Loading

Mês: Agosto 2004

7 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A festa de Santa Filomena. Crónica piedosa

No início da década de sessenta um brasileiro bem sucedido voltou ao Cume* para rever amigos e embasbacar os autóctones com o sucesso. Trouxe presentes, distribuiu pentes e rebuçados, lançados aos garotos à rebatina e, à igreja, ofereceu um guião e dois pendões que mandou vir do Porto, uns paramentos a estrear e dinheiro suficiente para a festa de Santa Filomena.

A bem-aventurada tinha provas dadas na cura de animais, designadamente ovelhas, que a gripe dizimava e estropiava no inverno e, quanto maior a desgraça, mais crescia o pasmo pelas que escapavam e maior era a devoção. Tinha sido o caso, nesse ano, por causa das chuvas e dos sempre insondáveis desígnios divinos. Era a primeira homenagem pública, a augurar o início de uma tradição e de um amparo ainda maior. A festa há muito que a merecia a santa, mas os proventos da arrematação dos pés e orelhas de porco, de duas ou três dúzias de ovos e de alguns enchidos provenientes do pagamento de promessas, mal chegavam para lhe pagar a missa e comprar algum adorno.

Valera a generosidade do brasileiro que pôs os paroquianos em excitação, com recados enviados a parentes e amigos e data da festa anunciada.

Com farinha peneirada, ovos guardados e açúcar comprado, apalavrada a banda da Parada e encomendado o foguetório no Porto da Carne, a uma semana da festa, veio o pároco anunciar, durante a missa, que Sua Santidade tinha declarado falsa a santa, sacrílega a devoção e, assim, era impossível a festa. Manifestou tristeza suficiente, por solidariedade para com os paroquianos, que da decisão papal não cabia recurso. Ainda propôs outro santo, com certificado de garantia, de sexo diferente e idêntica virtude, para a substituir nos festejos. Deixou à reflexão dos paroquianos. E do brasileiro, subentendia-se. Qual quê? Goradas as expectativas, enxovalhada a crença, arruinadas as orações cuja permuta de intenções não admitia retroactividade, só restava um vago ressentimento e uma sensação de injustiça e impotência.

O brasileiro a quem a generosidade assegurara lugar cativo na primeira fila da igreja ficou lívido, primeiro, a vacilar na fé e nas pernas, ressentido depois e a remoer vingança.

Impediu-o o medo do Inferno e a inutilidade de demandar o papa de exigir a devolução do óbolo, ficando-se pela desolação e algumas obscenidades com sotaque, enquanto os paroquianos se dividiram entre o brasileiro e os sacramentos, a devoção e o padre, o papa e a santa, acabando por regressar ao redil e à fé dirigida de Roma. Apenas o brasileiro, por brio, passou a frequentar a missa em Vila Fernando, com outro padre, no tempo em que ainda se demorou. Manteve a devoção mas trocou de corretor.

Ninguém percebeu porque se demitiu do altar uma santa que lograra prestígio igual ao de santa Bárbara a amainar trovoadas e maior que o de S. Sebastião que, para além de mártir, não se lhe conhecia na paróquia outro feito que o recomendasse, não desfazendo, é claro, na seta que o trespassava em perpétuo sofrimento. Era difícil rezar a santos que não faziam milagres quando se apeava quem os fazia.

Creio que ao medo do castigo divino e à falta de alternativas se ficou a dever a persistência na fé, posta em causa de forma demolidora por motivos insuficientemente explicados e com despesas já feitas.

Não estralejaram foguetes, não se ouviram os acordes da banda, não se provaram as guloseimas. A imagem, ferida na estimação e na virtude, foi parar à sacristia, por decreto, condenada à solidão e ao esquecimento, à espera de que algumas gerações de crentes se finassem para reaparecer, quem sabe, com outro nome e renovados poderes. Assim a fé e a sociedade o consintam ainda. Os mordomos ficaram designados para as próximas festividades conservando o prestígio e as prerrogativas.

A santa e o brasileiro nunca foram ressarcidos da desgraça.

* aldeia do concelho da Guarda a cerca de 10 km.

5 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Começaram as festas religiosas

O mês de Agosto é fértil em procissões, missas, arraiais e sermões. Os emigrantes regressam às origens e agradecem às santas da sua devoção, às vezes, o simples facto de terem sobrevivido à viagem de automóvel.

Foguetes, música e vinho acompanham a devoção e promovem o turismo religioso. A concorrência entre santas é grande mas não faltam devotos para animar a tradição, passear os andores e pagar promessas. Ás vezes o único milagre é o incêndio ateado pelos foguetes.

