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Mês: Fevereiro 2005

16 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

Carta ao «Diário as Beiras»

Sob o título «Ridicularizar a Jesus Cristo», Diário as Beiras, 15-02, o vosso colaborador Acácio Marques (AM) manifesta uma extrema intolerância.

Sendo legítimas as críticas que faça aos «nobeis da literatura», ao «Código da Vinci» ou a qualquer outra publicação que lhe desagrade, é menos tolerável o carácter censório que demonstra e é, de todo, inadmissível a ameaça explícita e violenta contra a liberdade de criação artística, seja em defesa da figura de Jesus Cristo (JC) ou sob outro pretexto qualquer.

Diz de JC, «que, como é do seu estilo, não se defende, nem O (sic) defendem, até porque não precisa», mas o Índex dos livros que a Igreja católica condena só deixou de ser actualizado em 1961 e os tribunais do Santo Ofício duraram séculos.
AM congratula-se com as ameaças e manifestações orquestradas contra um «Musical» que a BBC emite, uma execrável manifestação de censura e intolerância. A que título o pastor evangélico Stephen Green e outros crentes exaltados se manifestam em Londres para impedirem a exibição do espectáculo? Que excelente exemplo de tolerância!

Mas onde AM atinge o delírio e a exaltação beata é quando afirma com indisfarçável satisfação: «Metam-se assim com Buda ou Maomé, e já verão. Bem se viu o que aconteceu com o Van Gogh, do filme holandês menos favorável ao Islão e seu Profeta, simplesmente assassinado em plena rua!…» (sic). Este incitamento à violência, vulgar em órgãos paroquiais, não é compatível com a linha editorial do «Diário as Beiras».

Em vez de execrar o crime hediondo de um fanático muçulmano contra um cineasta, AM exalta o crime de quem esfaqueou mortalmente um cineasta, por ódio religioso. Se o vosso pio colaborador se congratula com um acto de tal demência, está a meio caminho entre um cruzado e um suicida islâmico.

Apostila – O filme de Van Gogh denuncia a violência islâmica contra as mulheres.

16 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

Paulo Portas de joelhos

Paulo Portas não perde uma missa e, em campanha eleitoral, duplica a assiduidade. Não respeita a Constituição que é laica, não respeita o País que separou a Igreja do Estado e já se esqueceu da figura que fez no funeral do tenente coronel Maggiolo Gouveia onde foi em busca da hóstia, de uma genuflexão e da desonra das funções que ocupa.

Enquanto a família da defunta carmelita afirma que Paulo Portas pediu para assistir à missa, reservada a familiares e próximos, o CDS garante que o ministro da Defesa foi convidado. Não interessa saber quem mente nesta piedosa maratona litúrgica em que as orações são inúteis e a exploração da fé, com fins eleitorais, faz parte da corrupção moral de um país habituado a viver de joelhos.

Sabe-se da devoção de Paulo Portas à Senhora de Fátima, a quem agradeceu, há anos, a orientação dos ventos e marés que levaram para as praias da Galiza a maré negra de um petroleiro afundado que ameaçou a costa norte de Portugal. O País apenas desconhecia as relações próximas com a freira carmelita. A dar crédito a Francisco Vieira, familiar da irmã Lúcia, Paulo Portas «manifestou a vontade pessoal» de assistir à missa alegando «a simpatia que nutria pela irmã Lúcia e pela sua devoção a Fátima».

O cidadão Paulo Portas pode ir a várias missas diárias, empanturrar-se de hóstias, fazer calos nos joelhos com genuflexões, entortar a coluna vertebral de tanto a vergar em cerimónias religiosas, persignar-se constantemente e invocar o nome de Deus a cada momento. O ministro da Defesa, porém, não pode nem deve rastejar aos pés dos padres, afocinhar perante um bispo ou lamber-lhe o anel. É o Estado que fica de rastos com a humilhação do ministro e o aviltamento do devoto.

15 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

As cartas de Soror Lúcia de Jesus

Clique aqui para ver uma versão maior desta carta e aqui para ver a carta de Lúcia elogiando Salazar.

Seguem-se, sem comentários, excertos da carta acima digitalizada, datada de 7 de Novembro de 1945, da Lúcia cujo falecimento mereceu luto nacional. Enviada pelo cardeal Cerejeira ao seu amigo António Salazar, em vésperas das primeiras eleições supostas livres à Assembleia Nacional, para «levar-te muita consolação e confiança», acrescentando «E se tu a lesses toda, mais consolado e confiado ficarias ainda. Escuso de dizer que isto que ela diz, o não diz dela mesma, mas por indicação divina (segundo ela deixa entender)»:

«Salazar é a pessoa por Ele (Deus) escolhida para continuar a governar a nossa Pátria, … a ele é que será concedida a luz e graça para conduzir o nosso povo pelos caminhos da paz e da prosperidade. É preciso fazer compreender ao povo que as privações e sofrimentos dos últimos anos não foram efeito de falta alguma de Salazar, mas sim provas que Deus nos enviou pelos nossos pecados. Já o bom Deus ao prometer a graça da paz à nossa nação nos anunciou vários sofrimentos, pela razão de que nós éramos também culpados».

