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Mês: Novembro 2004

6 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

O Presidente da República e a Bíblia

A Sociedade Bíblica de Portugal tem um marketing agressivo cuja legitimidade se não contesta. Tentar atrair patrocinadores e figuras de destaque para a promoção do seu único produto – a Bíblia – é um direito que lhe assiste.

Há, todavia, dois aspectos que me repugnam:

– que o projecto tivesse sido declarado como sendo «de superior interesse cultural» pelo ministério da Cultura embora, neste caso, fosse uma forma de ter ficado a saber que o actual Governo tinha um ministério com esse nome;

– a presença do Presidente da República, bem como dos presidentes da A. R. e do Tribunal Constitucional constituem um lamentável patrocínio a uma actividade privada, com grave prejuízo da ética republicana e do princípio da separação das Igrejas e do Estado.

Quanto ao PR, por quem nutro grande estima pessoal, e sem quebra do respeito que lhe é devido, fico perplexo com a sua presença. Também não gostaria de o ver no lançamento de um projecto ateísta, igualmente respeitável, e muito mais adequado às suas convicções.

A vitória de Bush, que prometeu apelar à fé (espera-se que com entusiasmo equivalente ao de Bin Laden), vai contaminando o mundo onde a interferência das igrejas na política se manifesta cada dia mais perigosa.

5 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

Os coitadinhos

O presidente da Conferência Episcopal Francesa, arcebispo Jean-Pierre Ricard, deu a conhecer ao mundo, na passada quinta-feira, as graves dificuldades encontradas pela ICAR desde que é aplicada a lei que interdita os símbolos religiosos ostensíveis nas escolas públicas.

Jean-Pierre Ricard afirmou que «o medo de um Islamismo militante tem sido acompanhado de uma vontade de restringir as expressões da liberdade religiosa para todas as religiões» e criticou os defensores de uma «secularização completa da sociedade» e da expressão escola pública, santuário da República, em que as religiões ficam à porta». A questão é que só se pode assegurar efectivamente a laicidade do ensino público se as religiões não se imiscuírem nesse universo, atropelando-se umas às outras e atropelando aqueles que não têm religião. Quanto ao problema da secularização da sociedade, a igualdade, independentemente da crença, só pode ser assegurada se não houver um benefício de determinada organização religiosa.

O arcebispo, citando o seu superior, João Paulo II, afirmou que «não pode haver liberdade religiosa se não houver liberdade de expressão e a possibilidade de comunicação do pensamento». Aqui há que dar razão ao prelado. No entanto, o Estado francês não impede ninguém de dizer o que pensa. De facto, qualquer direito fundamental admite determinadas restrições em nome da protecção de outro direito fundamental e é isso o que se passa: o direito ao uso de símbolos religiosos (que pode ser inserido no direito à livre expressão) é limitado em nome da defesa do princípio da laicidade.

4 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Perigo da religião na política

No rescaldo da vitória eleitoral de Bush (Diário as Beiras, 04-11-2004), o pio colunista Joaquim Cardoso Duarte (JCD) reincidiu numa homilia mansa, contra o laicismo, no artigo «A importância da religião na política». Importância ou perigo?

Ao regozijar-se por Bush e Kerry serem ambos crentes, assinala que «o grau de pertinência e de conformidade com a fé é claramente maior em G. Bush (…) nomeadamente (…) no aborto». Podia referir que outros americanos, cujo grau de pertinência e de conformidade com a fé é mais exuberante, não hesitam em matar médicos e enfermeiros que trabalham em clínicas que procedem a práticas abortivas.

A explicitação da fé, comum nos políticos americanos e que tanto satisfaz JCD, não contém Bush no entusiasmo pela pena de morte, no gosto por guerras preventivas, na complacência pela tortura nem no desprezo pelo direito internacional. O cristianismo ficaria melhor servido se ele calasse as suas convicções religiosas.

