Casamentos Portugueses
Confesso-vos que não sou um grande amante de casamentos. Pessoalmente acho-os puro exibicionismo. Os casamentos católicos são insuportáveis, mas os protestantes conseguem às vezes ser muito piores.
Ainda me lembro de há uns anos ter ido a casamentos de amigos e conhecidos (creio que todas as gerações passam por uma vaga de casamentos quando se chega aos 30 anos) e saiu-me cá uma rifa!
Num deles o noivo pegou na guitarra e juntamente com a noiva começam a cantar: «Jesus Cristo é amor e quer entrar no teu coração» (ou qualquer coisa do género – quem conhece o ambiente, já tem imunidade), seguido com teatro de rua, com pantominas, a exemplificar o que é uma vida sem Cristo. Noutro o casal de noivos, juntamente com a família, deram testemunho de Jesus Cristo durante uma hora, com citações bíblicas e a oratória da praxe, tendo eu ficado chocado com a mudança de personalidade na noiva (minha conhecida desde a infância) no papel de mulher submissa. O marido, esse tinha-se convertido há seis meses, mas já se comportava como um «ancião» da igreja.
O último dessa enxurrada de casamentos, foi o pior. Os noivos, crentes sofisticados, mas de duas denominações protestantes diferentes, resolveram convidar para pastor da sua cerimónia, um «missionário» de jovens, do acampamento interdenominacional onde se tinham conhecido.
O problema é que o ambiente controlado de estufa dos acampamentos de verão confunde a avaliação das pessoas. Cria-se um ambiente de tal fraternidade, que as pessoas são todas bonitas. (Faz parte do esquema de conversão e dedicação. Tecnicamente é lavagem cerebral, mas é legal e chamam-lhe Espírito Santo.)
Bem. O pastor (que afinal não era pastor) começou por falar na submissão da mulher ao marido, do papel do homem à cabeça da igreja, dos homossexuais que estavam a destruir o mundo, das mentiras da evolução e da ciência, da vinda próxima de Cristo e do cataclismo que a todos nós nos esperava.
Concluiu, da forma habitual, com o mandamento de Paulo para fingirmos que não ia acontecer nada. Os coitados dos noivos estremeciam com a carta que tinha saído do baralho.
Em vez do seu casamento, tinha-lhes saído uma pregação quiliasta de mais um missionário itinerante.
E eu, fumegava lá no fundo da tenda, ao ouvir o chorrilho de barbaridades e manipulação descarada.
O semi-pastor tinha estado um ano no EUA e, claro, como é habitual, tinha bebido as palavras dos seus congéneres americanos até ao fundo da taça de veneno fundamentalista. Os grupos protestantes portugueses vivem no complexo de «que se faz melhor lá fora», porque habitualmente têm ligações preferenciais com missionários de certos países. Por exemplo, os metodistas com os ingleses, os baptistas com os americanos da Convenção Baptista do Sul, os luteranos com os alemães, os pentecostais com os americanos da Bible Belt… etc, etc. E aquele, tinha vindo para ali, usar o casamento dos noivos, como púlpito de reverberação. Depois, durante a boda, viu-se a cena burlesca, dos noivos a receber as prendas dos convivas (de cesto no braço, como é moda nos dias que correm) e o quase-pastor a correr à frente em antecipação a pedir donativos para o seu «trabalho missionário».
Os casamentos católicos, esses, cheiram a velas. As igrejas são frias, as pessoas parecem-me sempre prepotentes e pomposas. Mas o que mais me irrita são os clichés de vida.
É o curso de preparação para o casamento em que 9 em 10 noivas já estão grávidas. O comentário habitual das mulheres casadas pelo matrimónio católico, que os padres são todos uns porcos, mas o que me casou era um padre excepcional, muito humano! Até contava piadas! São as festas em que tudo e todos têm que ser convidados. As listas intermináveis de prendas para o casamento. O padre que no sermão do casamento, insinua sempre sobre a cor do fato da noiva e da flor de laranjeira, bem como exclama: Já não vos via há muito tempo! Os pais que obrigam a casar pela igreja e que tratam os filhos como um poodle amestrado que vai ganhar um concurso de raças para gáudio da aldeia e da paróquia. A mesquinhice dos noivos… É o carro , a casa, a batedeira eléctrica e os lençóis de linho! (Nunca chegando a dormir neles, nem a cozinhar com a batedeira eléctrica).
