Loading

Mês: Fevereiro 2005

6 de Fevereiro, 2005 jvasco

Gato Fedorento

Descobri, agora mesmo, na Wikipedia, uma entrada relativa ao Gato Fedorento.

Gato Fedorento é o nome de um programa humorístico da Sic Radical, mas também o nome de um blogue feito pelos mesmos autores.

Saiu este natal o DVD da série Fonseca, a primeira das duas séries que passaram na televisão. Vi o DVD todo e chorei a rir. Aconselho-o a toda a gente!

No sítio da Sic Radical é possível ver alguns sketches desta excelente série.

Mas, a que propósito é que eu dou estes conselhos neste blogue sobre ateísmo? A minha desculpa é a seguinte: em muitos dos episódios faz-se um humor descomplexado e perpicaz acerca das igrejas, religiões ou da ideia comum que as pessoas têm acerca de Deus. Desde o sketch da santinha lá da terra cujos milagres são as «bufas», até ao sketch em que um rapaz que está a jogar à bola com Deus é repreendido pelo pai porque «não se brinca com Deus», existem uma série de sketches excelentes e sem tabus.

E já agora, bem a propósito, aconselho também a quem tiver tempo, a leitura desta discussão no Barnabé sobre o tabu da sátira religiosa. É importante que, em Portugal, e em qualquer país civilizado, em nome de uma distorção do conceito de tolerância, não se chegue a este ponto.

6 de Fevereiro, 2005 jvasco

ICAR vs Maçonaria

O cardeal-patriarca de Lisboa fez um duro ataque à Maçonaria, numa Nota Pastoral ontem divulgada.

Na causa da referência à Maçonaria está uma polémica devida ao que se passou durante os rituais fúnebres do ex-presidente do Tribunal Constitucional, Luís Nunes de Almeida. O Carlos Esperança já tinha, na altura, abordado essa questão.

Entre as críticas feitas pelo cardeal à Maçonaria, está o facto de pertencer a um conjunto de correntes de pensamento que «se baseiam na razão como fonte da verdade», ou que acreditam «no carácter absoluto da liberdade individual».

O artigo da Palmira, mesmo abaixo, desenvolve melhor esta questão.

6 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

Reabertura das hostilidades

Desde a Constituição Apostólica «In eminenti» do Papa Clemente XII, de 28 de Abril de 1738, que a Igreja tem proibido aos fiéis a adesão à Maçonaria ou associações maçónicas. Após o Concílio Vaticano II a excomunhão automática de quem o fizesse ficou de certa forma no limbo mas uma nota pastoral, de um cardeal português bem colocado na hierarquia eclesiástica, não deixa dúvidas sobre o endurecimento das posições da Igreja de Roma.

Assim, o cardeal-patriarca de Lisboa, José Policarpo, um dos candidatos para o trono papal, reafirmou ontem a regressão imparável da Igreja de Roma na recuperação de um passado integrista e fundamentalista, que muitos católicos teimam em não ver. O alvo foi a Maçonaria que «sempre afirmou, e continua a afirmar, a prioridade absoluta da razão natural como fundamento da verdade, da moralidade e da própria crença em Deus. A Maçonaria não é um ateísmo, pois admite um ‘deus da razão’. Exclui qualquer revelação sobrenatural, fonte de verdades superiores ao homem, porque têm a sua fonte em Deus, não aceitando a objectividade da verdade que a revelação nos comunica, caindo na relatividade da verdade a que cada razão individual pode chegar, fundamentando aí o seu conceito de tolerância.».

Para José Policarpo «Um católico, consciente da sua fé e que celebra a Eucaristia não pode ser mação».

Segundo o prelado, este ênfase na razão, inimiga da fé, e na recusa de verdades reveladas (obviamente interpretadas pela Igreja de Roma) coloca um carácter absoluto na liberdade individual. A liberdade individual é uma abominação desde sempre combatida pela Igreja de Roma que nunca a aceitou, e que culpa dos males do mundo.