«Os americanos não têm vergonha nem preconceitos sobre a religião e essa é certamente uma das marcas da sua grandeza» – escreve JCD. Com este argumento teremos de concluir que a demência do fascismo islâmico pede meças, na sua grandeza, ao ar beato alardeado por Bush. Os muçulmanos têm ainda maior orgulho na religião e assassinam com mais fé. As religiões, que se odeiam entre si, não admitem o ateísmo. Por que razão Bertrand Russell foi impedido de leccionar nos EUA, onde as pessoas, ainda hoje, temem confessar-se ateias?

Liberdade religiosa é o direito de praticar qualquer religião ou de não praticar, de mudar de credo ou de prescindir dele. É esse o direito em França, que JCD abomina, e nas outras democracias.

Deixou-me perplexo a referência a «uma Europa que não deixava lugar para a expressão das suas convicções religiosas». Quando existiu essa Europa? Houve, isso sim, um tempo em que quis submeter todos à religião única e impor o Papa como chefe indiscutível. Com excepção do Vaticano há hoje algum Estado europeu sem liberdade religiosa?

O que parece incomodar JCD é o direito à heresia, à apostasia e ao ateísmo, sem que o braço secular submeta os réprobos ao conforto das masmorras e ao aconchego das fogueiras mas, por muito que lhe custe, nas democracias a excomunhão e a fatwa perderam valor jurídico e todos são livres de terem a religião que quiserem, de a abandonarem ou substituírem e de prescindirem de qualquer uma. Reside aí a base das sociedades laicas e tolerantes da União Europeia.

Apostila: Este texto foi enviado ao Diário as Beiras em resposta ao artigo referido.

4 de Novembro, 2004 jvasco

Parasitas da Religião

Será que os ateus precisam de estar sempre a falar da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR)? Da religião? Será que não são parasitas da religião, no sentido em que tanto daquilo que escrevem e dizem gira á volta dela?

A resposta às duas primeiras questões é negativa. A maioria dos ateus não quer saber da ICAR, não pensa no assunto, lembra-se que é ateu quando isso vem a propósito, mas vive a sua vida ignorando as questões religiosas. Por enquanto isso é possível nas sociedades ocidentais, que não sendo completamente laicas, são-no em comparação com as sociedades de outros países menos desenvolvidos.

Esse não é o nosso caso. Nós, naquilo que escrevemos, falamos bastante sobre religião. Isso é porque, além de ateus, somos críticos em relação aos abusos da religião, ao fundamentalismo, à promiscuidade entre as instituições religiosas e o Estado, à superstição em geral, aos ataques ao laicismo e à liberdade. A defesa do ateísmo por si encontra aqui um espaço que gosto de aproveitar. Mas a denúncia e crítica em relação às religiões tem neste blogue toda a pertinência, já que, não sendo um espaço religioso, elas podem fazer-se com toda a liberdade.

Tornar-nos-á essa atitude «parasitas da religião»? Parece-me que a própria pergunta é um disparate. Denunciar os abusos de uma instituição, referindo-a por consequência, reflecte um desejo de mudar a sociedade, e apenas isso. Quem combateu o nazismo era necessariamente um parasita do nazismo? Quem combate o crime, a fraude fiscal, a pobreza, é parasita destes males? Quem combate a ditadura ou a opressão, o racismo, o obscurantismo, será legitimamente considerado parasita da entidade que critica pelas vezes que a refere? Os ecologistas poderão ser considerados «parasitas da poluição» pelo facto de se preocuparem tanto com ela?

Eu não estou a comparar os abusos religiosos aos males referidos, se bem que em certas zonas do globo, e mesmo cá, em certas alturas da história, alguns deles sejam bem comparáveis. Nem sequer dedico à denúncia dos abusos religiosos o esforço que outros dedicaram a combater males mais graves. Mas a ideia de que o facto de alguém se preocupar negativamente com uma entidade significar que a pessoa é «dependente» dessa entidade é uma ideia patética, mas infelizmente comum.

