31 de Agosto, 2004 André Esteves
Obrigado
Pedimos as vossas sugestões e críticas.
A todos, obrigado.
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A todos, obrigado.
Após algumas tentativas,em finais de 2003, à experiência, o Diário de uns Ateus começou o ano de 2004 com um dinamismo estimulante.
Em 31 de Agosto verificamos que ocupa o 42.º lugar em média de visitas e o 28.º em média diária de páginas visitadas, aguentando bem o período de férias.
Agradecemos afectuosamente aos numerosos amigos que nos visitam e, muito particularmente, ao devotos que nos abominam.
É com enorme satisfação que assistimos à derrota de Deus.
D. Jacinto Botelho, bispo de Lamego e presidente da Comissão Episcopal da Família, sobre o «barco do aborto», afirmou que «o problema fundamental não é o barco mas o aborto» demonstrando uma grande capacidade para captar os problemas da sociedade.
Não se ficando por esta constatação óbvia, o bispo disse que tal intervenção provocada num barco ou numa clínica «não muda a natureza da perversidade». Mais uma vez, vemos alguém da hierarquia católica, com as suas noções de moralidade que pretendem ser todas-poderosas, a demonizar uma forma de melhoria das condições de vida das mulheres. Sim, porque as mulheres querem-se submissas e parideiras!
Relativamente ao tratamento da chegada do «barco do aborto» a águas territoriais portuguesas (ao seu limite exterior, leia-se), Jacinto Botelho disse que o assunto é um «exagero» visto que promove «um atentado contra a vida». Portanto, o senhor bispo também deve ser contra os noticiários que relatam genocídios, guerras, assaltos e homicídios.
O barco «só pode causar polémica», afirma, uma vez que «não há ninguém bem intencionada que possa concordar com esta exibição» e adianta que a iniciativa não passa de «uma forma de exibicionismo». Claro que o barco das «Women on Waves» é uma exibição, como aliás é uma exibição toda e qualquer manifestação! Quanto às boas intenções, seria interessante que o senhor bispo explicasse onde estão elas quando milhares de mulheres se submetem a redes de aborto clandestino pagando, não raramente, com a ousadia de quererem ser donas do seu destino.
Em jeito de remate, o presidente da Comissão Episcopal da Família considera que é «contraditório» que as mesmas pessoas que «fazem manifestações contra a guerra sejam apologistas do aborto»… como se ambas as coisas fossem comparáveis.
O Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, considerou a iniciativa da organização holandesa «uma provocação». Apesar de considerar importantes o debate e a liberdade de expressão e de vivermos numa sociedade livre, «os países têm a sua dignidade», mas não esclareceu se essa dignidade inclui a condenação judicial e a estigmatização de mulheres que decidiram abortar.
Aos cristão, o cardeal pediu que não se encolham sempre uma questão seja colocada de forma mais agressiva, reiterando a «clareza da posição da Igreja Católica em relação a esta matéria», ou seja, a manutenção de redes clandestinas de abortos, de viagens a Espanha e de mortes, de muitas mortes.
Através da newsletter semanal News Of The Weird/agência de notícias France Presse, chega-nos a notícia de que no Cambodja assiste-se a uma autêntica romaria para visitar uma recém-aparecida vaca sagrada.
A mística vaca nasceu na aldeia de Phum Trapeang Chum, ela também um lugar sagrado.
Mais de 400 peregrinos amontoam-se à porta do dono da vaca, para por ela serem lambidos.
Tudo começou com a notícia, dada pela mulher do dono da vaca, de que teria ficado curada de uma doença crónica pelas lambidelas da vaca. Depois de aparecerem várias histórias semelhantes no Cambodja começou a peregrinação à vaca.
Sobre as capacidades curativas da vaca nada podemos afirmar. No entanto, parece ser realmente uma santa vaca, com enormes atributos de santidade. Segundo o seu dono, ela só lambe o peregrino depois de ter visto o dono receber o equivalente a 13 cêntimos americanos que permitem 4 lambidelas.
A noticia – News of the Weird [Inglês]
Para um crente fechado no seu mundo de Deuses e Demónios, os pecados, as proibições, as obrigações (até o amor se transforma numa obrigação!), as necessidades que lhe foram impostas ou induzidas, são as fronteiras de um mundo que o prendem à sua crença.
Sabem qual é o bem mais precioso de um homem livre?
Os seus erros.
Porque ele é livre para aprender com eles.
Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possível haver ser é maior que todos os deuses
Fernando Pessoa
Deve-se a Dario Hystapis, um dos grandes reis aqueménidas (538-330 a.C.), um fenómeno que perdura até ao século XXI, a atribuição ao governante da defesa do Bem e da Verdade, projectando sobre seus adversários, quaisquer que sejam, a pecha de serem os defensores da mentira e do mal. Integrado na civilização ocidental, constitui, de facto, a essência da Ideologia, essa «religião civil» da nossa época ou meme comum aos vários memeplexos políticos actuais.
O origem dessa dicotomia ética aplicada à política encontra-se no dualismo original da religião persa, codificada por Zarathushtra ou Zoroastro, em que Ormudz ou Ahura Mazda é o detentor da bondade e veracidade, em oposição a Arihman, o «grande satã», deus do mal e da mentira.