Nesta época de revisionismo histórico convem não esquecer que, por exemplo, a Igreja foi sempre a favor da escratura tal como Paulo dizia na sua carta aos Corintos, «Que cada um permaneça no estado em que foi chamado. Tu que foste chamado sendo escravo, não te preocupes (…) mesmo quando possas recobrar a tua liberdade, ao contrário, aproveita teu estado de servidão, porque aquele que foi chamado sendo escravo é um alforriado do Senhor».

E, como diz o ilustre prelado na sua Nota Pastoral, «Entre as organizações que protagonizaram esta visão imanente e laicista da história, avulta a importância da Maçonaria que, a partir de meados do século XVII, fez sentir a sua influência em todas as grandes correntes de pensamento e nas principais alterações sócio-políticas» ou seja, foi a maçonaria a promotora da luta contra os governos por direito divino, sancionados por Roma, que introduziu o lema «Liberdade, Igualdade, Fraternidade» e consequentemente lutou pela abolição do esclavagismo em Portugal. Esclavagismo muito defendido pela Igreja. Por exemplo, as posições de defesa do esclavagismo pelo bispo de Pernambuco, Joaquim José da Cunha Azeredo Coutinho, foram consideradas ofensivas dos sentimentos do público pela Academia Real das Ciências, outra instituição que elegia a razão em detrimento da fé, que não permitiu a impressão da sua «Análise sobre a justiça do comércio do resgate dos escravos da costa da África». O livro, traduzido em francês, foi publicado em Londres, em 1798.

Nesta época conturbada de regressão a fundamentalismos religiosos sortidos, a Igreja de Roma, pela pena do Cardeal Patriarca de Lisboa, reabre assim as hostilidades com a sua velha inimiga, a Maçonaria. O que não preconiza nada de bom para o futuro!

5 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A Penitência

Tendo Jesus descoberto que o pecado foi a única coisa boa que o seu divino Pai deixou aos homens, inventou logo um sacramento para perdoar os pecados cometidos depois do Baptismo. Com o hábito católico de atacar com o Baptismo os recém-nascidos inventou-se-lhes o pecado original para justificar o primeiro sacramento – espécie de lixívia que limpa o pecado original e é igualmente eficaz nos outros.

A Penitência ou Confissão costuma aparecer no menu dos sacramentos ordenado em quarto lugar e é o que vale aos pecadores para irem pecando sem perder o direito ao Céu. A confissão é a acusação dos pecados feita ao sacerdote confessor, para receber a absolvição. Quando os pecados são demasiado apetitosos o próprio confessor tem ausências, arfa, entra em agitação e, após reparadoras pausas, dispara a absolvição que é a sentença pela qual, em nome de Jesus Cristo, de quem tem procuração, perdoa os pecados ao penitente.

É bom lembrar aos pecadores relapsos que uma confissão bem feita exige cinco coisas: 1.º o exame de consciência; 2.º a dor dos pecados; 3.º o propósito de nunca mais pecar; 4.º a acusação (isto é, ser bufo de si próprio); 5.º a satisfação ou penitência.

Claro que, depois disto, não se fica vacinado contra o diabo. Há pecados a que nem Cristo teria resistido se, como se propala, foi um verdadeiro homem. Esse pecados muito bons são os mortais, os que dão pouco gozo aparecem no catálogo como veniais.

Quem elabora o rol de uns e outros é o cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Sagrada Congregação da Fé (ex-Santo Ofício) piedoso cardeal a quem a idade e o múnus dispensou de os praticar mas a quem continua confiada a actualização do catálogo.

Advertência: Quem, por vergonha, oculte um pecado mortal ao confessor, não faz uma confissão bem feita e comete um sacrilégio. Deve, mesmo antes de voltar a repetir o pecado, voltar a confessar-se e solicitar a absolvição, a penitência e ir em busca de indulgências plenárias e parciais. Todas as indulgências não são de mais para pecados graves daqueles que dão a sensação de se ter frequentado o Céu.

Apostila – O Diário Ateísta, dada a frequência com que os crentes resolveram visitá-lo, vai procurando lembrar-lhes a boa doutrina e adverti-los dos riscos que a salvação da sua alma corre se, em vez dos sacramentos, que são chatos, passam a cometer pecados, que são divinos.

