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Mês: Setembro 2004

28 de Setembro, 2004 André Esteves

Amor cristão enterrado no Santo Sepulcro

Da terra santa chega-nos a notícia de que a igreja do Santo Sepulcro, onde 6 das «tradições» cristãs dividem o lugar de culto, foi cenário de uma enorme cena de pancadaria.

Não é a primeira vez, em anos recentes, que este género de situação tem aparecido. Há dois anos atrás, os coptas egípcios desataram à pancada com os ortodoxos etíopes por não concordaram com a posição de uma cadeira no tecto da basílica…

Os fiéis ortodoxos gregos que estavam a realizar uma procissão, ficaram possessos por uma porta da capela ter sido deixada aberta por uns irmãos franciscanos. As acusações e pancadaria começaram aí, necessitando, a partir de certo ponto, de ser chamada a polícia israelita, que acabou por parar o tumulto, sem deixar de também ser agredida. Foram presos quatro fiéis ortodoxos.

Segundo o testemunho de um guia turístico, Aviad Sar Shalom – « havia muita gente a levar porrada… A polícia levou porrada, os monges levaram porrada… Havia pessoas com as faces ensanguentadas »

Uma autêntica bebedeira de espírito santo.

Moral da história: continua a não se vislumbrar nenhuma diferença entre os fiéis cristãos no Santo Sepulcro e um bando de chimpanzés num lugar apertado.

A notícia [Inglês]

28 de Setembro, 2004 Ricardo Alves

A Concordata

A nova Concordata, que substituirá a Concordata salazarista de 1940, será submetida à aprovação da Assembleia da República no dia 30 de Setembro de 2004. A Associação República e Laicidade reafirma a sua oposição de princípio a esta ou qualquer outra Concordata, rejeição essa que se apoia nos fundamentos seguintes:

1) Se é verdade que pelos acordos de Latrão (celebrados com Mussolini, em 11 de Fevereiro de 1929) o Vaticano se passou a assumir como uma entidade independente do Estado italiano, e que, em termos internacionais, a Santa Sé se apresenta como uma entidade equiparada a um «Estado Soberano», na verdade essa entidade (o governo central, teocrático, da comunidade católica) não reúne de todo as condições -designadamente, de território e de população- para poder ser considerada equiparável a um «Estado» com o qual a República Portuguesa deva estabelecer «tratados internacionais».

2) Sendo a Constituição portuguesa suficiente para garantir o exercício pleno da liberdade de credo e de culto dos cidadãos, uma Concordata -a nova, tal como a velha- só faz sentido para, ao arrepio do princípio republicano e constitucional da igualdade dos cidadãos, estabelecer no espaço jurídico nacional um estatuto específico que confira um tratamento diferenciado favorável à comunidade católica. Efectivamente, uma Concordata, ao tomar a forma de um «tratado internacional», e só podendo portanto ser alterada com o consentimento mútuo de ambas as partes, retira ao controlo democrático os privilégios de tal comunidade -ao contrário do que acontece com as demais igrejas e comunidades religiosas, sujeitas a uma lei geral -a Lei da Liberdade Religiosa– revogável pelas instâncias democráticas.

A nova Concordata -negociada secretamente, recordemo-lo- repete, em alguns aspectos, a Lei da Liberdade Religiosa -uma Lei indesejável pois discrimina os cidadãos em função das suas crenças e hierarquiza as confissões religiosas-, mas contém alguns aspectos que destacam a Igreja Católica das confissões regidas pela Lei da Liberdade Religiosa, e que também por isso nos merecem particular preocupação:

1) O artigo 1º arrisca comprometer a República Portuguesa com a Igreja Católica na «promoção da dignidade da pessoa humana, da justiça e da paz», conceitos nos quais são conhecidas as divergências entre as concepções laicas e as de origem dogmática, enquanto o artigo 4º estende essa «cooperação» a organizações internacionais em que Portugal e a Santa Sé sejam partes, o que faz temer pressões para o alinhamento da nossa diplomacia por posições dogmáticas em questões como o planeamento familiar ou a bioética;

2) O artigo 7º garante a protecção estatal contra «o uso ilegítimo de práticas ou meios católicos», o que poderá implicar a intervenção do Estado nos conflitos internos da Igreja Católica ou, mais grave ainda, reinstaurar o «delito de blasfémia»;

3) O artigo 15º recomenda «aos cônjugues que contraírem o matrimónio canónico» que não se divorciem civilmente, enquanto o artigo 16º reconhece efeitos civis à nulidade canónica do casamento;

4) O artigo 19º garante o ensino da religião católica na escola pública, a expensas do Estado e sem a exigência de um número mínimo de alunos, quando a escola pública deveria limitar-se a transmitir conhecimentos e abster-se de difundir crenças;

5) O artigo 21º reconhece a «especificidade institucional» de uma universidade privada, a Universidade Católica, o que não acontecia na anterior Concordata;

6) O artigo 25º concede à Igreja Católica um direito de ingerência no planeamento territorial e urbano, em todo o território nacional;

7) O artigo 26º confere às instituições católicas um regime de isenções fiscais diferente daquele instituído para as comunidades religiosas regidas pela Lei da Liberdade Religiosa.

