Resposta ao depoimento de Isabel do Carmo a «A Capital»
A reportagem que «A Capital» dedicou em 5 de Setembro, Domingo, aos 2.º Encontro Nacional de Ateus, ocorrido na véspera, generosa na extensão, pg. 20 e 21, reflecte o ponto de vista da jornalista Susana Dutra, legítimo, mas eivado de preconceitos, na minha opinião de participante e activista.
Como os pontos de vista são isso mesmo, diferentes opiniões sobre o mesmo assunto, abstenho-me de comentários à peça jornalística que, não subscrevendo, apreciei e respeito.
Os entrevistados para comentarem o Encontro de Ateus, Maria Teresa Horta, Francisco Louçã e Isabel do Carmo, figuras públicas, têm em comum o distanciamento das religiões, assumindo-se o dois primeiros como ateus e Isabel do Carmo (IC) como agnóstica. Só as declarações de Isabel do Carmo justificam comentários.
Tendo estima e consideração pessoal pela ilustre médica endocrinologista, professora, escritora e cidadã empenhada, que conheço bem, surpreenderam-me as afirmações de quem, poupada ao baptismo, não se livrou do conhecimento de «um padre tenebroso» nem das pressões que sofreu no liceu, o que parece ter esquecido.
Começou por declarar: «Considero que a questão de as pessoas serem religiosas ou ateias está ultrapassada. Acho mais lógico e moderno a criação de grupos laicos ou agnósticos».
1 — Se está ultrapassada a questão de as pessoas serem religiosas, como justifica que, em todo o mundo, tantas se reclamem ainda de uma qualquer religião? Confundiu o desejo, que também partilho, com a realidade, substancialmente diferente.
2 — Se considera igualmente ultrapassado as pessoas serem ateias, quem pensa que deva opor-se à crescente influência da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), manifestada na Concordata, que ameaça transformar Portugal num protectorado do Vaticano? Quem combaterá a influência das diversas religiões nos aparelhos de Estado, desde o fascismo islâmico do mundo árabe, que não abdica da teocracia, ao radicalismo metodista que inspira o presidente Bush, até ao judaísmo ortodoxo que sabota a paz entre Israel e a Palestina? Como médica, Isabel do Carmo sabe do progressivo domínio das comissões de ética hospitalares pela ICAR, com crescente influência da Opus Dei. Quem defende a igualdade entre os que crêem, os que não crêem e os que querem mudar de crença? A neutralidade absoluta do Estado, em matéria religiosa, é o a única vacina contra o carácter totalitário das religiões e a única garantia de liberdade religiosa efectiva e a consciência ateísta de alguns cidadãos está na vanguarda do combate por esse imperativo cívico. O ateísmo só estará ultrapassado quando a fé for erradicada, o que está longe de acontecer.
3 – Não percebo a lógica nem a modernidade da criação de grupos laicos ou agnósticos:
a) No primeiro caso, porque laicos somos todos, com excepção dos eclesiásticos. Até há grupos laicos para o ensino da catequese e, certamente, Isabel do Carmo, que me conhece, não faria a ofensa de me julgar num grupo desses.
b) Quanto aos agnósticos, têm reduzido interesse associativo porque negam a possibilidade do conhecimento de Deus e pautam-se, a esse respeito, pelo desinteresse.
Resumindo, há, em relação a Deus, três posições: uns, acreditam e são devotos; outros, são indiferentes e limitam-se a opinar sobre o que julgam moderno; finalmente, há quem negue Deus e, sobretudo, não aceite que o Estado seja o veículo para a sua difusão.
Pertenço orgulhosamente a estes últimos, apesar dos «padres tenebrosos» e das «muitas pressões» que, como Isabel do Carmo, acabei por conhecer ao longo da vida.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
- Ponte Europa http://ponteeuropa.blogspot.com/
- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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