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Mês: Abril 2005

10 de Abril, 2005 Palmira Silva

Evolução ou regressão?

«Se me perguntarem qual é a minha convicção mais íntima sobre o nome que será dado a este século, se será ‘século do ferro’, do ‘vapor’ ou ‘da electricidade’, responderei sem hesitar que será chamado o século da visão mecanicista da natureza, o século de Darwin».
Ludwig Boltzmann (1844-1906), que estabeleceu a Mecânica Estatística e sistematizou o conceito de Entropia, formulando uma interpretação estatística para a 2ª Lei da Termodinâmica, aquela que os criacionistas alegam insistentemente inviabilizar a evolução biológica.

O fundamentalismo cristão que ressurge um pouco por todo o mundo ocidental tem como principal inimigo a abater o ateísmo e aquilo que descrevem como perigosas ideias ateístas, nomeadamente o que é designado por muitos o mito da Criação ateu, isto é, o evolucionismo. Os criacionistas, que aparentam nutrir um grande pavor pela realidade inegável da evolução biológica e se lançaram numa cruzada anti-evolucionista, tentam manipular conceitos científicos de forma a verem satisfeitos aos seus dogmas. As principais «teorias» criacionistas já foram amplamente abordadas no Diário Ateísta, mas, em benefício dos nossos leitores mais recentes, apresento alguns dos posts sobre o assunto no final deste.

O grande problema dos criacionistas reside no facto de que o trabalho teológico que tentam apresentar como científico não é reconhecido pela comunidade científica e é sistematicamente recusado quando o submetem à avaliação dos pares em qualquer revista científica. Claro que para os criacionistas os culpados são os pares que, segundo um estudo publicado em 1998 na revista Nature, são esmagadoramente ateus ou agnósticos. Dos cientistas inquiridos, membros da Academia National de Ciência dos Estados Unidos, apenas um pouco mais de 7% declararam acreditar na existência de Deus. Não conheço estudos análogos realizados noutros países mas os autores do livro «The Psychology of Religious Behaviour, Belief and Experience» Benjamin Beit-Hallahmi e Michael Argyle mencionam que a ausência de crença nos laureados com o Nobel, quer em ciência quer em literatura, é muito elevada.

Uma vez que não conseguem negar as evidências científicas e refutar o evolucionismo, os fanáticos fundamentalistas tentam evitar a exposição da população em geral à verdade científica que derruba muitos dos pilares em que assentam as três religiões do livro: a criação do homem (e da mulher a partir do homem, que assim tem um papel subserviente ditado pelo Criador) e o pecado original. Em muitos estados dos Estados Unidos foi retirado o evolucionismo dos curricula escolares ou é apresentado como uma teoria alternativa ao criacionismo. Na Flórida saiu recentemente uma lei em que um professor que fale da evolução pode ser processado pelos respectivos alunos.

Para além, claro, de anatemizarem toda a investigação científica que possa conduzir a resultados desastrosos para os prosélitos da fé. Nomeadamente retirando financiamento para projectos científicos perigosos para a fé e multiplicando-se os apoios, estatais e privados, para projectos pseudo-científicos que reforçem os dogmas religiosos.

E para quem pensa que estas anormalidades fundamentalistas só acontecem nos Estados Unidos recordemos que Silvio Berlusconi queria retirar o evolucionismo dos curricula escolares e só cedeu depois de uma semana de protestos massivos e que na Sérvia, sob os auspícios da ministra da Educação Ljiljana Colic, o ensino da evolução esteve suspenso por uma semana por uma determinação ministerial que apenas o permitia se em paralelo fosse ensinado o criacionismo.

O quadro negro do desenho inteligente
Os dinossauros de Deus
De volta ao Genesis
Ainda o princípio antrópico, I: pescadinha de rabo na boca
Ainda o princípio antrópico, II: a posição «cientificamente correcta»

9 de Abril, 2005 Carlos Esperança

A aldrabice da fé e a fé de um aldrabão

Um dia andava Deus na sua divina ociosidade e pensou em seu pensamento: «O Diário Ateísta diz mal de Mim e dos empregados que tenho em comissão de serviço no planeta Terra». E o senhor Deus, habituado à ociosidade, com pouca imaginação, pensou, pensou e nada lhe ocorreu para pôr cobro à liberdade de expressão. Apenas sentiu um desejo de vingança para fazer jus às características com que os homens o criaram.