5 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O Crisma

Acontece com o Baptismo o que ocorre com a vacina do tétano – com o tempo perde eficácia. Um ferimento com um prego ferrugento, em local habitualmente frequentado por cavalos, revela a perda de imunidade e extingue o prazo de validade da vítima.

Com a idade, as pessoas julgam-se imunes aos perigos do mundo e descuram as defesas. E se se descuidam com o corpo, por definição precário, arriscam-se ainda mais com a alma que, pela sua natureza, não se queixa. Diga-se que a alma sofre tanto mais quanto mais goza o corpo, sendo por isso tão apetitosos os pecados e tão amargo o destino da alma.

A Confirmação ou Crisma é um sacramento que faz perfeitos cristãos e soldados de Jesus Cristo e imprime esse carácter. O Crisma não diminui o Baptismo, é uma espécie de reforço executado por um técnico altamente especializado no ofício divino – um bispo. O Crisma está para o Baptismo como um transplante do coração para o tratamento dos calos.

O Crisma faz perfeitos cristãos e soldados de Jesus Cristo, dando abundância de Espírito Santo, isto é, da sua graça e dos seus dons. Com a quantidade de Espírito Santo que recebe e com tal abundância de dons, surpreendente que o cristão se faça apenas soldado de Jesus Cristo e não assente praça em general. Mas isto e a respectiva conversa da treta é o que ensina o catecismo da ICAR.

Quem recebe a Confirmação – ensina o catecismo – deve estar na graça de Deus e, se tem o uso da razão, condição absolutamente supérflua para um cristão, nesse caso deve conhecer os mistérios principais da fé e aproximar-se deste sacramento com devoção.

O bispo besunta depois a testa do candidato com uns óleos que designa de santos, faz uma cruz com o polegar e uma massagem vigorosa para que os óleos não escorram e penetrem até à alma. Com as rezas e os óleos fica feita a recruta para soldado de Cristo.

Recordo-me de ter recebido dois santinhos por saber muito bem a doutrina. Deram-me as munições mas esqueceram-se de me distribuir a espingarda. Talvez não tivesse direito ainda a uso e porte de arma.

O crucifixo do bispo era tão grande que mais parecia um morteiro de 16mm do que uma simples arma para afugentar o demo. E o bispo era tão farto de carnes que o demo se havia de intimidar, sobretudo com medo de que o prelado se sentasse em cima.

Os fregueses só recebem o Crisma uma vez na vida. Sem outra mudança de óleo, se existisse alma, esta acabaria por gripar. E os soldados de Cristo, com a alma gripada, tornavam-se num exército em debandada.

4 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O Baptismo

Agarre-se uma inocente criancinha com dias ou poucas semanas de idade, vista-se de forma ridícula, leve-se à igreja e entregue-se ao eclesiástico. Ele fabricará um cristão. Havendo a água, sabidas as palavras que a seu tempo se dirão, estando disponível o padre, estão reunidos a matéria, a forma e o ministro, respectivamente, para impor o sinal eficaz da graça. O baptismo é a lixívia que lava a alma do pecado original e está para o cristão como a primeira prestação para a compra do automóvel. Começa-se por aí.

Antes das vitualhas os convidados assistem ao acto: mergulha-se a criancinha em direcção a uma pia e ela resiste e agarra-se desesperada ao algoz. Tem a sensação de que vai ser largada, grita e apanha com uma chapada de água na cabeça e uma pitada de sal nos lábios enquanto ensopa a fralda. Em surdina, abafado pelos gritos do neófito, o oficiante declara com o ar de enfado de quem passou a vida a fazer aquele número: «eu te baptizo em nome do Padre, e do Filho e do Espírito Santo» e devolve a encomenda a um dos padrinhos que, sentindo-a húmida, logo a larga no colo da mãe.

O padre, para justificar a propina, afiança que livrou do limbo o recém-nascido, que o fez cristão, isto é, discípulo de Jesus Cristo, filho de Deus e membro da Igreja, sítio onde é recomendável não regressar enquanto não controlar os esfíncteres e o choro. Quando a propina ameaça ser choruda, o oficiante explica ainda que o baptismo imprime na alma um carácter permanente, espécie de nódoa que resiste à benzina, pois o carácter é um sinal distintivo que nunca se apaga.