A Associação República e Laicidade reafirma que a Concordata é desnecessária (assim como a Lei da Liberdade Religiosa), que deve ser interpretada como não prevalecendo contra a Constituição, e que constitui um obstáculo à efectivação da desejável plena igualdade de todos os cidadãos e da necessária laicidade do Estado.

(Este texto constitui a posição da Associação República e Laicidade sobre a nova Concordata, e já foi enviado aos grupos parlamentares.)

28 de Setembro, 2004 jvasco

Na madeira…

Acabei de ler, no Público, a seguinte notícia:

O bispo do Funchal, Teodoro Faria, na homilia que proferiu domingo na inauguração da igreja dos Álamos, enalteceu o espírito criativo e construtivo do presidente do governo regional, elogiou a “política autonómica” e deu “graças a Deus” pelo apoio concedido para a construção daquele templo, o décimo quarto edificado na governação de Alberto João Jardim, apesar do decréscimo demográfico e da cada vez mais baixa participação dos fiéis madeirenses em actos litúrgicos.Também o pároco Manuel Luís destacou sua “visão do desenvolvimento global e harmonioso da região”.

[…]

Muito generosos têm sido os subsídios atribuídos à igreja católica nos anos de eleições regionais < 3,4 milhões em 1996 e quase nove milhões em 2000 < que ocupa a terceira posição (14,1 por cento do total) na tabela de subsídios que é liderada pelo desporto (30,3%), seguido pelos apoios extraordinários concedidos às câmaras (24,4%).
Apesar da quebra registada em 2003 para apenas 2,6 milhões de euros, este montante deve triplicar no corrente ano, também marcado por nova ida às urnas[…]

Queria comentar, mas a notícia fala por si…

27 de Setembro, 2004 jvasco

Não me interpretem mal

Não quero fazer campanha por ninguém.

Não quero, com este artigo, defender este ou aquele partido, nem este ou aquele candidato dentro de um partido.

Mas quando vi o teste (bússola) que o público fez aos diferentes candidatos à liderança do PS, achei que uma das secções tinha algum relevo para este blogue. Vou portanto reproduzir essa secção:

27 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

O erro de J. César das Neves

João César das Neves (JCN) regressou às homilias da segunda-feira, no Diário de Notícias. Deixa o Domingo para os padres, muito mais cépticos quanto à existência de Deus, e reserva o dia seguinte para a sua catequização. Que pecados o atormentam ou que misticismo o devora para se dedicar ao proselitismo e querer convencer os incréus da existência do seu Deus?

Que JCN acredite em Deus e na Senhora de Fátima, que exulte com as aparições e se exalte com os milagres, que se comova com o martírio do seu Deus e acredite na virtude da sua Igreja é um direito que encontra em mim um denodado defensor. Mas que queira converter os outros à sua fé, sujeitá-los aos humores do seu Deus, amarrá-los às imposições da sua Igreja, assustá-los com o Inferno, convencê-los das superstições e condená-los à moral importada da Cúria Romana, é um exagero que se desculpa num devoto mas um despautério que arrepia num universitário.

JCN amofinou-se com a afirmação do cientista António Damásio que considera as religiões criações dos homens. Já Dante, na Divina Comédia, quando os homens se queixaram aos deuses, com voz triste, por tê-los criado, pôs os deuses, com voz ainda mais triste, a responderem: «homens para que nos criastes»?

Para contestar o Prof. Damásio, JCN argumenta com o facto de metade da população mundial acreditar numa das três religiões do livro e, se lhe juntar os crentes das outras religiões, apenas 20% não são crentes. E conclui em êxtase místico: «Mostrar com toda a certeza científica, que 80% da Humanidade está errada seria um feito sublime na história do conhecimento». Nem se lembrou de que esse feito foi cometido por Galileu para quase 100% da Humanidade, embora com os dissabores conhecidos.

Tempos houve que mais de 80% acreditavam que o Sol girava à volta da Terra e que esta era plana. Estou de acordo com JCN que foi um feito sublime – e perigoso – provar (nestes casos com percentagem bem maior) que 80% da Humanidade estava errada. E era Deus quem revelava uma atroz ignorância.

