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Delenda Carthago

Catão e a sua esposa Pórcia, Museu Pio Clementino, Vaticano.

«Todo o mérito da virtude está na sua prática»
Cícero, De Officiis, 1,6.

No século II a.C., Marco Pórcio Catão, o censor moralista, que zelava pela moral e bons costumes romanos e pela punição dos ideólogos do mal, personificados pelos cartagineses, arengava obsessivamente a necessidade da destruição completa de Cartago. Catão terminava todos os seus discursos no Senado romano com a frase «ceterum censeo Carthaginem esse delendam» ou seja, «quanto ao resto, penso que Cartago deve ser destruída». O sucesso das suas pregações, que exponenciaram o ódio dos romanos contra os cartagineses, transformando-o num sentimento nacionalista que deixou em segundo plano muitas divergências entre classes em Roma, selou o destino da cidade. Cartago seria arrasada e as suas terras aradas e saturadas de sal.

No século XXI, despojados das máscaras de tolerância e laicidade impostas pela conjuntura europeia que ditou o concílio Vaticano II, os censores moralistas de Roma retomaram as suas prelecções obsessivas contra os ideólogos do mal, protagonizados por todos os que não só não aceitam os dogmas que debitam, como se recusam a permitir que seja o Vaticano a ditar as leis que regem os respectivos países.

Constitui um enigma para mim que os católicos não se apercebam do paradoxo que é afirmar, como o fez o Papa no seu último livro, que não aceitar reger os Parlamentos pelos Evangelhos é de facto uma nova forma de totalitarismo e que este novo totalitarismo está «insidiosamente escondido atrás da aparência de democracia». Porque o totalitarismo é o poder de uma doutrina, de uma ideologia, de uma «verdade» e todo o totalitarismo é intolerante: porque a verdade não se discute, não se vota e nada tem que ver com as preferências ou opiniões dos indivíduos.

Assim, as religiões são totalitárias e, contrariamente ao que apregoam, não aceitam nem respeitam quem não partilhar as suas crenças ou, pelo menos, consentir em deixar-se reger por elas, já que todas as religiões consideram o seu como o caminho único e inquestionável. Consequentemente a intolerância é indissociável das religiões em geral e do cristianismo em particular, detentoras da verdade absoluta revelada e para as quais é uma missão divina obrigar todos aqueles que não estejam em sintonia com os seus ideais a tornarem-se submissos a estes.

Qualquer crítica nossa à religião ou seus representantes é assim considerada como intolerância mas estes representantes nem pestanejam ao afirmar que quem não aceita a sua verdade absoluta é obviamente um imoral servo do Mal ou ao considerar indispensáveis pregações constantes contra os perigos do ateísmo.

Com o cair das máscaras, temos sido agraciados nos últimos tempos com inúmeras manifestações de intolerância dos cristãos em todo o mundo ocidental, denunciadas abundantemente no Diário Ateísta. Para que o fim desta história não seja o retorno da história, isto é, da militância religiosa das guerras «santas» com o fim de arrasar e «salgar» o que consideram as ideologias do mal, recordemos o paradoxo da tolerância de Karl Popper: «Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo com os intolerantes, e não defendermos a sociedade tolerante contra os seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados e com eles a tolerância.».

E, sobretudo, queremos recordar aos crentes que não existe tolerância quando nada se tem a perder, e, menos ainda, quando tudo se tem a ganhar nada fazendo, permitindo a manutenção de um status quo injusto e intolerante.

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