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Carta à Procuradoria Geral da República

Ex.mo Senhor
Procurador Geral da República
Rua da Escola Politécnica, 140
1269-269 Lisboa Codex
Fax: 213975255

Lisboa, 11-02-2005

Ex.mo Senhor Procurador Geral da República,

Para os efeitos devidos, vimos expor a V.Exa. o seguinte:

1. Tal como aconteceu a um grande número de cidadãos portugueses, a Associação Cívica República e Laicidade (associação constituída por escritura pública de 27/1/2003) tomou conhecimento, através dos meios de comunicação social, de que, no passado domingo, dia 6 de Fevereiro, o Sr. Padre Lereno Sebastião Dias, sacerdote da Igreja Católica Portuguesa a exercer as funções de pároco da igreja de S. João de Brito, em Lisboa, na missa dominical que celebrou naquele templo e que foi simultaneamente transmitida, via rádio, através da Antena 1 da RDP (Rádio Difusão Portuguesa – Empresa Pública), claramente exortou quem assistiu, directa ou indirectamente, àquele acto religioso a não dar o seu voto aos partidos políticos cujos programas eleitorais não respeitam a ética cristã.

2. «Conhecemos os partidos, conhecemos os programas, as práticas que têm operado em Portugal, as pessoas, qual o seu perfil» (…) «Um cristão deve aprovar por voto uma ética que não seja indigna de si próprio, por exemplo a vida» (…) «a ética cristã promove a vida humana desde a concepção até à morte natural» (…) «Aborto nunca, eutanásia nunca» (…) «A ética cristã reprova que seja equiparada a família a uma união de facto de um homem com um homem ou de uma mulher com uma mulher» (…) «Poligamia nunca, divórcio nunca» (…) constituem algumas das afirmações então proferidas pelo acima identificado Sr. Padre Lereno Sebastião Dias na sua homilia radiodifundida e que, posteriormente, foram também reproduzidas e divulgadas pela imprensa escrita e, designadamente pela agência LUSA.

3. A Lei Eleitoral da Assembleia da República [Lei 14/79, de 16 Maio (Actualizada com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2001 de 25 de Agosto)] estabelece, no seu Artigo 153º (Abuso de funções públicas ou equiparadas), que «O cidadão investido de poder público, o funcionário ou agente do Estado ou de outra pessoa colectiva pública e o ministro de qualquer culto que, abusando das suas funções ou no exercício das mesmas, se servir delas para constranger ou induzir os eleitores a votar em determinada ou determinadas listas, ou abster-se de votar nelas, será punido com prisão de seis meses a dois anos e multa de 10.000$ a 100.000$.»

4. Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que o acima citado Sr. Padre Lereno Sebastião Dias, pároco da igreja de S. João de Brito, por sua única e exclusiva iniciativa ou em situação de conivência com outras pessoas, ao proferir as afirmações que proferiu, na qualidade em que as proferiu, no local onde as proferiu, na ocasião em que as proferiu – já em período oficial de Campanha Eleitoral para a Assembleia da República, lembra-se e sublinha-se aqui – e também pelos poderosos meios que utilizou para as difundir, infringiu claramente aquela norma legal, incorrendo, portanto, na prática de um crime público que, além do mais, foi ainda publicamente cometido e largamente publicitado.

5. Em conformidade com os factos acima sumariamente descritos e que, em nosso entender, indiciam grave prática ilícita, entendemos que o Ministério Público deve impreterivelmente proceder às convenientes averiguações, bem como ao levantamento do correspondente processo-crime, tendo em vista os procedimentos formais de avaliação e julgamento, por tribunal competente, do/s eventual/eventuais responsável/responsáveis por aqueles actos, por forma a que, verificando-se a sua efectiva prática e os exactos termos (com agravantes ou atenuantes) em que tenham sido cometidos, o/s seu/s autor/autores possa/m ser devidamente punido/s nos termos da Lei.

Sem outro assunto,
a bem da República,

Luis Manuel Mateus
(Presidente da Direcção)

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