Com o seu argumento JCN concluiu – e bem – que a ignorância é a melhor prova da existência de Deus, embora não fosse essa a sua piedosa intenção.

26 de Setembro, 2004 jvasco

1984



Imagem gentilmente cedida pelo Francisco Burnay, da lista de discussão

Ocorreu-me há minutos

Faz cerca de dois anos que li a excelente obra de George Orwell: 1984 – o livro que nos fala sobre o totalitarismo do regime do grande irmão (big brother), falando-nos sobre todos os totalitarismos e sobre toda a opressão.

Mas o livro não se limita a contar a história de um regime tão opressor e esmagador que vigia com câmaras e microfones omnipresentes os movimentos dos membros do partido que mantém o poder. O regime é descrito como implacável e cruel, mas a genialidade do livro (na minha opinião) não está aí.

A genialidade do livro está em descrever a força do regime: refazer a história, manipular a informação e a realidade e, num nível mais avançado, destruir a racionalidade, a lógica e a coerência do pensamento.

Creio que isto é muito verdade: uma sociedade de pessoas incoerentes, de pessoas que respondem apenas às emoções irreflectidas e estímulos do momento, é uma sociedade onde a propaganda pode controlá-las, onde a informação pode ser manipulada, e a realidade das pessoas pode ser “criada”.

Eu, além de me identificar com o ateísmo, identifico-me com o Racionalismo (que é um sistema ateísta). Como uma das grandes qualidades deste sistema, vejo essa: numa sociedade onde ele tem uma aceitação significativa, a ditadura e a opressão são muito mais difíceis, a propaganda é muito menos eficaz, a informação é mais séria a honesta, e a Democracia funciona melhor.

26 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR e os acidentes de trabalho

O padre católico de Alkemade (pequena aldeia a 30 km. de Haia) foi condenado em 1997 a um ano e meio de prisão por abuso sexual continuado de uma rapariga de 12 anos. A indemnização de 56.800 euros, reclamada pelos pais da vítima, que certamente recusaram o pagamento em indulgências, foi prontamente paga pela ICAR, para evitar um caso em tribunal e confiante de que a Companhia de Seguros Aegon, a ressarcisse da preciosa quantia, necessária à propagação da fé.

A Seguradora alega nunca ter sido sua intenção pagar indemnizações por semelhantes acidentes, mas tem contra si o facto de em 2001 ter redefinido as condições da apólice e excluído explicitamente o abuso sexual. Por sua vez a ICAR alega – e bem – que o contacto sexual indesejado ocorreu antes de 2001 e deve ser encarado como um «acidente de trabalho», pois teve lugar «durante o horário de trabalho» e «no local de trabalho».

Apostila 1 – A sentença sobre a responsabilidade da Companhia de Seguros no acidente de trabalho está prevista para Outubro.

Apostila 2 – O padre acidentado foi despedido pelo bispo de Roterdão e, após cumprir a pena, regressou discretamente ao ramo, sob os auspícios da fundação Hulp en Recht («Socorro e Justiça»), uma organização ligada à ICAR e que dá apoio às vítimas de abuso sexual cometido pelo clero católico.

Apostila 3 – Os antigos paroquianos ficaram estupefactos ao vê-lo na televisão, um ano após a saída da prisão, como acompanhante de coros religiosos do centro da Holanda.

Apostila 4 – Na sequência dos protestos, o padre foi proibido… de ir à televisão.

Fonte: Revista Única – Expresso n.º 1665 de 25-09-2004 pg. 18.

25 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

BBC de joelhos

A BBC cedeu a pressões da ICAR e decidiu não emitir uma série de desenhos animados que caricaturava o Papa João Paulo II.

O programa intitulado «Popetown» (Cidade do Papa) tinha sido adoptado pela BBC3, apesar da grande oposição dos bispos católicos.

«Decidimos não transmitir o programa depois de muitas considerações e consultas e de comparar o rasgo criativo com a possibilidade de ofender parte da audiência», afirmou o responsável pelo canal, Stuart Murphy.

O arcebispo de Westminster, cardeal Cormack Murphy-O’Connor, confirmou que tratou do assunto com a BBC e manifestou a sua satisfação pela retirada dos desenhos animados, dizendo estar muito contente que «tenham prestado atenção à inquietude dos católicos» e aos seus desejos sobre o projecto.

É sempre um bom sinal de tolerância e de abertura de espírito ver séries que satirizam determinadas instituições, mormente a Igreja Católica, retiradas do ar por uma cadeia de televisão que se orgulha de ser imparcial e de não ceder a pressões.