Este Diário é lido por crentes, agnósticos e ateus. Parece-me que a forma mais saudável, da parte dos primeiros, de reagir às denúncias que fazemos, é acompanhar a nossa indignação e distanciar a sua crença dessa situação em concreto. Eu sou livre de discordar: de poder pensar que os abusos decorrem mais facilmente em instituições baseadas naquilo que considero ser superstições, do que noutras instituições com o mesmo poder e importância, com outras formas de controlo. Mas sei que se mais crentes reagissem dessa forma, certamente haveria menos abusos para denunciar. Alguns dos crentes que conheci pessoalmente, com quem tive oportunidade de conversar ocasionalmente, ou que nos visitam, reagem dessa forma que considero louvável. Outros não.

4 de Novembro, 2004 André Esteves

Os Fait-Divers religiosos dos Últimos Dias

Ghana: Milhares invadem igreja para ver «milagre da cara»

Alguém reparou que um padrão de cores nas rochas da parede de uma capela parecia uma cara. Milagre instantâneo!

A seguir: Milhares correm para ver o milagre das caras nas nuvens.

A Notícia

Profetas da Nigéria profetizam vitória de Kerry

Quebrando um ritual anual de profecias confusas e mal-cozinhados, profetas nigerianos previram claramente a vitória de Kerry nas eleições presidenciais americanas. Sem mais comentários.

A Notícia

Macacos Vampiros dos templos de Haruman atacaram 300 crianças

Os santuários hindus são um lugar onde certas espécies «descendentes» dos deuses podem viver sem serem perseguidas. No entanto, a sobrepopulação na Índia tem empurrado as populações de macacos para os templos, com o automático aumento da taxa da natalidade (ironia). Os macacos começaram agora a atacar os humanos que mais se assemelham com eles (crianças) por uma simples questão de territorialidade.

A Notícia

Como construir um frigorífico kosher?

Os pormenores técnicos de um frigorífico, fogão ou máquina certificada kosher (que agrada a Jeovah). Incluem um modo Sabbath, para respeitar o sábado. As subtilezas teológicas são deliciosas. A interpretação do conceito de acção indirecta parece-me no entanto um pouco desactualizada. Nunca terão ouvido falar na mecânica quântica e nas bases aleatórias da realidade? Poder-se-ia argumentar que não há acções directas, que só existem graças à nossa percepção. Logo, não haveria maneira de desagradar ao senhor. Daria uma discussão rabínica certamente.

A Notícia

Pastor de Igreja do Nazareno condenado a 80 anos de prisão por abuso sexual continuado

Mark Heilman, pastor de jovens na igreja do Nazareno de Niles foi condenado a 80 anos de prisão por violação e abuso continuado de uma familiar. Heilman acabou por revelar-se um manipulador excepcional conseguindo até enganar os testes psicológicos e colocar toda a igreja contra a sua familiar. Foi condenado porque tinha filmado as violações e escondido os vídeos num elaborado sistema de computadores e criptografia.

Segundo as palavras da vítima: «Não é muito cristão defenderem um pedófilo e um violador, independentemente do que ele fez pela vossa igreja»

A mentalidade de seita e tribo protestante no seu melhor…

A Notícia

Crianças no dia das bruxas recebem doces e propaganda gráfica anti-aborto

Em Smythville, EUA algumas crianças na ronda dos doces do dia das bruxas, tiveram uma surpresa desagradável. Doces embrulhados num saquinho com propaganda anti-aborto, incluindo imagens de um feto cortado aos bocados.

Sempre varia dos filmes de horror da época.

A Notícia

Homem atira-se para dentro de um covil de leões num esforço de evangelizá-los, seguindo as ordens do evangelho

Taiwan – Cumprindo a ordem de Jesus em Marcos 16:15 «E disse-lhes: Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura.», um crente saltou para dentro do recinto dos leões no Jardim Zoológico gritando aos leões: – Jesus irá vos salvar!!! Os leões não apreciaram a tentativa de evangelização e tentaram comer o missionário. O louco religioso, já ferido, foi salvo pelos funcionários do Zoo. Os funcionários do Zoo não esclareceram se os leões eram ateus, para ficarem tão zangados.

A Notícia

Adolescente apaixonado por padre, tem ciúmes de freira de 81 anos. Tenta envenená-la com detergente do chão.

