Fundamentalismos
Um post do Boss no Renas e Veados alertou-me para a extensão do campo de acção dos auto designados grupos pró-vida (humana, claro) americanos à trivial pílula contraceptiva. Com o pretexto de que a pílula tem uma eficiência de 70% na inibição da ovulação e impede a implantação no útero de um possível óvulo fertilizado, farmacêuticos e médicos fundamentalistas recusam-se a fornecer ou prescrever o atentado às leis divinas do “crescei e multiplicai-vos” ao abrigo de recentes leis estaduais, que o permitem por razões morais.
Um dos principais sinais históricos que encontramos invariavelmente em épocas de crise é a adesão de pessoas a vertentes (religiosas ou políticas) que se caracterizam por um radicalismo extremo e uma inflacção do sentimento de pertença a um grupo que assuma o papel de protector e detentor da VERDADE ou MORAL absolutas. Um maniqueísmo exacerbado dos nós (os bons) e dos outros (os maus), do Bem contra o Mal.
Não subscrevo a tese do choque civilizacional de Samuel Huntington (que previa há uma década que este seria inevitável no pós guerra fria), mas acho que de facto o maniqueísmo ou lógica bipolar existente antes da queda do muro era um elemento aglutinador que prevenia a eclosão dos conflitos regionais a que agora assistimos e o ressurgimento dos fundamentalismos religiosos, a praga anacrónica do século XXI.
De certa forma, o vazio emocional que a queda do muro proporcionou, e que destruiu um meme ideológico e, por arrastamento, todos os memes ideológicos que se construiram por oposição, foi rapidamente ocupado pelo memeplexo sempre subliminar da religião
No caso da religião católica a resposta (muito rápida) foi um negar crescente do concílio Vaticano II. Procura-se agora restaurar a antiga ordem, fundada no casamento (incestuoso) do poder político com o poder clerical. Com uma integração de todos os elementos da sociedade sob a hegemonia do espiritual representado, interpretado e proposto pela Igreja Católica (mais uma vez com o seu expoente máximo no Papa, não mais um primum inter pares). O inimigo a combater é a modernidade, com as suas liberdades e o seu laicismo.
Este é apenas mais um caso recente em que a laicidade, neste caso no Direito, é ameaçado por fundamentalistas religiosos. Que só vem reforçar o meu post anterior…