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Mês: Outubro 2004

28 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

O Imperador Constantino

O cristianismo nasceu para sustentar o poder totalitário do Imperador Constantino que, por oportunismo, o transformou em religião de Estado, um privilégio cuja nostalgia a ICAR não consegue disfarçar. Constantino deveu a unidade do seu Império ao cristianismo e este recebeu dele o poder que lhe permitiu a expansão e, quantas vezes, a destruição da concorrência. O concílio de Niceia foi convocado pelo próprio Imperador, depois da oportuna conversão, e aí fez aprovar dogmas que ainda hoje a ICAR explora.

Sabe-se que a conversão de Constantino foi uma farsa, pois nunca deixou de invocar o «Invencível Sol». Mas o que é a fé senão uma farsa que, à força de repetida, acaba por se acreditar nela?

Já quanto ao hábito de mandar supliciar e assassinar os seus inimigos políticos, hábito que manteve até à morte, pode ter-se tratado de uma genuína conversão ao cristianismo ou, pelo contrário, de uma prática própria que deixou como herança. De qualquer modo a ICAR, como reconhecimento, canonizou-o. Não foi o primeiro patife e, nos últimos tempos, o bando tem aumentado.

«… À vista destes factos, quais são as obras de Deus? Quais os seus homens? Quem manda ele para nos dirigir e resgatar? Inácio de Loiola, que ensinou à Humanidade a arte de sofrer e ser cadáver; Torquemada, que inaugurou a Inquisição da Espanha, encarcerando, degolando e queimando muitos milhares de cidadãos prestantes; Carlos 9º e Catarina de Médicis, que, em uma noite apenas, cobriram de sangue as ruas de Paris, matando e afogando cegamente o seu povo indefeso;»

«Tomás da Fonseca (Sermões da Montanha ‘extracto’)».

28 de Outubro, 2004 Ricardo Alves

A abolição dos juramentos religiosos

Decreto de 18 de Outubro de 1910


«O Governo Provisório da República Portuguesa faz saber que, em nome da República, se decretou, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1º É abolido o juramento com carácter religioso, qualquer que seja a sua fórmula.
Artigo 2º As pessoas que houverem de exercer acidental, temporária ou permanentemente quaisquer funções de carácter ou interesse público, para as quais se tem exigido até agora a prestação de juramento, somente são obrigadas e autorizadas a afirmar, empenhando a sua honra, que cumprirão com fidelidade as funções que lhes são conferidas.
Artigo 3º A fórmula desta afirmação será: Declaro pela minha honra que desempenharei fielmente as funções que me são confiadas.
Artigo 4º As testemunhas farão, antes do depoimento, a mesma declaração ao respectivo juiz, que poderá explicar-lhes, se o entender necessário, que ela as obriga a dizer a verdade e as sujeita, em caso de falta, às penas de testemunho falso.
(…)
Artigo 7º É dispensada toda e qualquer declaração aos estudantes que se matriculem em estabelecimentos de instrução.
Artigo 8º Em todos os casos não referidos neste diploma, em que as leis anteriores davam qualquer eficácia às afirmações sob juramento, este será substituído pela declaração sob palavra de honra.

(…)
Diário do Governo, nº12, 19/10/1910»
Quando um Estado laico faz um cidadão jurar, não pode obrigá-lo a afirmar uma fé, e avançando na laicização do Estado este decreto da República substituía os juramentos religiosos da monarquia por um compromisso de honra que não viola a consciência de ninguém (nem ateus, nem crentes). Anteriormente, era comum coagir cidadãos a fazer juramentos religiosos (a título de exemplo: para entrar na Universidade de Coimbra, era obrigatório jurar o dogma da «Imaculada Concepção de Maria»!). Abolir a coação religiosa e permitir que cada cidadão gozasse da sua liberdade de consciência foi considerado pela ICAR da época (e ainda o é hoje) uma «perseguição terrível feita ao catolicismo»…
28 de Outubro, 2004 André Esteves

Mais um antro-incômodo teológico…

Chega-nos a notícia da descoberta de um novo elemento da família homo. Foi baptizado de Homo Florinensis, com a alcunha de Hobbit. A criatura foi descoberta numa ilha das Flores do arquipélago Indonésio (é uma das ilhas na vizinhança de Timor Leste). Os esqueletos encontrados por arqueólogos australianos e indonésios, são em quase tudo idênticos aos humanos excepto num pequeno pormenor: medem cerca de um metro de altura.