No Portugal rural, em vias de extinção, as santas que jazem esquecidas nas peanhas um ano inteiro, saem nesta época ao som da banda, acompanhadas de anjinhos, ave-marias e foguetes. As mais prestigiadas levam bombeiros, cavalos e soldados da GNR.

Há santas em todas os lugares. E todas gostam que lhes façam festas no sítio.

3 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A «Canção Nova» vai ser codificada

Fui informado de que o piedoso canal «Canção Nova», uma estação de devoção católica com sotaque brasileiro, vai ser alvo de codificação a partir de Outubro próximo. É uma injustiça para as pessoas que exultam com a missa, se comovem com a palavra de Jesus e se divertem com as orações. Após as férias, quem quiser uma dose suplementar de religião ao domicílio, paga-a.

Já tinha acontecido o mesmo ao célebre canal 18, de nada valendo as reclamações dos telespectadores. Esperemos que, desta vez, não haja protestos, para evitar decepções.

Apostila – Estou certo de que os ateus, pelo seu espírito de tolerância, nunca se queixaram dos conteúdos fraudulentos da «Canção Nova» nem da influência eventualmente deletéria nas crianças.

3 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A ICAR e o aborto

O secretariado Nacional das Comunicações Sociais (SNCS) da ICAR ameaça promover no próximo mês de Setembro uma Jornadas de reflexão sobre o tema «Dignidade da Vida Humana: Uma visão Global», eufemismo com que disfarça a campanha contra a despenalização do aborto.

Esta ofensiva vem na sequência da Nota Pastoral publicada em Março pela Conferência Episcopal Portuguesa e insere-se na luta ressabiada contra a lei civil que descriminalize o aborto, um tema recorrente dos celibatários que gerem os negócios da ICAR.

A lei vigente persegue as mulheres, devassa-lhes a intimidade, põe-lhes em risco a vida e a liberdade, mas a ICAR desenvolve uma agressiva operação de intimidação e chantagem para manter a iniquidade. Nem os casos vergonhosos dos julgamentos da Maia, Aveiro e Setúbal aquietaram o exército de sotainas, que não desiste de impor os seus preconceitos a toda a clientela e à sociedade em geral.

«Promover a vida é, para a Igreja, uma missão», esclarece a Nota Pastoral, sem explicar a contradição com a promoção da castidade.

Quanto à procuração divina, de que a ICAR se reclama, nunca exibiu o documento comprovativo.

2 de Agosto, 2004 André Esteves

Problemas genéticos no dogma mormon

Um dos dogmas base do livro dos Mormons, é de que as tribos que ocupavam a América do Norte eram descendentes das tribos hebraicas. Deus ter-lhes-ia dado aquela terra. Mais tarde até Cristo ressuscitado os teria visitado.

Claro que a análise textual demonstra que Joseph Smith teria simplesmente utilizado a versão inglesa da King James Bible, e não obtido qualquer inspiração divina para «traduzir» as tábuas de ouro com o texto original. Uma análise textual é sempre uma análise subjectiva e claro que os obrigatórios comentários das maravilhas da fé e do poder do espírito santo, contrariamente aos espíritos malignos e conspiradores dos académicos envolvidos foram reclamados pelos anciões de Salt Lake City.

O problema é que o livro dos mormons faz afirmações objectivas. E a suposta ascendência hebraica das tribos índias da América do Norte é taxativa no livro dos mormons.

Ora, se a fé dos santos dos últimos dias fosse verdadeira, os genes dos índios deveriam indicar a sua clara ligação à tribo de Israel.

Utilizando certas partes do genoma humano, ligadas às características étnicas podemos seguir as ligações de indivíduos a um grupo e das relações entre os grupos de populações. Por exemplo, os tipos de sangue predominantes, os elementos identificativos na superfície das células do nosso corpo perante o sistema imunitário, etc. Analisando a taxa de mutações nessas áreas do genoma podemos reconstruir o passado genético das populações.

Ora pelo estudo genómico, os índios americanos descendem da população asiática original. Algures no seu passado genético, tiveram antepassados que resolveram atravessar o estreito de Bering, a seu custo, em vez de judeus perdidos depositados numa terra prometida, pelas mãos do deus de Israel.

Claro que o Mormonismo não desaparecerá. Qualquer grupo têm a sua inércia reprodutiva e social interna. Os livros de Mormon serão reinterpretados. A interpretação literal desaparecerá.

Onde é que já vimos isto?

Será que os seres humanos não aprendem nunca?

2 de Agosto, 2004 André Esteves

Um Santo Truca-Truca

Um cena bizarra brindou os transeuntes do aeroporto internacional do Malawi.