Será uma nova tendência no clero americano? Depois do escândalo da pedofilia, seguirá o da gerontofilia? De qualquer maneira, isto poderia explicar tantas beatas nas igrejas. Encontro-me sem mais palavras.

A Notícia

4 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

À conquista da Nação

Depois da iniciativa «A Bíblia Manuscrita Jovem» (veja os textos de 21 e 23 de Março e o comunicado de imprensa da Associação República e Laicidade sobre o assunto), que ocupou 50.000 pessoas – professores, alunos e funcionários incluídos – de mais de duzentas escolas, na próxima sexta-feira, o projecto «A Bíblia Manuscrita» será alargado a todo o país.

A primeira actividade copista já tinha dado uma facada na laicidade do Estado ao ter como alta patrocinadora a senhora dona Mariana Cascais, então Secretária de Estado da Educação, ao instalar-se em escolas públicas (que não devem dar um tratamento de preferência a qualquer religião) e a ocupar tempo curricular de disciplinas que não são de Educação Religiosa. Agora, a gala de abertura da globalização da cópia bíblica será presidida pelo Presidente da República, que será o primeiro a manuscrever os duas ou três frases da Bíblia, devidamente acompanhado pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, o reitor da Universidade de Lisboa, José Barata Moura, e o presidente do Tribunal Constitucional, Artur Maurício. Estranhamente – e entrando no domínio obscuro das cabalas e das teorias da conspiração – a actual Ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, é irmã do padre Seabra Sinto-me sempre com urticária intelectual cada vez que vejo um representante do Estado Português e da magistratura, ambos laicos, em cerimónias exclusivamente religiosas e representantes da Igreja em cerimónias civis. É uma ofensa a todos nós, ateus ou não.

Antes da sessão de transcrição, será dado um concerto sob o nome de «Música e Escrituras», em que as receitas reverterão a favor da organização não-governamental de cooperação e desenvolvimento da Oikos. Daí, as verbas vão ser aplicadas a projectos de financiamento da auto-subsistência de famílias de Moçambique e do Peru. Assim, todos se podem sentir bem por já terem feito um pouco de caridadezinha.

3 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

História do Diário Ateísta

Em 29 de Julho de 2003 o Ricardo Pinho (RP) escreveu um texto a manifestar dúvidas, que partilhava com o Cachapa, sobre a bondade da ideia de um blog de ateus.

Escreveu então que «é fundamental que os blogs não sejam um espaço onde não se venham a escrever textos». Era a resposta ao entusiasmo do Aires, da Mariana e do Miguel Duarte que pretendiam partir para a nova aventura.

Em 20 de Novembro RP escreveu um texto com as regras de candidatura a «participante do blog». No dia 30 de Novembro o João Vasco anunciou a chegada dos ateus à blogosfera com este segundo e último texto do mês.

Em Dezembro, primeiro mês de experiência, a Mariana, o João Vasco, o Hugo Charneca e o Ricardo Pinho publicaram 17 textos e a foto do 1.º Encontro Nacional de Ateus. Daí para cá é conhecido o percurso.

Penso que podemos considerar o dia 30 de Novembro de 2003, anunciado então pelo João Vasco, como o 1.º dia do Diário Ateísta cujo 1.º aniversário e a respectiva comemoração se aproximam.

3 de Novembro, 2004 jvasco

Bush ganhou…

Havia duas opções: um católico para quem a sua fé era muito importante, e um metodista que acreditava seguir o plano que Deus tinha para si.

A diferença é que Kerry, o católico, não era fundamentalista religioso, não conquistou o poder à custa dos fundamentalistas religiosos, iria respeitar a separação de poderes, e seria o melhor caminho para que as leis dos EUA respeitassem uma constituição laica.

Bush, o metodista vencedor, é o líder ideal para que esta nação tão poderosa caminhe para o obscurantismo. Também é o líder ideal para promover o ódio e o fundamentalismo islâmico em várias nações e culturas.

Como cidadão do mundo, lamento o que se passou.