Com eles foram descobertos ferramentas de pedra. A datação destes vestígios dá-lhes uma idade de 18.000 anos, ou seja 13.000 anos antes dos tempos históricos, o que em tempo geológico quase se pode dizer ser o presente. O tamanho que apresentam não é surpreendente em termos evolucionários. É conhecido o efeito de miniturização que se dá a muitas espécies que ficam retidas em ilhas. Nas ilhas da Indonésia por exemplo existiram elefantes miniatura. E a criação de raças miniatura de cavalos, porcos e cães por seleção de cruzamentos é um fenómeno conhecido.

As questões que esta descoberta levanta são brutais. Afinal, necessitamos de um cérebro grande para sermos inteligentes (há animais chamados de irracionais que têm um cérebro maior que o florinensis e o cérebro do chimpanzé têm o mesmo tamanho). Será que somos os únicos sobreviventes do ramo homo?? Haverá uma raiz comum entre o homo florinensis e as histórias quase universais de Fadas e Duendes? A linhagem humana terá realmente começado a evoluir a partir de África, ou antes por populações dispersas com troca de genes?

E para as religiões? Quais as consequências? É mais uma machadada na mundivivência que coloca os humanos como seres únicos e especiais criados e dependentes de uma entidade divina.

Ainda mais surpreendente é o folclore local. Segundo a história oral das tribos da ilha, os «Hobbits» estiveram em contacto com humanos até ao século passado…

Se calhar ainda sobrevivem nas selvas tropicais da parte leste da ilha!

Perante estes factos, somos obrigados a rever o peso das nossas hipóteses e da nossa concepção do mundo. Mas é isso o que diferencia uma vida baseada na ciência e não na religião.

Nós vivemos da mudança das concepções do nosso mundo.

Os outros não mudam, no máximo mudam as aparências…

BBC [Inglês]

The Guardian [Inglês]

Nature [Inglês]

BBC [Português]

28 de Outubro, 2004 Palmira Silva

Bad Religion

NoamGreg Graffin, que se doutorou em Biologia pela Universidade de Cornell com a tese de título sugestivo «Monism, Atheism & The Naturalist World View Perspectives From Evolutionary Biology», talvez seja mais conhecido como o vocalista da banda Bad Religion, uma das mais emblemáticas bandas punk dos Estados Unidos.

Uma banda que durante a primeira guerra do golfo colaborou com Tim Yohanon, Maximum Rock’ n’ Roll, no álbum de protesto, “New World Order: War #1” com Noam Chomsky, contribuindo duas músicas, Fertile Crescent e Heaven Is Falling.

A condenação da 2ª guerra do Iraque, dita preventiva, da administração Bush e o crescente e assustador papel da religião na política americana inspiraram o mais recente álbum da banda, The Empire Strikes First, com temas muito críticos como o que dá nome ao álbum e «Let them eat war».

Mas o meu favorito é, claro, «Atheist Peace»:



Maybe it’s too late for an intellectual debate,

but a residue of confusion remains.

Changing with the times,

and developmentally tortured minds

are the average citizen’s sources of pain.

Tell me what we’re fighting for?

I don’t remember anymore,

only temporary reprieve

And the world might cease

if we fail to tame the beast

from the faith that you release

comes an atheist peace.

Atheist peace.

Political forces rent

bitter cold winds of discontent

and the modern age emerged triumphantly.

But now it seems we’ve stalled

And it’s time to de-evolve

and relive the dark chapters of history

Tell me what we’re fighting for?

No progress ever came from war,

only a false sense of increase

and the world won’t wait

for the truth upon a plate

but we’re ready now to feast on an atheist peace.

Atheist peace

27 de Outubro, 2004 Palmira Silva

Era uma vez…

«Era uma vez uma cidadezinha francesa onde os moradores viviam em tranquilidade. Quem vivia nessa cidadezinha sabia o que se esperava de si, conhecia o seu lugar no esquema das coisas e, se por acaso se esquecesse, alguém lho lembraria. Assim, nos bons e nos maus momentos, na alegria e na tristeza, os moradores mantinham as suas tradições.»