Passou então pelo Céu o Papa recém falecido, curvado das genuflexões, com um odor pestilento a incenso, a rezar continuamente, e o Senhor lhe disse: «acaba lá com essas rezas e deixa-me pensar». E, enquanto o senhor Deus continuava no penoso sacrifício de pensar, lembrou-se o Papa recém falecido de perguntar o que apoquentava Deus.

Foi então que Deus pensou fazer uma viagem de Vespa (uma moto muito popular nos anos sessenta do século passado) e lhe disse: «Arranja-me uma Vespa». Como o Papa era muito piedoso e julgava que Deus era o criador do Céu e da Terra queria ir buscar-lhe algo mais precioso e pediu a um Papa mais antigo que ajudasse a demover o Senhor de um pedido tão modesto e o convencesse a pedir algo de mais valioso.

Quando o Senhor viu o Papa recém falecido acompanhado do Papa mais antigo, exclamou: «Como estás senil! Pedi-te uma Vespa e trazes-me uma besta!». Nisto, o senhor Deus lembrou-se de que uma besta era o que lhe convinha. Não podendo mandar à Terra um cadáver com muitos anos, por causa do cheiro e do aspecto, lembrou-se de uma besta muito devota, que vivia em Portugal, e deu-lhe a seguinte inspiração:

«Vai ao Diário Ateísta, usurpa a identidade e o endereço dos colaboradores e confunde os visitantes. Não preciso de dizer o que hás-de escrever. És suficientemente néscio para não precisares de mim. Os ateus não se deixam enganar mas os crentes confundem-se e continuam a acreditar que Eu existo». E o estulto foi e fez o que o Senhor lhe disse. E ainda julgou ouvir:

«Em verdade, em verdade te digo: bem-aventurados os pobres de espírito».

9 de Abril, 2005 Carlos Esperança

O legado de João Paulo II

A morte não é a benzina que apaga as nódoas. Não é falta de respeito criticar Hitler, Stalin, Franco, Mussolini, Pio IX, Khomeini, Brejnev, Salazar ou João Paulo II. Como não será crime condenar amanhã Pinochet, Saddam ou Bin Laden.
A bondade das pessoas não está à mercê dos decretos pontifícios ou das opiniões dos poderosos. A voz pública não coincide obrigatoriamente com a que se publica.

Após o último comício realizado sob os auspícios de JP2 que, nem no funeral, prescindiu dos banhos de multidão com que alimentou o narcisismo e promoveu a religião que administrava, há multidões de órfãos que em breve ultrapassarão o luto com o novo «pai» que os cardeais, iluminados pelo Espírito Santo e influenciados pelo Opus Dei, lhes vão arranjar.

Contrariamente ao meu amigo e companheiro do Diário Ateísta, João Vasco, não registei no longo e autoritário pontificado de JP2 aspectos positivos. No entanto, há coisas boas que deixa – uma igreja monolítica que, após o autoritarismo, tem tendência a desagregar-se; santos em tanta quantidade que vai ser fácil desmascarar o passado pouco glorioso e recomendável de muitos deles; milagres a rodos cuja puerilidade vai fazer corar de vergonha os crentes pensantes; o ressentimento dos teólogos e dignitários católicos que amordaçou e cuja pressão vai destapar a panela fechada por JP2, com a ajuda da Cúria.

JP2 foi um misto de estrela pop e de aldrabão de feira. Virou os holofotes todos para si. Foi o eucalipto que secou tudo à sua volta. Veremos como os próximos tempos serão tempo de desagregação e de lutas dentro da ICAR. Nem tudo é mau, de facto.

O erro que mais frequentemente se comete é ver em JP2 o Papa do diálogo ecuménico. Ele não procurou reconhecer a verdade dos outros, apenas tentou hegemonizar a sua. Nunca defendeu a liberdade de crer e de não crer, só quis o regresso a um tempo em que era perigoso não acreditar. Desde a morte de Pio XII que a ICAR nunca mais tinha proibido um livro. Voltou a censura com JP2. Ele nunca foi um arauto da liberdade, apenas foi um adversário de alguns tipos de ditaduras. O pretenso diálogo não resultou da bondade e da tolerância, estabeleceu-se na base dos preconceitos misóginos, autoritários, homofóbicos e de ânsia do poder clerical. Foi isso que aproximou os clérigos das religiões do livro em luta contra o livre-pensamento e a laicidade.

