateísmo e o desejo de combater as religiões pela acção deletéria que lhe atribuem. Há certamente outros ateus que não se identificam connosco nem nós queremos qualquer confusão com eles.

No meu caso pessoal, junto ao ateísmo militante um anti-clericalismo entusiástico, certo de que não posso combater eficazmente a droga sem beliscar os traficantes. Não é só a religião que é responsável pelo atraso dos povos e por uma atitude retrógrada perante a vida, é o clero, na luta pelo poder político, que impede o progresso e cerceia a liberdade.

Sabemos que não somos os únicos. Há ateus entre extremistas violentos, estalinistas e nazis. Mas é fauna com que não nos identificamos.

O Diário Ateísta defende a liberdade religiosa e o direito de todos poderem ter uma religião, abdicar dela, aderir a outra ou desprezar qualquer fenómeno atribuído a Deus. Apenas não abdica do direito de combater as crenças nem de defender igual direito para os que nos combatem, desde que a única arma seja a palavra.

O que todos aqui defendemos é a democracia, baseada no sufrágio universal e secreto, o respeito pelas minorias, a não discriminação de quem quer que seja por motivos de raça, sexo ou outros e a exigência da separação do Estado e da Igreja, única condição para que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos possam ser respeitados. Apenas impedimos o proselitismo religioso neste espaço bem frequentado pelo ideal ateísta.

As religiões são falsas e mentirosas. Atribuem a Deus livros que consideram sagrados e que frequentemente apelam ao crime, mas, nem por isso, aceitamos outro foro para o seu julgamento que ultrapasse a opinião pública que nos esforçamos por esclarecer e os tribunais a quem, num Estado de direito, cabe julgar os crimes de crentes e ateus.

Os homens primitivos criaram Deus à sua imagem e semelhança, com os seus piores defeitos e nenhuma das virtudes que a humanidade no seu incessante progresso se tem encarregado de criar. É por isso que Deus é cruel, vingativo, misógino, ignorante e feroz.

O dever dos homens e mulheres civilizados é desmascarar as religiões e os clérigos que as parasitam. O Estado moderno, laico e democrático, é um dique contra a superstição e a ignorância que o clero perpetua e as religiões se esforçam por aprofundar.

O Diário Ateísta continuará a defender os seus pontos de vista de acordo com a visão de cada colaborador, com o respeito devido à Constituição da República Portuguesa e o apreço que lhe merece a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

24 de Junho, 2005 Ricardo Alves

Livros para as férias

Aproxima-se, para a generalidade dos habitantes do hemisfério norte, a época de uma merecida pausa no trabalho, libertando espaço para a vida privada e o lazer. Um dos meus rituais prévios à partida para férias consiste em escolher alguns livros para ler. Deixo aqui algumas sugestões para ateus, ateias, agnósticos, livre-pensadores, laicistas e curiosos, escolhidas entre as edições mais recentes.
  1. O «Traité d´athéologie: physique de la Métaphysique» de Michel Onfray tem feito furor nos meios ateístas franceses. O autor, que é filósofo, milita por um ateísmo hedonista, não niílista, e procede, neste livro violentamente blasfemo e abertamente anti-religioso, à crítica dos três monoteísmos (judaísmo, cristianismo e islão), salientando o que têm em comum: o ódio à razão, à liberdade, às mulheres e à sexualidade, e a defesa da fé, da obediência, da submissão e da castidade. (Ler algumas citações.)
  2. Em «Freethinkers: A History of American Secularism», Susan Jacoby demonstra que os EUA foram fundados na separação do Estado e das igrejas e que sempre existiu uma forte corrente secularista norte-americana que incluiu figuras como Thomas Jefferson, John Adams, Thomas Paine e Robert Ingersoll, corrente essa sempre influente em progressos sociais como a abolição da escravatura, a defesa do ensino do darwinismo, ou o direito à contracepção. Um livro importante num momento em que o carácter originalmente laico dos EUA se encontra pervertido por um cristianismo proselitista.
  3. Henri Peña-Ruiz é o principal filósofo da laicidade nosso contemporâneo. O seu livro mais recente, «Histoire de la laïcité: Genèse d´un idéal», traça a história do ideal laico, ou seja, o avanço progressivo da ideia de igualdade de tratamento entre aquele que crê no céu e o que não crê, por um Estado sem religiões reconhecidas nem ateísmo de Estado, pela defesa de uma esfera pública consagrada ao interesse geral e não às guerras de identidades.
  4. Num início de século em que o Islão está no centro das atenções e das reflexões, vale a pena ouvir o que têm para dizer os apóstatas que abandonaram esta religião. A mais célebre de entre eles é a deputada holandesa de origem somali Ayaan Hirsi Ali, da qual foi publicado recentemente «Insoumise». Hirsi Ali foi excisada aos cinco anos, educada numa escola wahabita, e aos 22 anos abandonou a família para escapar a um casamento arranjado. Esta ateia corajosa tornou-se famosa após ter colaborado com Theo Van Gogh no filme «Submissão», devido ao qual este realizador holandês foi assassinado.
  5. Outra visão pouco abonatória do Islão pode ser encontrada em «Why I am not a Muslim», de Ibn Warraq. O autor analisa os mitos fundamentais do Islão, e discute a hipotética compatibilização desta religião com os direitos humanos, a democracia e a laicidade. Ibn Warraq está ligado ao Institut for the Secularisation of Islamic Society.
  6. Infelizmente, nenhum destes livros (que eu saiba) está traduzido em língua portuguesa. (Algum editor se voluntaria? Peña-Ruiz e Onfray, por exemplo, fazem muita falta.) No entanto, encontram-se traduzidos dois livros de Chadortt Djavann («Abaixo os véus!» e o que pensa Alá da Europa») sobre a polémica do véu islâmico em França.