Os pais, embevecidos, repetem em uníssono: «já é cristão», acidente que a criancinha aceita com a mesma sofrida resignação que há-de reservar à varicela, ao sarampo e ao trasorelho. São doenças de crianças, normalmente benignas, não sendo o baptismo contagioso apesar do carácter endémico em certas zonas rurais.

O sacerdote que tem as habilitações canónicas para o difícil ofício baptismal aproveita para dar uma aula sobre o baptismo e dizer que, em caso de necessidade, qualquer pessoa baptizada, que tenha a intenção de fazer o que faz a Igreja, pode proceder ao baptismo, para que nenhuma criança morra sem o primeiro sacramento que lhe garante um entrada permanente no Paraíso até ao primeiro pecado.

3 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A Eucaristia

Em meados do século passado, a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia era uma evidência que ninguém ousava pôr em dúvida. O catecismo católico ensinava que a Eucaristia era o sacramento que debaixo das aparências do pão e do vinho, continha realmente Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo para alimento das almas.

Ensinava ainda que o pão e o vinho se tornavam Corpo e Sangue de Jesus no momento da consagração da Missa e que, depois da consagração não ficava já nem pão nem vinho, mas somente as respectivas espécies ou aparências, sem a substância.

Os substantivos escreviam-se em maiúsculas, fosse por influência da língua alemã ou para dar maior autoridade ao argumento.

É natural que o catecismo tenha sido adaptado pois os actuais aparelhos de detecção alcoólica podiam levantar suspeitas sobre a transubstanciação do vinho em sangue não sendo particularmente simpático para pios condutores e devotos agentes da Brigada de Trânsito.

O que pensaria um zeloso e temente GNR de um padre que não transformasse completamente em sangue de Cristo o vinho do Cartaxo? Que estaria bêbedo na altura da consagração, que tivesse esquecido o truque ou que fosse um falso ministro do culto?

Com os documentos de um padre na mão e o resultado do teste à frente dos olhos o agente perguntaria se não tinha, após as missas, recorrido ao bagaço como mata-bicho e, perante a negativa, entre o cumprimento do dever e a preservação da fé, entre o respeito ao sacerdote e a obediência ao código, entre a religião e o emprego, dilacerado pela dúvida, autuava o padre e alijava a fé.

Um dogma tão severo não pode estar à mercê do escrutínio de um agente da GNR. Uma prova tão decisiva da existência divina não pode sujeitar-se à ordem de um soldado de botas altas e à linguagem de caserna: «bufe». Cristo podia ter escolhido o pirolito ou o chá preto para a sua própria transubstanciação mas optou pelo tinto.

Pior ainda para ao dogma era ouvir um cabo perguntar ao sargento:

– que faço ao padre que vem da terceira missa a caminho de um casamento?

3 de Fevereiro, 2005 André Esteves

Doutorados e ignorantes

«True ignorance is not the absence of knowledge, but the refusal to acquire it.»

«A verdadeira ignorância não é a ausência de conhecimento, mas a recusa em adquiri-lo»

Karl Popper

Quantos homens recusam o conhecimento para manter uma fé…

Nalgumas igrejas evangélicas e fundamentalistas americanas tornou-se um valor comum não tirar cursos universitários, ou ser-se «intelectual» porque são coisas seculares ou da carne.

O medo de se tornar num «liberal» é palpável entre os jovens crentes das igrejas, para os quais uma universidade reputada ou o prosseguimento de estudos além da licenciatura, se tornaram sinónimos da perdição espiritual.

Por cá, Deus demonstra-se complicado: a Conferência Episcopal definiu que para se ser bispo em Portugal tem que se ser doutorado.

Antigamente aos desígnios de Deus para serem compreendidos bastavam a tonsura e aljubeta. Agora o capelo também se torna necessário.

Para uns, Deus está demasiado perto e opressivamente presente.

Para outros, bizantino e indecifrável.

Ambos ignorantes.

3 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

Ser-se religioso e laico

Poderá ser-se religioso e laico?


