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Um ateu perante a morte

«Depois da morte não acaba tudo. Depois da morte ainda vem o funeral.» – cito, de memória, Onofre Varela

Na nossa sociedade, os ritos fúnebres são a regra. São rituais católicos que geralmente culminam com o enterro ou cremação do corpo do defunto.

Um ateu pode escolher que não lhe sejam prestadas essas cerimónias religiosas após a sua morte, ou não?

Na maioria dos casos, suponho que o consiga: basta para o efeito que comunique aos seus familiares e amigos o seu desejos, e que estes o procurem respeitar.

Mas, a menos que tenha em vida feito um testamento com obrigações legais, não há qualquer garantia de que isto se suceda. Os familiares podem perfeitamente ignorar os desejos do defunto, que não estará lá para se defender, dando origem a mais um evento religioso.

Os ateus, que não acreditam na vida após a morte, não deveriam ser indiferentes a essa questão?

Os desejos manifestados em vida pelo defunto não poderão simplesmente ser ignorados após a sua morte?

O respeito pela morte alheia não é apenas um hábito ritual, fruto de superstições sem sentido, que deveria ser ignorado?

Na minha opinião, a resposta a estas três últimas questões é não.

É uma opinião que pode não ser partilhada por toda a gente, já que tive oportunidade de discutir este assunto quer com crentes, quer com um ou outro ateu.

Nós, como seres humanos, pensamos na morte. Para uns é raro, para outros frequente.

Esses pensamentos não costumam ser agradáveis, quer devido ao instinto de sobrevivência, quer devido a uma série de outros factores (as saudades dos entes queridos que morreram, por exemplo).

As religiões assumem um papel interessante, que pode minorar ou aumentar o sofrimento resultante dessa última confrontação, consoante a mitologia e a respectiva intepretação.

Assim sendo, enquanto sacerdotes mais insensíveis podem lembrar a família e os amigos da forma como os pecados do falecido podem colocar a sua alma em perigo de encontrar o Inferno, outros, mais hábeis na forma de lidar com as pessoas, podem aliviar o seu sofrimento fazendo ver que se desejam bem ao falecido, deveriam estar felizes pelo facto da sua alma estar num mundo melhor.

Por paixão à verdade, não acho que se justifique acreditar em mentiras e superstições, mesmo que elas aliviem o nosso sofrimento com a ideia da morte (coisa que, como referi, não se verifica necessariamente).

Mas acho óptimo, do ponto de vista humano, que encontremos as melhores formas de encarar essa questão, para sofrermos o mínimo com ela.

O respeito pela morte alheia é uma dessas formas.

O facto de ser usual o respeito aos desejos póstumos de alguém, leva-nos a crer que os nossos serão respeitados, e isso facilita a forma como encaramos esse pensamento.

PS- Vamos bater-nos para que aos não crentes sejam asseguradas condições de respeito sem os obrigar a ter de passar por uma igreja. Essa é uma batalha da futura AAP com as autarquias e o Estado.

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