15 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

Eu não estou de luto nem respeito Fátima

Existe uma apreciação ética, e portanto social, a fazer sobre a morte de Lúcia dos Santos.
É evidente que a morte de qualquer pessoa me merece respeito, e que posso decidir associar-me a cerimónias de luto se conhecer o falecido ou se isso confortar as pessoas das suas e das minhas relações. Mas não me associo ao luto por quem não conheci nem me deu razões para respeito, como é obviamente o caso da falecida Lúcia dos Santos. Não respeito quem participa em maquinações rocambolescas com o objectivo de ludibriar milhões de pessoas para fins religiosos, políticos e comerciais. E como é por todos reconhecido, a referida senhora ou foi a verdadeira criadora do mito de Fátima, ou foi conivente nessa manobra obscurantista, manobra em qualquer dos casos sinistra e lesiva da imagem e dos valores da sociedade portuguesa. Pois não é salutar para a imagem de Portugal que sejamos vistos como um povo que se ajoelha, arrasta e humilha à passagem de uma boneca de louça e de pau. Não é benéfico para o bem comum de uma sociedade que se propagandeiem como dignos e desejáveis comportamentos anti-sociais (como faltar à escola para rezar), ou doentios (como a autoflagelação ou os jejuns desregrados), ou supersticiosos (como a ideia de que uma mulher morta há dois mil anos poderia surgir empoleirada numa azinheira, ou que o sol pode ser visto a «rodar» em Ourém mas não em Lisboa).
Eu escolho um país moderno, a capacidade crítica das pessoas, o espírito científico, a instrução dos petizes e o amor-próprio. Fátima é o contrário de tudo isto.
É claro que as pessoas são tão livres de se arrastar de joelhos como de ser sado-masoquistas, de acreditar na «virgem» como em Alá, e que ninguém deve proibir comportamentos de outrem que não nos afectem. Porém, não me peçam para «respeitar» quem promove o obscurantismo e comportamentos consabidamente nocivos. Do mesmo modo, não se pode impedir as pessoas de ter convicções anti-democráticas, mas não me peçam para deixar de combater e denunciar alguém que passou atestados de «enviado de Deus» a Salazar.
A finalizar, convém acrescentar que a senhora Lúcia dos Santos me respeitava menos do que eu a ela. Aliás, pediu em diversas ocasiões que se limitasse a liberdade de expressão por «Deus já [estar] muito ofendido». Eu nunca pensaria em coarctar a sua liberdade de proclamar disparates religiosos ou outros, embora ela desejasse claramente impedir pessoas como eu de escreverem textos como este. Aqui fica.
15 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

Comunicado da ARL sobre o luto nacional

Comunicado de imprensa de 14/2/2005

Porquê luto nacional?

1. A Associação República e Laicidade manifesta a sua estranheza e repúdio pela iniciativa do Primeiro Ministro, ratificada pelo Presidente da República, de decretar um dia de luto nacional pelo falecimento de Lúcia de Jesus.

2. O falecimento de personalidades que tenham servido a República em cargos elevados, ou que tenham prestado serviços públicos de grande mérito, pode e deve ser assinalado com um dia de luto nacional. Nesse sentido, estranhamos que não tenha sido decretada tal solenidade aquando dos falecimentos – ocorridos durante o mandato do actual Governo – da antiga Primeira Ministra Maria de Lurdes Pintasilgo ou do lutador antifascista Fernando Vale.

3. Lúcia de Jesus teve como único acto relevante da sua vida o papel que desempenhou nos acontecimentos de Fátima em 1917, que a tornaram mais tarde uma actora comprometida das encenações político-religiosas conducentes a legitimar o Estado Novo (deve-se-lhe a frase «Salazar é a pessoa por Ele escolhida para continuar a governar a nossa Pátria»), e foi portanto
parte de uma operação político-religiosa que fracturou e ainda divide o país e a própria comunidade católica portuguesa.

4. Parece-nos portanto evidente que o luto nacional é, nesta ocasião, desapropriado e mesmo prejudicial à separação da política e da religião e à própria unidade nacional em torno dos valores democráticos.