Teoricamente, não haveria lugar para dúvidas: a crença religiosa pertence ao foro individual e privado que deve ser salvaguardado do domínio público, e sobre o qual um Estado laico não faz juízos de valor. No entanto, a laicidade afirmou-se historicamente contra as tendências hegemónicas das igrejas, hegemonia essa desejada por um tipo particular de crentes, os clericais. É exactamente esse clericalismo, fomentado por algumas comunidades de crentes, que constitui um problema político. Poderá haver religiões anti-clericais, ou seja, que contestem o poder político do clero? A pergunta é provocatória, mas convém recordar que, quando em minoria sociológica, algumas igrejas defendem a laicidade. Foi esse o caso das igrejas protestantes em 1911, aquando da publicação da Lei de Separação da Igreja do Estado.

Seguramente, o crente que acredita num «Deus» pessoal, que ele próprio define, dificilmente será um clerical, pois viverá a sua fé desligado das comunidades de crença e dos seus dogmas. Apenas as religiões organizadas intervêm politicamente, e a história das relações dos cleros com os poderes públicos está cheia de exemplos de clericalismo que originaram uma reacção anticlerical natural e legítima (mas que preocupa alguns crentes). Alguns dos ramos mais excêntricos do tronco judaico-cristão, como os unitários (que todavia deixaram de se afirmar cristãos em 1995) ou os quakers, que constituem um exemplo de uma religião organizada sem clero (mas que intervieram politicamente na defesa do pacifismo ou do anti-esclavagismo) constituem aproximações a vivências religiosas distanciadas da pulsão pelo poder político. Nestas duas religiões, a enfase é posta na busca de uma espiritualidade pessoal escolhida com uma liberdade considerável, e assume-se a ausência de rituais, cerimónias, dias santos e dogmas sistematizados. A aceitação de que as escolhas éticas podem variar de indivíduo para indivíduo tem permitido a adaptação a mudanças societais, e não é portanto um acaso que os unitários tenham sido das primeiras igrejas a casar homossexuais.

Um caso curioso originário do contexto cultural muçulmano é o dos Baha´i, novamente uma religião sem clero ou rituais, com práticas democráticas na sua estrutura interna, mas lamentavelmente com dificuldades em ultrapassar algum sexismo e, sobretudo, homofobia. No entanto, as igrejas mais relevantes a nível mundial (as ortodoxias judaico-cristãs e muçulmanas) convivem dificilmente com a laicidade. Embora o protestantismo enfatize sempre uma relação pessoal com «Deus» que poderia desarmar as tentações clericais, os exemplos de igrejas de Estado protestantes são comuns na Europa (Reino Unido, Dinamarca, Finlândia…). O islão tem fornecido exemplos abundantes do clericalismo mais extremo, quer na versão xiita-iraniana, quer nas variedades sunitas da Arábia Saudita ou do Afeganistão talibã.

Particularmente difícil é, evidentemente, o caso do catolicismo romano. A ICAR junta aos textos sacralizados uma colecção copiosa de dogmas, um catecismo constrangedor ao nível comportamental, e um programa político mais detalhado do que o de muitos partidos políticos. A quase impossibilidade de destrinçar onde termina a fé religiosa e onde começa a obediência política (ambas sendo, aliás, definidas pela hierarquia), e a vontade declarada de impôr ao conjunto dos cidadãos as regras formuladas para a comunidade dos crentes, tornam a ICAR um caso de clericalismo acentuado.

A resposta à questão inicial depende, como fica claro, da religião em que se crê e da liberdade que o crente se concede. Um crente laico criticará aberta e descomplexadamente a religião a que esteja ligado; um crente que ignore os preceitos religiosos na sua vida quotidiana dará um sinal de laicidade activa mas envergonhada; um crente que se submeta acriticamente ao clero da sua religião será um exemplo do pior clericalismo.

Agradeço ao Carlos Esperança por me ter desencadeado esta reflexão.
2 de Fevereiro, 2005 Aires Marques

Ateus a Bertrand Russel

Saudamos hoje um dos mais influentes filósofos ateus e livre pensador, Bertrand Russel, um homem que como poucos dedicou a vida à razão e à lógica. Da sua obra realçamos o livro «Porque Não sou Cristão»

Bertrand Russel morreu há exactamente trinta e cinco anos.