Chega-se a pontos ridículos: Numa aldeia do interior, descobri uma rapariga que se casou pela igreja umas três vezes (como o conseguiu não o percebi), depois de divórcios sucessivos. Quando questionada porque o fazia, respondeu: – É uma cerimónia tão bonita! – e em cada um dos casamentos, exigiu longuíssimas listas de prendas.
E depois há os padres da moda. Ainda há uns dias, apareceu nas notícias, tanto da SIC, com na TVI (já repararam como há uns meses, ambas andam a servir de amplificador da ICAR com os mesmos temas e peças?), a notícia sobre um padre casamenteiro. Que os seus noivos nunca se tinham separado, e que chegava a haver lista de espera para os casamentos, com noivos do Brasil. Toda a peça alimentando a ideia supersticiosa de que casando com aquele padre, se garantia a felicidade conjugal. Fazendo o padre visitas de médico, a todos os «seus casados» para assegurar que tudo corre bem. Que duas pessoas se casem e precisem de uma terceira para comunicar entre si, é para mim um facto estranho. Mas que raio de intimidade e confiança tem essa gente?!.
Com tudo isto, ponho em contraste a minha própria experiência.
Vivi com a minha companheira durante cinco anos, sem sequer pensarmos em casamento. Construímos uma vida e confiança comum. Até ao dia que descobrimos que éramos cidadãos de segunda.
Uma noite a minha mulher sentiu-se muito mal. Resolvemos ir ao hospital. À entrada na urgência, o segurança pergunta qual era a nossa relação. Eu sabendo de antemão, o que se passava, respondi: – Marido. A minha mulher, doente, respondeu: – Companheiro. Proibiram-me de acompanhar a minha companheira, por não ser «marido». Obrigaram-me a ficar na entrada, enquanto a minha mulher foi levada numa cadeira de rodas a chamar desesperada por mim. Pelo facto de não estarmos oficialmente casados, não podíamos, oficialmente, tomar responsabilidade um pelo outro.
Acabei por entrar contra a vontade dos seguranças e sentar-me, imobilizando-me à cadeira de rodas onde estava a minha mulher.
Foi assim que resolvemos casar pelo civil.
Para nós, o casamento não passava de uma mera formalidade. Papelada.
Para o resto de Portugal, não parecia ser assim.
Para acelerar o processo, declaramos que vivíamos na residência familiar da minha mulher (senão tínhamos que esperar pelo menos um mês que a conservatória da minha área de residência se mexesse). São publicados os banhos.
E eis que coitada da minha sogra passou a ter a caixa de correio atulhada com dezenas – não! centenas – de propostas para fotografar e filmar o casamento. Tudo sem pagar impostos, chegando a prometerem arranjar as capelas mais bonitas. O desplante chegava ao ponto, de se oferecerem fotografias de outros casamentos, como amostra, com a noiva a levantar-se de manhã e vestir-se para o casamento!
As famílias queriam organizar festas e juntar famílias e não-sei-que-mais…
Recusamo-nos.
Só no dia antes do cartório é que dissemos: quem quiser vir que venha.
E foi assim…
A rir, sem alianças, com toda a gente a sorrir.
Quem quis tirar fotografias levou máquina fotográfica. Paguei um cimbalino a todos os presentes. O meu irmão ainda diz que nunca viu um casamento tão bonito.
A conservadora, toda católica, com o terço em cima da secretária, é que estranhou aquela gente tão esquisita… Mas parecia ter ficado contente, éramos o vigésimo quinto casamento naquele ano no cartório. Já tinha havido 187 divórcios.