No Sri Lanka só a fé ficou incólume
Há catástrofes cuja dimensão semeia a desolação e o pânico. A dor extrema conduz à inacção ou ao desespero. Não há meio termo. A revolta, a angústia e o medo espalham-se no ar que cheira a morte e transporta pesadelos sombrios.
A televisão mostra-nos milhares de cadáveres juncando o chão, mortos que urge remover depressa para evitar que as epidemias lhes juntem outros. A morte, na sua obscena dimensão, deixa de interessar. São os vivos, espoliados de tudo, sem família, sem abrigo, sem água potável, sem alimentos, sem presente nem futuro, corpos desnudados, fantasmas vagueando sem destino, a respirar o ar que cheira a morte, são esses vivos a quem a tragédia bateu à porta que esperam solidariedade e a rapidez do nosso apoio.
As praias do Índico, que há dias regurgitavam de vida num ambiente idílico, são hoje cemitérios que rodeiam um continente mais pobre, desesperado e lúgubre. Mas sempre que o cheiro dos cadáveres se adensa logo as aves de repina se aproximam.
No Sri-Lanka, onde a agitação da terra e a fúria do mar se conjugaram para arrasar um país e dizimar a população, estátuas de Buda, de cimento e gesso, sobraram intactas, quando, à sua volta, tudo ficou destruído. Até um templo resistiu ileso.
Tanto bastou para que a tragédia fosse confiscada em benefício da religião. «As pessoas não vivem de acordo com as virtudes religiosas. Por isso, a natureza dá-lhes alguns castigos porque não seguem o caminho de Buda. As pessoas têm de aprender a lição», diz Sumana, um monge budista. – lê-se no «Público» de hoje. Não foi apenas o templo e alguns budas que resistiram ilesos – a crueldade, a ignorância e a chantagem reforçaram os alicerces.
No Sri-Lanka, como no resto do mundo, os abutres estão sedentos de carne putrefacta. A morte é o alimento predilecto das religiões e o medo o argumento para a conversão e submissão ao poder do clero. Perante a sinistra interpretação eclesiástica só a erradicação do fantasma de Deus pode fazer algo pela libertação da humanidade.
Apostila – Uma menina inglesa, de dez anos, com os conhecimentos científicos adquiridos na aula de geografia, apercebeu-se da iminência da catástrofe e conseguiu que uma centena de pessoas fugisse da praia. Salvou mais gente a sabedoria de uma criança do que a fé de todos os adultos.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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