JP2 deixa uma Igreja mais medieval, supersticiosa, fanática e troglodita do que a que herdou de João Paulo I, papa durante 33 dias, falecido na sequência do anúncio da fiscalização das contas do Banco do Vaticano, piedosamente chamado IOR (Instituto das Obras Religiosas). Alguém pergunta por que razão JP2 se negou a extraditar o arcebispo Marcinkus, presidente do IOR e arguido na falência do banco Ambrosiano? Quanto pagou o Vaticano por essa monumental burla e por que razão defendeu o cúmplice? Quem deu o dinheiro para as grossas indemnizações e acabou por tornar-se prelatura pessoal de JP2? Ou deveria o papa falecido chamar-se «(J)P-2»?

9 de Abril, 2005 jvasco

Sabotagem da livre-expressão

O Diário Ateísta existe há cerca de ano e meio, tendo vindo sempre a crescer significativamente. Até agora sempre mantivemos um sistema de comentários no qual não existia qualquer forma de censura. Crentes, ateus e agnósticos diziam tudo o que queriam, faziam as críticas que achavam devidas, participavam com mais ou menos nível. Gostaria tanto que o civismo de todos os participantes fosse, pelo menos, o suficiente para manter esse sistema indefenidamente…

No entanto, é triste que um comentador sem escrúpulos tenha decidido prejudicar o debate a todos. Alguém que não sabe argumentar, que não é capaz de exprimir os seus pontos de vista, mas que fica revoltado com a expressão daqueles que são diferentes dos dele, decidiu, em toda a sua intolerância, quebrar as regras mínimas que permitiam o diálogo entre todos.

Assim sendo, começou a assinar os seus comentários como «Carlos Esperança» e «Ana», para que todos pensassem que as ignomínias que escrevia eram da autoria de um membro do nosso blogue e de uma comentadora frequente.

É uma pena que nem todos saibam lidar com a liberdade de expressão.

8 de Abril, 2005 jvasco

O lado positivo do legado de João Paulo II

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Existe um lado positivo no legado de João Paulo II.

Não custa nada dizê-lo, e seria errado não o esperar. Afinal ele foi o líder de uma das mais poderosas instituições do planeta, com um impacto tão grande no resto da humanidade, que ao longo do seu longo pontificado fez muitas coisas boas e muitas coisas más. Afinal de contas, ao contrário daquilo que vários cristãos evangélicos acreditam, o Papa não é o anti-Cristo.

Então porque é que nós, os autores deste blogue, nunca escrevemos isso mesmo?
Pela minha parte, que até agora não escrevi nada sobre o Papa, desde que morreu, vejo uma razão óbvia: não é preciso. O lado positivo do legado de João Paulo II tem sido repetido até à exaustão pelos meios de comunicação social, numa fúria revisionista Orwelliana, esquecendo todos os aspectos negativos do seu legado.

É por essa razão que, neste blogue, se têm referido exclusivamente os negativos. Por uma questão de equilíbrio, de reposição da verdade, de ver ambos os lados da moeda. Queremos ser livres pensadores.

Não negamos, portanto, que João Paulo II tenha feito coisas positivas (um exemplo é a sua contribuição assinalável para o diálogo inter-religioso, que acaba por ser, indirectamente, uma contribuição louvável para a Paz)
Mas queremos que se fale sobre tudo: as coisas boas e as coisas más.

Queria deixar isto bem claro.

8 de Abril, 2005 Carlos Esperança

O gozo de Deus

Deus, a julgar pelo que dele dizem os padres, deve andar eufórico a rebolar-se de gozo no Paraíso. Já não lhe bastava a companhia das almas que conseguiu antecipar com terramotos, guerras e doenças que enviou à Terra, teve ainda o brinde suplementar de receber recentemente alguns dos seus filhos mais dilectos.

Fique o Paraíso onde ficar, já lá chegou a Irmã Lúcia, de quem a mãe de Jesus era visita frequente, o Papa JP2 que a comunicação social transformou num santo homem e o príncipe Rainier III que governou o Mónaco 55 anos sem ter de suportar o incómodo jacobino de eleições.

Por outro lado, a comunicação social rendeu-se aos encantos do cadáver do representante de JC na Terra. Exibiu tantos cardeais que fez da púrpura a cor da moda; ouviu tantos bispos e monsenhores que transformou a voz da ICAR na voz do povo; transmitiu tantas missas, orações, terços e novenas que o mundo trocou o trabalho pela oração e a razão pela fé.

