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Relatividades e pontos de vista

«A permanência é uma ilusão. Somente a mudança é real. É impossível pisar duas vezes o mesmo rio.»
Heraclitus (540-475 a.C.)

Especialmente depois da eleição de Bento XVI o termo relativismo entrou definitivamente no léxico do quotidiano, normalmente empregue em termos pejorativos, como tive ocasião de confirmar quando assistia à emissão em directo do congresso do CDS, marcada por referências constantes aos dois Papas do século XXI e a este suposto flagelo da Humanidade. É extremamente curioso que a maior parte dos que o utilizam não se apercebam do tiro no pé que tal recurso semântico constitui.

Na realidade a relatividade, entendida como «tudo é relativo» por aqueles que ou não sabem Física ou ficam bloqueados pelo complexo formalismo matemático da teoria, é conceptualmente muito simples e assenta na invariância das leis da Física. Ou seja, a teoria da relatividade (restrita) diz simplesmente que as leis físicas são as mesmas para todos os observadores inerciais ou em todos os referenciais de inércia. Os observadores, «presos» aos respectivos referenciais, observam comportamentos «desviantes» de objectos apenas porque estes se movem relativamente a outro referencial de inércia. Mas na realidade estes comportamentos são «normais» no respectivo referencial. Extrapolando para a sociedade a razão porque alguns comportamentos parecem «desviantes» das leis sociais ou morais reflecte simplesmente os pontos de vista – os referenciais, na linguagem da relatividade – de cada observador.

Como escreve o meu amigo Jorge Dias de Deus no livro «Viagens no Espaço-Tempo» da colecção Ciência Aberta da Gradiva «A relatividade, que desde o início fascinou o grande público, foi, por outro lado, quase sempre mal entendida. A frase «tudo é relativo», resumindo, segundo muitos, as ideias de Einstein, seria uma espécie de machadada na objectividade e no realismo científico. Nada, porém, estava mais longe do pensamento de Einstein.(…) Realmente, o que Einstein procurava era, não o relativo, mas o invariante. Para ele seriam as invariâncias da física que dariam sentido à relatividade das descrições. Que características dos acontecimentos permaneciam invariantes, independentes da descrição, do referencial?»

Tal como na Física o que devemos procurar são as características sociais que permanecem invariantes independentemente do ponto de vista ou referencial de cada um, o que de facto são (ou deveriam ser) as «leis» absolutas da Humanidade ou o que chamo de ética consensual. Nomeadamente o Direito de cada Estado deve reflectir esta ética consensual e não deve impôr um determinado referencial. O que é o grande objectivo da Igreja de Roma: a imposição do seu referencial medieval (com resquícios de neolítico) a todos, tornando crime tudo o que considera pecado.

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