30 de Abril, 2005 Carlos Esperança
Fanatismo católico em Timor
A legitimidade eleitoral do Governo de Timor, presidido por Mari Alcatiri, tem sido desafiada pelos dois bispos católicos do jovem País que há pouco se libertou do jugo da Indonésia.
Todos reconhecem a importância decisiva da Igreja católica na independência do povo maubere mas é inaceitável a sua obsessão em substituir o despotismo anterior pela tirania religiosa protagonizada pelo clero, em que pontificam Alberto Ricardo da Silva e Basílio do Nascimento, respectivamente bispos de Díli e Baucau.
A fazer lembrar o miguelismo trauliteiro do séc. XIX, em Portugal, os padres de Timor incitam as populações do interior da ilha a deslocar-se com imagens da Virgem e terços para exigirem a demissão do Governo legal. Ao som de cânticos religiosos e orações desafiam o Governo a demitir-se.
O padre Domingos Soares, porta-voz do episcopado autóctone não se conforma com as regras democráticas e constitucionais ao abrigo das quais o Governo decidiu, a título experimental, tornar facultativa a aula de religião católica em 32 escolas oficiais. Na opinião dos padres, o carácter facultativo da disciplina ou a redução da carga horária é uma manifestação ditatorial.
Os bispos, com base na absoluta hegemonia católica, contestam um muçulmano na chefia do Governo e defendem o carácter obrigatório da disciplina de religião católica nas escolas públicas. O contágio dos países islâmicos é uma realidade e a simpatia por um Estado confessional uma evidência.
Habituados a deter o poder absoluto, cientes do prestígio conquistado no combate à ocupação indonésia, os padres não aceitam que o poder democrático se exerça ao arrepio da vontade divina interpretada por eles próprios. Há uma atracção mimética pelo totalitarismo islâmico, uma indisfarçável sedução por um regime autoritário em que o Estado seja o braço armado da Igreja católica.
Timor está sob tensão na iminência de um golpe de Estado. A água benta, as orações e os rosários são, por enquanto, as munições usadas pelo clero católico. Há uma trágica similitude entre a intolerância dos mullahs islâmicos a debitar o Corão e os padres católicos a recitar a Bíblia. O proselitismo e a ânsia de poder são iguais.
Portugal, o país doador mais importante, à frente do Japão e da Austrália, tem cumprido a sua obrigação e o dever de solidariedade para com o povo maubere. Tem obrigação de usar a via diplomática para garantir a liberdade religiosa no território de Timor Leste. O Vaticano não pode ficar indiferente às manifestações de intolerância dos seus padres nem ser cúmplice do terrorismo eclesiástico em Timor.
Neste momento dramático deve ser posto à prova o Papa Bento XVI. Tem aqui a oportunidade para mostrar que não é um papa medieval, que a imagem de inquisidor não lhe assenta, que o respeito pelo pluralismo é uma virtude adquirida pela igreja de Roma, que a democracia é uma instituição compatível com o catolicismo romano.
Ao Governo português cabe, sob pena de se desprestigiar, mostrar que é um país laico e que os princípios que o informam são os mesmos que quer ver respeitados nos países amigos. Sócrates e Freitas do Amaral têm uma tarefa a desempenhar ao serviço da paz, da liberdade religiosa e do laicismo.
Obs.: Este assunto já foi tratado por mim em «Timor – um protectorado do Vaticano» 1 e 2 (site indisponível) e pela Palmira nos artigos «Tolerância Cristã» e «Terrorismo em Timor Leste». A gravidade e desfaçatez da ICAR exige que volte ao tema. Urge conter o fundamentalismo católico.