Assim começa o delicioso filme Chocolate de Lass Hallström, uma adaptação do (mais substancial) romance de Joanne Harris. Um filme aparentemente inócuo e até insípido, não obstante o omnipresente tema do filme, aqui símbolo de tudo o que nos dá prazer e felicidade. De facto um filme metaforicamente muito inteligente, magistralmente interpretado por Juliette Binoche, um conseguido retrato da hipocrisia e do falso moralismo tão frequentemente alvos de críticas aqui neste blog. Simultaneamente uma lição de tolerância, pueril como o conto de fadas que tenta emular… realçado subtilmente pela excelente imagem de Roger Pratt e pela trilha sonora de Rachel Portman, que repete o feito alcançado em Regras da Vida (também dirigido por Hallström)!

A incluir no roteiro dos filmes recomendados pelo blog dos ateus. Dar-lhe-ia cinco estrelas não fora o final demasiado «e todos viveram felizes para sempre»…

27 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

Europa laica

O Parlamento Europeu, eleito directamente por sufrágio universal dos países que compõem a União, deu hoje uma prova de independência perante um pequeno Estado que não é democrático nem faz parte da União – o Vaticano. Ao recusar um talibã da ICAR, com ideias sobre a família e a homossexualidade comuns ao Vaticano e aos Estados muçulmanos, o Parlamento defendeu o seu carácter laico e a independência face às religiões.

José Manuel Barroso, depois de ter assinado em Portugal a Concordata (uma vergonha nacional amplamente apoiada na Assembleia da República), depois de ter perdido a referência religiosa na Constituição Europeia pela qual se bateu com o denodo com que os crentes pretendem salvar a alma, tentou até ao fim a manutenção do comissário Rocco Buttiglione, o Ai Jesus de João Paulo II e de Berlusconi.

Só depois de perceber que o Parlamento Europeu rejeitaria a equipa de 24 comissários, enquanto o legado pontifício para as questões da família a integrasse, Barroso recuou, adiando a votação para poder preparar uma nova comissão.

A intransigência de José Manuel Barroso (entrada de durão, saída de sendeiro) deixou-o mais frágil e a Europa perdeu com isso. A única coisa boa foi a derrota do Vaticano, que tinha investido na manutenção do seu homem de mão, a quem resta agora fazer um exame de consciência antes de elevar aos altares o mártir Rocco Buttiglione.

27 de Outubro, 2004 Ricardo Alves

Os católicos são uma minoria

Os clericais argumentam com frequência que os católicos serão uma maioria sociológica esmagadora em Portugal, e que portanto teremos que aceitar a Concordata e o seu tratamento privilegiado para as instituições e práticas católicas, a postura reverente e acrítica dos media perante a superstição, e até as limitações aos direitos individuais defendidas pela doutrina católica e propugnadas por ilustres políticos conservadores e pelos Césares das Neves e Mários Pintos da nossa imprensa. Acontece que este raciocínio é politicamente inaceitável e que se baseia numa premissa sociológica errada.

É uma questão de princípio que os direitos individuais, a promoção da ciência e do espírito crítico e a igualdade dos cidadãos estejam acima das maiorias conjunturais. Fazem parte dos princípios básicos que devem enformar uma República laica. Mesmo que a convicção católica fosse maioritária, tal não deveria implicar direitos diferentes para a ICAR ou a preponderância da sua doutrina.

Além disso, a importância do catolicismo no comportamento da população portuguesa anda muito exagerada. Efectivamente, 84% dos residentes em Portugal declararam-se católicos nos Censos de 2001. No entanto, dois dias antes do momento desse censo (científico e rigoroso) do INE, a ICAR procedeu a uma contagem de cabeças nas missas. Apesar de bem preparada (através de uma campanha que incluiu cartazes) e apesar de não haver grandes dúvidas de que, do padre de paróquia ao Policarpo, todos têm interesse em inflacionar os números, a ICAR não reclamou mais do que 1933677 católicos praticantes (18.7% da população total) e 1065036 comungantes (10.3% da população total). Conclui-se portanto que, no máximo, um português em cada cinco será católico praticante, e um em cada dez será comungante. Eu sempre ouvi dizer que não há católicos não praticantes. E que sem o ritual teofágico (quase) não há prova de crença…

Convém acrescentar que uma em cada quatro crianças nasce hoje fora do casamento, que dois casamentos em cada cinco são efectuados apenas pelo registo civil e que há um divórcio por cada dois casamentos. Segundo a doutrina da ICAR, só se pode ter relações sexuais dentro do «matrimónio» (já sem falar em ter filhos!) e o casamento é um compromisso perante «Deus» e para toda a vida. Conforme se vê, cada vez menos portugueses seguem estes preceitos da ICAR.
27 de Outubro, 2004 Palmira Silva

Direito ao contraditório

Diz o piedoso e temente a Deus Timóteo que o ateísmo é incompatível com a paz, a justiça e os direitos do homem já que estes são valores cristãos, acrescentando que qualquer ímpio que os defenda é necessariamente um crente inconsciente da benesse da fé.

