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O quadro negro do desenho inteligente

Apesar da razão e da ciência,
os maiores trunfos da humanidade,
condescende em ilusões e práticas mágicas
que reforçam o teu auto-engano,
e perder-te-às incondicionalmente!

Mefistófeles no Fausto de Goethe

Nas religiões em geral e no Catolicismo em particular, a dúvida deve ser evitada, enquanto a fé é nutrida e cultivada. A história de São Tomé é uma advertência contra a procura de confirmação experimental, de provas de «milagres» que contrariam as leis da natureza. É exaltada a fé sem restrições espúrias como sejam as evidências materiais e científicas.

Para defender a fé, o cristianismo destruiu bibliotecas, repositórios do conhecimento de civilizações «pagãs», queimou livros de ciências «profanas» em orgias de fé, deixando o mundo cristão mergulhado na ignorância, na superstição e no fanatismo. A Idade Média correspondeu a um período negro na História das civilizações Ocidentais, um período de obscurantismo, do qual o mundo cristão só saiu quando foi redescoberta a Cultura Greco-Romana. Uma Ciência, uma Arte e uma Filosofia novas começaram a despontar, sob os olhos aterrorizados da Religião que temia perder o seu domínio despótico e tirano, mantido pela força da espada, fogueira ou afins, durante séculos.

A disputa do cristianismo contra a Ciência pela posse da verdade é assim História antiga. No Ocidente, o embate mais mediático e conhecido foi o caso Galileu. Essa batalha foi vencida pela Igreja, que obrigou Galileu a renegar as suas teses para não sofrer o destino de Giordano Bruno: ser imolado pelo fogo em nome da pureza e verdade da fé. Mas o futuro dessa disputa seria diferente: pouco a pouco, a religião perdeu a autoridade para explicar o mundo. Quando, no século XIX, Darwin lançou a sua teoria sobre a evolução das espécies, contra a criação divina, o fosso entre ciência e religião já era intransponível.

No post «Os Dinossauros de Deus» abordei o princípio antrópico. Este é devotado ao «Desenho Inteligente», DI, mais uma suposta arma final apresentada pelos crentes numa batalha que foi perdida no século XVII: a batalha para descrever a Natureza com base nas Escrituras ou em termos de causas finais (princípio teleológico) e causas eficientes.

Um dos fundadores do movimento DI foi o professor de direito da Universidade de Berkeley, Philip E. Johnson, autor do livro «Darwin on Trial», que se descreve como um cristão conservador criacionista, que acredita que o evolucionismo é incompatível com a crença num Deus omnipotente, criador do céu e da Terra e do Homem à sua imagem. Ou seja, o distinto jurista cunha a Evolução como uma filosofia (fundamentalista) ateísta e naturalista, e afirma que «Ser um cientista não é necessariamente uma vantagem, quando lidamos com um tópico tão abrangente como a evolução, que se entrelaça com muitas disciplinas científicas e também envolve os toques da filosofia.», ou seja, um juiz será, também necessariamente, o mais capacitado para opinar (negativamente) sobre evolução que um cientista! E estes deveriam esperar por autorização «superior» das instâncias religiosas antes de ousarem explicar algo que seja já alvo de uma explicação religiosa.

Claro que esta tentativa de afirmar os cientistas incapazes de descrever a Natureza, pelo facto de descartarem causas sobrenaturais e de desígnio insondável na explicação de fenómenos problemáticos para as religiões, não é muito convincente e assim o passo seguinte na defesa de um «arquitecto supremo» foi a arregimentação de cientistas para a causa.

Os dois cientistas mais activos no DI são Michael Behe, autor de «Darwin’s Black Box» (A Caixa Preta de Darwin), e William Dembski, autor de «Intelligent Design: The Bridge between Science and Theology» (Desenho Inteligente: A Ponte entre a Ciência e a Teologia). Dembski e Behe são membros do Discovery Institute, um instituto de «pesquisas» de Seattle patrocinado por fundações cristãs.

William Dembski é um matemático que alega poder provar que a vida e o universo não poderiam ter acontecido por acaso e por processos naturais e, como tal, são o resultado do projecto inteligente de Deus. Também afirma que «a solidez conceptual de uma teoria científica não pode sustentar-se distanciada de Cristo» o que ilustra a motivação (e solidez) das suas teses.

Já Michael Behe restringe-se aos “sistemas irredutivelmente complexos,” sistemas que não poderiam funcionar caso faltasse apenas uma das várias partes. “Sistemas irredutivelmente complexos… não podem evoluir de uma maneira Darwiniana,” afirma, porque a selecção natural opera na forma de pequenas mutações. Logo, para este autor, o desenho inteligente deve ser responsável por esses sistemas irredutivelmente complexos. Na realidade, alguns dos supostos sistemas complexos que Behe utiliza como argumento, por exemplo o flagellum bacteriano, já foram explicados, ou seja, o seu principal argumento é baseado não só na sua ignorância do trabalho de outros investigadores como na assunção que a Natureza é limitada pela imaginação de Behe.

As supostas «descobertas» destes cientistas não foram publicadas em qualquer revista ou editora científicas, apresentadas à comunidade científica ou sujeitas ao julgamento dos pares. Pelo contrário, a refutação das ideias disparatadas de Behe por um evolucionista (por acaso mencionado no livro de Behe como uma «testemunha» de defesa ) mereceu um artigo na Nature (apenas acessível a subscritores). E respostas de cientistas conhecidos e respeitados na comunidade científica, como Peter W. Atkins ou H. Allen Orr que recomendo. Assim como o artigo de Richard Dawkins sobre a indevida imiscuição da religião na ciência.

O conflito entre a visão mecanicista da Natureza e a visão teleológica que se delineou a partir do século XVI resolveu-se per se. A ciência afirmou-se e progrediu em parte porque os cientistas tentaram descrever os fenómenos naturais sem recurso a um propósito final. O Deus de Leibniz, cuja existência é perfeitamente demonstrável, que contém em si todas as verdades eternas e necessárias, tornou-se assim uma hipótese desnecessária para a ciência.

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