Uma carrinha, com estores baixados, estacionada no parque de estacionamento do aeroporto parecia ter vida própria, abanando e oscilando como que possuída por um espírito maligno.

Chamada a polícia, esta procedeu à averiguação da situação.

Tossindo e batendo na carrinha, o agente da autoridade pediu aos ocupantes da viatura que se identificassem. Obedientes, os ocupantes identificaram-se enquanto vestiam os seus hábitos…

Um padre e uma freira no santo truca-truca.

O caso foi a tribunal por indecência na via pública. Os arguidos foram condenados a 6 meses de prisão com trabalhos forçados, mas com a sentença comutada por terem mostrado arrependimento…

A freira afirmou, publicamente, que tinha tido um lapso de mau julgamento. O padre afirmou que reconhecia ter caído na tentação do demónio.

Porque é que os machos atiram sempre as culpas para os outros?

A notícia do fait divers [Em inglês]

2 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

Meia década a servir ateus

Em comemoração de meia década de funcionamento, o Ateísmo.net, aderiu às tendências e fez uma plástica. Para além do novo visual, os leitores poderão contibuir com as suas notícias e críticas literárias.

Espero que gostem!

1 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Violência religiosa no Iraque

Pela primeira vez, após a invasão dos EUA, verificou-se neste primeiro domingo de Agosto uma onda de ataques a templos cristãos.

Carros armadilhados explodiram junto de igrejas católicas de Bagdade e Mossul, durante os actos de culto, produzindo pelo menos 14 mortos e vários feridos.

Os crimes perpetrados por bandos de fanáticos muçulmanos merecem o maior repúdio e a mais firme das condenações.

Os ateus, ao manifestarem a sua indignação pelos assassínios, solidarizam-se com as vítimas indefesas que praticavam a sua religião, um direito que as tropas ocupantes tinham obrigação de garantir.

O ateísmo não compreende o ódio que os fanáticos de um deus desenvolvem pelos crentes de um deus concorrente e exigem que o direito de praticar qualquer culto e o de não praticar, sejam defendidas pelo Estado na mais absoluta neutralidade perante a concorrência religiosa.

A ICAR, apesar da benevolência com que tradicionalmente encara as atrocidades perpetradas por católicos contra crentes de outras religiões reagiu com a firmeza que a caracteriza quando as vítimas são católicas.

“É terrível e preocupante porque é a primeira vez que igrejas católicas estão a ser atingidas no Iraque (…) parece estar a haver uma tentativa de intensificar as tensões procurando afectar todos os grupos sociais, incluindo igrejas” – declarou o porta-voz do Vaticano, segundo a SIC online.

A religião é uma epidemia que produz numerosas mortes e profundo sofrimento.

1 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Mais um milagre nacional

Com grande celeridade, capaz de fazer inveja ao sistema judicial português, seguiu para o Tribunal eclesiástico o milagre que a diocese de Leiria e o Vaticano tinham combinado para elevar a santos os pastorinhos de Fátima, Francisco e Jacinta.

O milagre com que se iniciaram no ramo, e que lhes valeu a beatificação, foi obrado na pessoa da D. Emília dos Santos, uma entrevada que começou a andar depois de lhes meter uma cunha com uma oração. Que isto foi verdade confirmaram-no três médicos de Leiria – o Dr. Felizardo Prezado dos Santos, a esposa e a filha de ambos. Como é que o Vaticano podia duvidar de três médicos tão devotos? A D. Emília morreu pouco depois, completamente curada.

Agora os pastorinhos mudaram de ramo. Viraram-se para a área da endocrinologia e curaram um rapaz de quatro anos, filho de pais portugueses emigrados na Suíça, o que torna o milagre ainda mais difícil por ser feito para o estrangeiro, com a dificuldade suplementar de a Suíça não pertencer à comunidade europeia. A criança curou-se de uma doença incurável – diabetes mellitus I.

O padre Kondor, um húngaro naturalizado português, entusiasta de Fátima e promotor dos milagres, explicou que os pais já tinham tentado o milagre junto à campa dos pastorinhos, mas que essa tentativa falhou. Finalmente, quando o Papa beatificou os videntes, «a mãe estava em casa, na Suiça, com a criança em frente da televisão que transmitia em directo a cerimónia de Fátima e pediu de novo».

D. Serafim, responsável pelo bazar dos milagres de Fátima, afirma-se disponível para constituir o tribunal eclesiástico para julgar o processo. O povo português reza para que o bispo da diocese onde reside o menino miraculado não estrague o milagre. O padre Kondor diz que ignora a posição desse bispo, para estimular a ansiedade entre os crentes.

Apostila – A Irmã Lúcia está impedida de patrocinar o milagre por se encontrar viva.