Luis Mateus
(Presidente da Direcção)
Ricardo Gaio Alves
(Secretário da Direcção)

Adenda: notícia no Público.
15 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O milagre que fez falta


Se a alva e meiga Senhora que, há quase oitenta e oito anos, poisou numa azinheira, vestida com um manto de luz, para gáudio de três inocentes pastorinhos, por erro de navegação celeste houvesse poisado numa azinheira errada e encontrado um só pastor, mancebo de vinte e tantos anos; se a falta de energia lhe tivesse apagado o manto, sendo a beleza tanta quanto dela disseram as criancinhas, e entre o manto e o corpo nada houvesse, como é de crer, por ser a luz que resplandecia o único vestido que a cobria, poderia o dito pastor chamar-se José, como o humilde e humilhado carpinteiro de Nazaré, e a história seria outra.

Se o dito pastor, mancebo de vinte e tantos anos, na flor da idade e do desejo, impelido pelos sentidos, fosse tão rápido e eficaz a tomar a dita Senhora como o era a conduzir o rebanho, não seria o papa, muitos anos depois, a entrar em êxtase; seria ele, pastor, ali e então.

E, em vez de criancinhas a ouvirem – eu sou a Nossa Senhora -, pitoresca apresentação que só ouvi a um Sargento, falando aos soldados, – eu sou o nosso primeiro Vieira -, em vez dessa apresentação que os exegetas atribuem à Virgem Maria, teria ouvido o pastor, mancebo de vinte e tantos anos, mais afeito ao rebanho que ao corpo feminino, à guisa de apresentação e despedida, com voz lânguida e conformada, eu sou Maria.

Tudo leva a crer que a referida Senhora, de tão rara beleza, teria esquecido a conversão da Rússia, poupado o dito pastor à oração e, em vez de duas ou três aparições, teria tentado outras, sabendo embora que não era a azinheira certa aquela em que poisava, mas adivinhando à sua sombra o pastor, mancebo de vinte e tantos anos.

É preciso aumentar a probabilidade de novas aparições, seja pela duplicação do número de azinheiras ou do número de crianças que prefiram a oração à escola e se dediquem à pastorícia, de preferência longe dali, que os milagres raramente se repetem perto, e se acontecem, como há sobejas provas na Ladeira e noutros sítios, nunca são reconhecidos, por se desconfiar da abundância e se temer a concorrência.

E se no futuro apenas houver pastores crianças, com joelhos no chão e olhos no Céu, nunca mais haverá qualquer pastor na flor da idade e do desejo, mancebo de vinte e tantos anos, a ofender a virtude e a mudar o sítio às azinheiras, a perturbar a circulação celeste e os milagres.

14 de Fevereiro, 2005 André Esteves

Os meus três cêntimos…

O Rui Tavares do Barnabé, diz muito bem, tudo o que eu sinto e penso sobre o caso Lúcia.

Agora, liguem a televisão e entretenham-se com o espectáculo e a propaganda, com a mini e os tremoços que eu vou lá dentro e já volto. Os meus três cêntimos…

14 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

Hipocrisia e ridículo


O falecimento de alguém merece-me respeito, mesmo – como é o caso -, quando se trata da última cúmplice de um embuste montado pela Igreja Católica na luta contra o comunismo e no ódio cego à República e à separação da Igreja e do Estado.

O cancelamento da campanha eleitoral pelo PSD e pelo CDS e as tergiversações do PS só encontram paralelo no ridículo de um primeiro-ministro que pretende que seja declarado luto nacional pela morte de uma freira enclausurada há dezenas de anos e que foi uma bandeira da campanha do fundamentalismo católico contra o progresso e a liberdade.

Desde a luta contra a mini-saia e o divórcio (mesmo para casamentos civis), que eram objecto das cartas para Marcelo Caetano, até à convicção que lhe fora transmitida pela Senhora de Fátima de que Salazar foi enviado pela Providência para salvar Portugal, confidência da virgem Maria que acabou por ser transmitida a Salazar pelo cardeal Gonçalves Cerejeira, a vida de Lúcia é a de uma pobre pastora de quem a ICAR se apropriou para um dos maiores embustes do século passado.

Já está esquecido o terceiro segredo de Fátima que excitou durante décadas a superstição popular, acalentou medos e generalizou o pânico entre as populações analfabetas do mundo rural, embrutecidas por um clero saído do concílio de Trento para a cumplicidade com o Estado Novo. Já ninguém se recorda de que o Papa mandou um padre a Portugal para que a Irmã Lúcia confirmasse que foi aquela batina com que JP2 foi baleado por um enigmático turco, a que ela viu, em visão, quando o próprio pano não tinha ainda sido tecido. Claro que a vidente confirmou.

