Respeitar a fé
A maior alfabetização, os avanços da ciência e da técnica, a progressiva secularização da sociedades e a conquista gradual de direitos e liberdades, vieram pôr em xeque as armas principais da evangelização religiosa – a prisão, a tortura, as perseguições e os autos de fé. Sobram o medo do inferno, o embuste dos milagres, a coacção psicológica e a protecção concordatária ou a promiscuidade com o poder, à ICAR, aos evangélicos e aos cristãos ortodoxos. E, claro, o poder totalitário e as práticas execráveis determinadas pelo Corão, aos muçulmanos.
Quando a violência religiosa está contida, surgem apelos ao respeito pela fé, como se nas sociedades democráticas e liberais alguém estivesse limitado na prática da oração, na frequência da Igreja, na degustação eucarística, nas passeatas piedosas a que chamam procissões ou nas novenas a pedir a interferência divina na pluviosidade. Acontece que, enquanto os governos laicos se distraem ou são cúmplices, nascem nichos com virgens nas esquinas, crescem capelas no alto dos montes, pululam crucifixos nos edifícios públicos e nos largos urbanos, crismam-se com nomes de santos os hospitais públicos e as ruas das cidades e cria-se um ambiente beato e clerical.
Ao apelar ao respeito pela fé não se pretende, apenas, a liberdade de culto, exige-se que não se desmascarem os milagres, não se investiguem os Evangelhos, não se duvide da existência de Deus ou a virgindade de Maria. Em nome do respeito pela fé, dificulta-se a divulgação da ciência e facilita-se a propaganda religiosa. A fé é o alibi para a impunidade com que as Igrejas pregam a mentira, manipulam consciências, aterrorizam os crentes e fazem esportular o óbolo.
A minha ideia de respeito pela fé é a defesa intransigente do direito ao culto, não o silêncio perante a mentira, a conivência com a fraude, a passividade com o proselitismo.
Respeitar a fé é despenalizar a superstição, descriminalizar as auto-flagelações, absolver as idas à bruxa ou ao confessionário, enfim, permitir o retorno à Idade Média a quem o faça de livre vontade, vigiando os métodos e exigindo o respeito pelos direitos humanos contidos na Declaração Universal, que o Papa considera de inspiração ateia.
Claro que a liberdade não é de criação divina. Nem a democracia um sonho eclesiástico.
Apostila – A procissão de Alfândega da Fé (bonito nome) percorre treze quilómetros. Sabemos que a eficácia do pedido para que chova é nula, mas o tempo que demora a percorrer o itinerário é suficiente para que se altere a temperatura e a humidade do ar.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
- Ponte Europa http://ponteeuropa.blogspot.com/
- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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