Curiosamente não parece ser essa a opinião oficial da Igreja, inclusive a mais recente. Abordando neste primeiro post apenas os direitos humanos expresso desde já a minha preocupação pelo óbvio desvio dogmático apresentado pelo Timóteo. Temendo as consequências para a salvação da alma de tão ardoroso defensor e propagador da fé remeto-o aos ensinamentos da santa Igreja de Roma, alguns pronunciados com a inegável infalibilidade papal!

Dizia o Cardeal Renato Raffaele Martino aos 18 de Março de 2004 que «O itinerário histórico da tradição cristã dos direitos humanos não foi um itinerário pacífico.» Com este eufemismo quer o santo prelado referir-se às excomunhões sortidas dos seus proponentes, por exemplo, pela Bula In Eminente de Clemente XII, em 1738, 38 anos antes da Independência dos Estados Unidos e quando as ideias demoníacas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade começaram a infectar perigosamente a Europa.

«Com efeito, foram manifestadas por parte do Magistério da Igreja muitas reservas e condenações face ao afirmar-se dos direitos do homem após a Revolução francesa; mas estas reservas, repetidamente manifestadas por Pontífices, especialmente no século XIX, deviam-se ao facto de que tais direitos eram propostos e afirmados contra a liberdade da Igreja, numa perspectiva inspirada pelo liberalismo e pelo laicismo.» Este repetidamente devia de facto ser exaustiva e constantemente, nomeadamente pelo beato Pio IX, nas suas múltiplas encíclicas devotadas ao assunto, como as encíclicas Quanta Cura, Qui pluribus e Singulari quidem, o Syllabus errorum ou a alocução Maxima quidem, certamente desconhecidas pelo Timóteo.

Mas se quiser reflectir sobre infalibilidades mais actuais, relembro-lhe as palavras do Papa João Paulo II, que se queixou da «Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia», enaltecendo por oposição a união europeia de Carlos Magno já que «De facto a Europa, que não constituía uma unidade definitiva sob o ponto de vista geográfico, unicamente através da aceitação da fé cristã se tornou um continente, que ao longo dos séculos conseguiu difundir aqueles seus valores em quase todas as outras partes da terra, para o bem da humanidade», ou seja, exaltando os valores cristãos da Idade Média. Nos quais mesmo o mais ardoroso arroubo de fé consegue imaginar sequer uma caricatura de direitos humanos (para não falar em justiça e paz). O que seria expectável, já que o direito divino, o direito revelado nas sagradas Escrituras, nem uma única vez menciona quaisquer direitos dos execráveis homens (Cardeal Ratzinger dixit).

Ou seja, segundo a crítica de João Paulo II, a nova Carta Europeia assenta no ateísmo, decorrente da inexistência de sequer uma referência a Deus. Princípios ateístas que regeram todas as Declarações dos Direitos do Homem e congéneres, desde a Revolução Francesa (1789) até hoje, incluindo a da ONU (1948) bem como a da União Europeia actual. Portanto, a crítica de Sua Santidade atinge, implicitamente, todas as Declarações anteriores. Que concentram os «considerandos» na negação implícita da existência de Deus, Uno, Eterno e Triuno, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, conforme definido e resumido no primeiro artigo do Credo.

Assim, a Declaração dos Direitos do Homem e seus rebentos, seguindo os traços da sua antecessora de 1789, eliminando Deus, substituiu as virtudes teologais, a Fé, a Esperança e a Caridade, pelo ideal ateu da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Recordemos ainda que para um cristão a vida na Terra, manchada indelevelmente pelo pecado original, deve ser um «vale de lágrimas», como recitam os créus na Salve Rainha e a paz sinónimo da vontade de Deus tal como afirmada por Gregório Nazianzeno «A vontade de Deus é a nossa paz»! Isto é, a pretensão de estabelecer um paraíso na Terra, assegurando a paz, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, é uma heresia pelagiana alimentada no humanismo renascentista e no iluminismo ateísta, que pretende substituir Deus pelo homem!