Foi com milagres destes e a exploração grosseira da superstição que o negócio de Fátima nasceu e prosperou. Foi com a falta de pudor e o descaramento pela credulidade de gente simples que se urdiu uma teia de mentiras e idolatria que transformou uma zona rural paupérrima num promissor centro urbano do sector terciário.

Que aos embustes da ICAR se venha juntar o oportunismo descarado dos partidos que suspendem a campanha eleitoral em sinal de luto por uma vetusta freira que morre naturalmente, é um acto digno dos mullahs islâmicos, um gesto ao gosto do terceiro-mundo, uma vergonha que cobre de opróbrio um país europeu onde os ventos e as marés ainda se deslocam ao sabor da vontade da Senhora de Fátima.

14 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

Carta à Procuradoria Geral da República

Ex.mo Senhor
Procurador Geral da República
Rua da Escola Politécnica, 140
1269-269 Lisboa Codex
Fax: 213975255

Lisboa, 11-02-2005

Ex.mo Senhor Procurador Geral da República,

Para os efeitos devidos, vimos expor a V.Exa. o seguinte:

1. Tal como aconteceu a um grande número de cidadãos portugueses, a Associação Cívica República e Laicidade (associação constituída por escritura pública de 27/1/2003) tomou conhecimento, através dos meios de comunicação social, de que, no passado domingo, dia 6 de Fevereiro, o Sr. Padre Lereno Sebastião Dias, sacerdote da Igreja Católica Portuguesa a exercer as funções de pároco da igreja de S. João de Brito, em Lisboa, na missa dominical que celebrou naquele templo e que foi simultaneamente transmitida, via rádio, através da Antena 1 da RDP (Rádio Difusão Portuguesa – Empresa Pública), claramente exortou quem assistiu, directa ou indirectamente, àquele acto religioso a não dar o seu voto aos partidos políticos cujos programas eleitorais não respeitam a ética cristã.

2. «Conhecemos os partidos, conhecemos os programas, as práticas que têm operado em Portugal, as pessoas, qual o seu perfil» (…) «Um cristão deve aprovar por voto uma ética que não seja indigna de si próprio, por exemplo a vida» (…) «a ética cristã promove a vida humana desde a concepção até à morte natural» (…) «Aborto nunca, eutanásia nunca» (…) «A ética cristã reprova que seja equiparada a família a uma união de facto de um homem com um homem ou de uma mulher com uma mulher» (…) «Poligamia nunca, divórcio nunca» (…) constituem algumas das afirmações então proferidas pelo acima identificado Sr. Padre Lereno Sebastião Dias na sua homilia radiodifundida e que, posteriormente, foram também reproduzidas e divulgadas pela imprensa escrita e, designadamente pela agência LUSA.

3. A Lei Eleitoral da Assembleia da República [Lei 14/79, de 16 Maio (Actualizada com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2001 de 25 de Agosto)] estabelece, no seu Artigo 153º (Abuso de funções públicas ou equiparadas), que «O cidadão investido de poder público, o funcionário ou agente do Estado ou de outra pessoa colectiva pública e o ministro de qualquer culto que, abusando das suas funções ou no exercício das mesmas, se servir delas para constranger ou induzir os eleitores a votar em determinada ou determinadas listas, ou abster-se de votar nelas, será punido com prisão de seis meses a dois anos e multa de 10.000$ a 100.000$.»

4. Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que o acima citado Sr. Padre Lereno Sebastião Dias, pároco da igreja de S. João de Brito, por sua única e exclusiva iniciativa ou em situação de conivência com outras pessoas, ao proferir as afirmações que proferiu, na qualidade em que as proferiu, no local onde as proferiu, na ocasião em que as proferiu – já em período oficial de Campanha Eleitoral para a Assembleia da República, lembra-se e sublinha-se aqui – e também pelos poderosos meios que utilizou para as difundir, infringiu claramente aquela norma legal, incorrendo, portanto, na prática de um crime público que, além do mais, foi ainda publicamente cometido e largamente publicitado.

5. Em conformidade com os factos acima sumariamente descritos e que, em nosso entender, indiciam grave prática ilícita, entendemos que o Ministério Público deve impreterivelmente proceder às convenientes averiguações, bem como ao levantamento do correspondente processo-crime, tendo em vista os procedimentos formais de avaliação e julgamento, por tribunal competente, do/s eventual/eventuais responsável/responsáveis por aqueles actos, por forma a que, verificando-se a sua efectiva prática e os exactos termos (com agravantes ou atenuantes) em que tenham sido cometidos, o/s seu/s autor/autores possa/m ser devidamente punido/s nos termos da Lei.

Sem outro assunto,
a bem da República,

Luis Manuel Mateus
(Presidente da Direcção)