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Domingo – dia do Senhor

Contra a abertura do comércio ao domingo, marchar, marchar…

O Movimento pelo Encerramento do Comércio ao Domingo, onde se destaca o pio Bagão Félix, de frouxa sensibilidade social e exacerbada devoção religiosa, consegue o apoio dos sindicatos e do patronato. Não me seduz a cassete neoliberal em voga, mas irrita-me a obstinação da ICAR em apropriar-se do domingo e atribuir-se outros dias, que crismou de santos e equiparou a feriados nacionais.

Se o dogma é um insulto à inteligência mas uma vitória para a fé, se agride a razão mas purifica a alma, se fecha os caminhos difíceis da ciência mas abre as largas avenidas da salvação, é difícil haver quem o enjeite, mas a Câmara Municipal do Porto prepara-se para pecar. Parafraseando o Eça, cabe à Vereação, moderadamente jejuada, razoavelmente confessada e melhor comungada, pronunciar-se piedosamente sobre o horário do comércio.

O Governo privatizou as seguradoras e os bancos; condescendeu com a liberalização dos combustíveis e da energia; as comunicações e os cimentos entregou-os aos privados, mas chamou a si o horário das mercearias. Nos mares, nas estradas e nos ares circula a iniciativa privada mas respeita-se, na compra do sabão amarelo, o horário das repartições. Não tem horário a gasolina mas têm hora marcada a posta de pescada e o quilo de feijão carrapato.

Andou bem o Governo, há anos, em proibir às grandes superfícies a abertura de portas ao Domingo. Preferiu a santa missa à venda dos legumes; dificultou a aquisição de frescos mas facilitou a divulgação das homilias; alguns bacalhaus ficaram por vender mas promoveu-se a eucaristia, com hóstias sem código de barras, nem prazo de validade, guardadas sem rede de frio nem inspecção sanitária. Folgam as caixas registadoras aos Domingos mas agitam-se as bandejas nas santas missas.

Contrariamente ao que era de esperar, não houve, porém, festa nas sacristias, não rejubilou o episcopado, não aconteceu um lausperene. Nem uma missa de acção de graças. Nem uma novena. Provavelmente algum padre-nosso rezado na clandestinidade ou uma ave-maria balbuciada por uma beata enquanto resistia à tentação da carne e ao assédio do marido. A própria Conferência Episcopal desistiu da pastoral da mercearia.

E vem agora a Câmara Municipal do Porto com um regulamento sobre horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais na cidade, capaz de os encher ao Domingo, enquanto à luz mortiça das velas um padre boceja uma homilia para meia dúzia de resignados devotos.

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

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- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:

- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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