Satirycon
«A ideia de um Ente supremo que cria um mundo no qual uma criatura deve comer outra para sobreviver e, então, proclama uma lei dizendo: ‘Não Matarás’ é tão monstruosamente absurda que não consigo entender como a humanidade a tem aceite por tanto tempo.» Peter de Vries
Peter de Vries, editor do «The New Yorker» desde o final da década de 40 até meados dos anos 70, é um dos meus autores satíricos favoritos, juntamente com Tom Sharpe, Joseph Heller e Kurt Vonnegut.
Pessoalmente considero de Vries como um dos grandes satíricos do século passado, com uma pena fabulosa em trocadilhos, mas infelizmente é não só pouco conhecido como os seus livros são muito difíceis de encontrar, normalmente só em livrarias de livros em segunda mão ou de livros raros (comprei os meus preciosos exemplares numa deliciosa mistura de ambas em Hilcrest, San Diego). Presumo nunca ter sido traduzida para português alguma das suas obras primas. No entanto, banalizámos muitos epigramas de De Vries no léxico do nosso quotidiano, como, por exemplo, «Nostalgia isn’t what it used to be» (a nostalgia já não é o que era).
Nos seus fabulosos textos satíricos, Peter de Vries deixa-nos apreciações sortidas que nos deveriam fazer reflectir. No seu romance Reuben, Reuben, adaptado para o cinema por Julius J. Epstein, escreve sobre Aristóteles que «a prova do seu domínio sobre o homem ocidental é que ele domina o pensamento de gente que nunca ouviu falar a seu respeito».
O livro que recomendo, quando for reeditado, claro, Mackerel Plaza, conta-nos as vicissitudes do pastor da People’s Liberal Church em Avalon, Connecticut, Andrew Mackerel, ou Holy Mackerel. O jovem pastor perde a esposa num acidente de canoagem que é uma hilariante sucessão de incidentes e, passado pouco tempo, apaixona-se por uma ex-actriz com quem deseja casar. Mas os seus piedosos paroquianos consideram que, depois de ter sido casado com uma «santa», o seu pastor deve permanecer celibatário o resto da vida. Algumas iniciativas para manter viva a memória da falecida consistem num painel de néon que relembra «Jesus salva» e a construção de uma praça, a Mackerel Plaza. Toda esta devoção força o pobre pastor a encontrar-se com a sua amada em bares e hoteis de reputação duvidosa.
No livro, Holy Mackerel debita pérolas como «A prova final da omnipotência de Deus é que ele não necessita existir para nos salvar».