A força da ICAR fez sentir-se nas excursões de devotos que se dirigiram a Roma com o zelo dos muçulmanos em relação a Meca. A ansiedade de tocar o ataúde do Papa polaco foi tanta quanto a sofreguidão dos judeus ortodoxos às marradas no Muro das Lamentações.

Há muito que não se gastavam tantas velas com um só defunto, que o barulho dos sinos não azucrinava tanto os tímpanos, enfim, há muito que Deus não incomodava tanto. Nós, os ateus, ficámos siderados com tamanha devoção. Quatro milhões de devotos a caminho de Roma, em homenagem ao Papa, ultrapassaram os três milhões de portugueses que rejubilaram com a vitória de um tal Castelo Branco num concurso educativo da TVI – «A Quinta das Celebridades» – canal que piedosamente foi concedido ao Patriarca de Lisboa e que as vicissitudes do mercado levaram, então, à falência.

Antigamente a ICAR convertia os relapsos com a ameaça do Inferno e o temor dos autos-de-fé. Hoje, atrai-os com o brilho dos espectáculos fúnebres que encena com meticulosa e garrida coreografia. São dois mil anos de manha posta ao serviço da sobrevivência e da conquista do poder. Deus, na sua inexistência, é um mero pretexto para o êxito do negócio.

8 de Abril, 2005 Carlos Esperança

A morte de Rainier III

A morte de JP2 prejudicou gravemente a projecção mediática de outro espectáculo fúnebre encenado para Rainier III.
O Diário Ateísta não pode deixar de registar a morte de «um príncipe de direito divino», como o próprio se considerava.
Não surpreende que, na ausência da democracia, quem manda se desculpe, admira que quem obedece aceite a justificação.

O Mónaco é um país a fingir onde o príncipe defunto tinha o poder a sério. Autoritário e carrancudo conseguiu fazer-se amar pelos súbditos (na monarquia não há cidadãos) a quem proporcionou um raro bem-estar graças à indústria bancária e aos lucros dos casinos, especialmente o de Monte Carlo.

É natural que um príncipe de origem divina tenha transformado o Mónaco num Paraíso…fiscal. Deo juvante (Com a ajuda de Deus) – divisa familiar dos Grimaldi -, governou os sete mil monegascos (cerca de 20% dos habitantes do principado) cujo bem-estar depende da falta de escrúpulos com que afluem dinheiros de origem duvidosa de todo o Planeta.

O Príncipe, grande amigo de JP2, de quem recebeu uma bênção especial poucos dias antes do abençoador e do abençoado morrerem, foi sempre um excelente católico, temente a Deus e cumpridor dos sacramentos. Deus, por sua vez, pagou-lhe a devoção em numerário pelo que deixa uma enorme fortuna.

Os filhos, Carolina, Alberto e Stéphanie, além da sólida educação católica, sofreram marcada influência das hormonas. Assim, além da eucaristia, que sempre frequentaram, não se furtaram aos prazeres da carne. A igreja e a enxerga alternaram, a piedade e a libertinagem conviveram e uma das filhas preferia ter no quarto o guarda-costas ao oratório.

Nota: O catolicismo é a religião de Estado no Mónaco de acordo com a Constituição de 1962, em vigor.

7 de Abril, 2005 Ricardo Alves

Contraditório na RTP

Hoje, às 23:05, não percam o debate «Totus Tuus», no canal RTP 1. Será sobre a vida e obras de Karol Wojtyla, mas com direito ao contraditório ateísta.
6 de Abril, 2005 Ricardo Alves

A liberdade segundo JP2

Existe por aí quem pareça acreditar que JP2, o monarca absolutista do Vaticano, era um combatente da liberdade, talvez mesmo um libertário. Convém portanto não deixar cair no esquecimento as reflexões filosóficas de Karol Wojtyla sobre a liberdade, inseridas na Encíclica «Fides et ratio» («Fé e razão»). O Papa era, em boa verdade vos digo, um inimigo da liberdade tal como é entendida habitualmente. Comecemos por atentar no parágrafo 13 dessa Encíclica:
  • «É a fé que permite a cada um exprimir, do melhor modo, a sua própria liberdade. Por outras palavras, a liberdade não se realiza nas opções contra Deus. Na verdade, como poderia ser considerado um uso autêntico da liberdade, a recusa de se abrir àquilo que permite a realização de si mesmo? No acreditar é que a pessoa realiza o acto mais significativo da sua existência; de facto, nele a liberdade alcança a certeza da verdade e decide viver nela.»

Portanto, a «liberdade» na acepção doutrinal católica consiste em seguir um caminho único, o de uma «verdade» auto-proclamada, a fé, e na ausência desta a liberdade não se realiza. Ou seja, segundo a divagação papal, quem não é crente não é livre. E, pergunta o leitor, quem dá acesso a tal «verdade»? O parágrafo 2 esclarece:

  • «[A ICAR] recebeu (…) o dom da verdade última sobre a vida do homem».

Submete-se, deste modo, a liberdade de consciência à autoridade eclesial (católica, claro). E poder-se-á exercer a liberdade, recusando esta «verdade» e as suas consequências? O parágrafo 15 responde de forma categórica que a «verdade revelada» institui uma «obrigação»:

  • «A verdade da revelação cristã, (…) enquanto verdade suprema, ao mesmo tempo que respeita a autonomia da criatura e a sua liberdade, obriga-a a abrir-se à transcendência
A crença, para Karol, não era portanto livre e facultativa. Não é por acaso que no parágrafo 19 se clarifica que a liberdade é um «obstáculo» e, por isso, perniciosa:
  • «Se o homem, com a sua inteligência, não chega a reconhecer Deus como criador de tudo, isso fica-se a dever (…) sobretudo ao obstáculo interposto pela sua vontade livre e pelo seu pecado

A autonomia individual só pode, portanto, ser condenada sem ambiguidades (parágrafo 107):

  • «Iludindo-o [ao homem], vários sistemas filosóficos convenceram-no de que ele é senhor absoluto de si mesmo, que pode decidir autonomamente sobre o seu destino e o seu futuro, confiando apenas em si próprio e nas suas forças. Ora, esta nunca poderá ser a grandeza do homem

O indivíduo não pode portanto querer ser senhor do seu destino. Querer fazê-lo é «iludir-se» e afastar-se da «grandeza». Segue-se, inexoravelmente, a ideia de que quem não aceita isto não tem a mesma dignidade de quem o aceita, e de que só é verdadeiramente «homem» quem tem «fé», mas não uma fé qualquer (parágrafo 102)…

  • «o homem contemporâneo chegará a reconhecer que será tanto mais homem quanto mais se abrir a Cristo, acreditando no Evangelho».

E está tudo dito. Segundo Karol Wojtyla só se é livre se se for crente, essa crença é definida pela ICAR, implica que se abandone a liberdade individual aos ditames da ICAR, e quem não quiser nada disto é menos homem. Ou menos mulher, se considerarmos as consequências práticas mais gravosas, que não devem espantar ninguém que conheça o pensamento totalitário de Karol Wojtyla…

6 de Abril, 2005 André Esteves

Homopapa, o superpapa

Chega-nos da Colômbia a notícia de que, aproveitando todo o momento mediático, um artista de banda desenhada arrancou com a publicação de uma BD do papa.

Ilustrando a sua vida? – perguntará o leitor.

Não. O papa será um super-herói. Ressuscitado da morte para combater satanás. E como qualquer leitor de quadradinhos sabe, um super-herói, neste caso o «homem-papa», «Homopapa» ou «Homopater» não dispensa toda uma parafernália de equipamento com poderes especiais no combate do mal.
É a capa anti-satânica, o ceptro energético, são as calcinhas da castidade, os bolsos cheios de imagens menoritas, àgua benta e uma bíblia sagrada. Um bom super-herói não dispensa nenhuma ferramenta para um trabalho bem feito! Afinal, os seus arqui-inimigos muitas vezes nem usam calcinhas.

Segundo o autor, o homopapa irá ter crossovers (expressão do meio, que descreve histórias onde vários super-heróis se encontram) com o super-homem e o batman. Com os quais, o homo papa irá aprender a lutar contra o mal.

O autor, católico não praticante, nega qualquer oportunismo e declara-se um grande admirador de sua santidade, aprestando-se a dizer que esta é a sua maneira de o homenagear.

O que é que querem que eu diga?! O circo começa e o homem nem sequer está enterrado. De um lado temos os católicos de elite com voos místicos e apocalípticos, passando pela numerologia barata, do outro os católicos não praticantes cheios de esperteza saloia.

E ainda querem que não se ligue ao kitsch e aos fait divers? Como haviamos de nos rir de nós próprios e da humanidade? A realidade será sempre mais estranha que qualquer ficção…

P.S-> O autor será publicado pela DC Comics e já planeiam a distribuição no México e na Polónia, para além da Colômbia natal. Pelo andamento da carruagem ainda se publica em Portugal.