Continuada por Mani ou Manes (séc. III), que criou uma religião que pretendia ser ecuménica, o maniqueísmo, em que são integrados elementos do hinduismo, zoroastrismo e cristianismo. O maniqueísmo é fundamentalmente uma versão de gnosticismo, para o qual a salvação depende do conhecimento (gnose) da verdade espiritual. Como todas as formas de gnosticismo, prega que a vida terrena é dolorosa e inevitavelmente perversa. Essencialmente para o maniqueísmo há uma eterna guerra entre dois princípios primários que seriam o Bem e o Mal. E, como o artigo da Mariana demonstra, bases maniqueístas permeiam ainda hoje a ética da ICAR.
Na realidade, a maior parte dos sistemas éticos absolutos associados às religiões do livro está baseada numa dualidade simplística de recompensa e castigo, céu e inferno, em que as religiões reveladas e seus legítimos representantes são os árbitros finais da verdade. Decidindo quem são os bons e quem são os maus. Mas que levanta a questão: se Deus é omnipotente e todos os restantes omni, qual a origem do mal? Para ver como a ICAR resolveu a aparente contradição dogmática nada melhor que as palavras do grande teólogo do cristianismo, Agostinho de Hipona.
«Peço que me digas se Deus não é o autor do Mal.»
Assim é aberto por Evódio o diálogo «O Livre Arbítrio», evidenciando que a suspeita de que o Mal possa ser atribuído a Deus era algo comum à época, e especialmente desafiador para alguém, como Agostinho, que fora um maniqueísta. Se, para o Cristianismo, existe apenas uma entidade suprema e eterna, Deus, e se dele tudo provem, também seria ele a fonte do Mal. Para responder a essas interrogações Agostinho elabora este diálogo.
Sugere ser o livre arbítrio a origem do Mal, uma fardo incómodo que só pode ser alijado por sujeição à vontade divina, expressa nas regras reveladas e respectiva interpretação por quem representa o Bem na Terra . Pode-se notar também uma correlação com a doutrina socrática de que a ignorância é a raiz do Mal, uma vez que o mal decorreria da falta de instrução. Para Agostinho a ignorância de Deus e da vontade divina resultam necessariamente no Mal devido ao pecado original (de notar a obsessão de Agostinho, pelas razões que apontei num post anterior, pela lascívia, um pecado especialmente abominável).
«Homens maldizentes rosnam entre si, pecando e acusando a todos menos a si mesmos, a seguinte questão: Se foram Adão e Eva que pecaram, porquê nós, que nada fizemos, nascemos com a cegueira da Ignorância e os tormentos da Penosidade?
– Basta responder que existem aqueles que vencem a lascívia. Uma vez que Deus está em toda a parte, a ninguém foi tirada a capacidade de saber e indagar vantajosamente o que desvantajosamente se ignora.
– Aquilo que se pratica por ignorância ou por fraqueza, denominam-se pecados porque retiram sua origem do Pecado Original.» [Capítulo XIX -A Negligência é culpável]
Assim, uma característica da doutrina cristã é negar a capacidade intrínseca humana para agir bem sem intervenção da divindade. Ou como afirma Feuerbach, em «A Origem do Cristianismo», é uma projecção de todas as boas qualidades humanas no exterior, no Deus do Cristianismo, deixando ao homem apenas o reprovável. Tema que será retomado num próximo post já que a negação do comportamente ético, da existência de uma moral fora da religião, é frequentemente utilizado como arma de arremesso contra os ateus. Porque temos quasi dois milénios de condicionamento social e alguns dogmas religiosos foram secularizados, este quiçá o mais pernicioso, urge efectivar a separação Moral-Religião!
Ontem, durante a maratona masculina um individuo, com uma farda estranha, atacou o líder da corrida, o brasileiro Vanderlei de Lima. O indivíduo em questão é um ex-padre católico que procurou desta forma, obter publicidade para o fim do mundo, como se pode ler no cartaz que ele mostra na imagem. O atleta brasileiro acabou em terceiro. Já depois de passada a meta, acabou por se benzer e agradecer a Deus por ter terminado a corrida.
Continua toda a gente a correr em modo automático…
Ninguém pára para pensar um bocadinho que seja?
A notícia [Inglês]
Mais pormenores sobre o maluco [Inglês]
Deus quimicamente é um placebo, mas a fé pode transformá-lo em droga dura. Provoca ansiedade, tremores, suores, transe e alucinações. Produz habituação e dependência. Em doses exageradas até exala cheiro – o cheiro a santidade, que se nota em quem descura o banho e exagera nas orações.
Como acontece com as outras drogas, não se combate com a repressão às vítimas, exige uma terapêutica de substituição: raciocínio fáceis, para começar, instrução, algumas dúvidas e erradicação do sentimento de culpa. A pouco e pouco o medo vai minguando, o sentimento de pecado esfuma-se e a cura surge.
A fé tem cura.
No suplemento «Y» de música do Público da passada sexta-feira encontra-se uma entrevista com a artista islandesa Björk Gudmundsdottir, sobre o seu ultimo trabalho publicado, o album Medúlla. Na entrevista encontramos a seguinte passagem:
«O próprio princípio da convicção religiosa é para mim nefasto. Reenvia necessariamente à obrigação, à obediência. Prefiro acreditar na autodeterminação, no sentido em que todo o culto tende a privar o indivíduo das suas faculdades intuitivas mais elementares. A ideia de que um livro escrito há dois mil anos possa servir, ainda hoje, de modo de emprego existencial parece-me estranha, até despropositada. É mais gratificante descobrir as coisas por nós próprios.»
Confesso que passei a gostar ainda mais desta grande senhora.
Que a sua criatividade nos ilumine durante muitos e muitos anos.
Vale a pena ler a entrevista, chama-se: «Morrer por uma canção»
Dá-nos uma pequena imagem de uma artista que não perdeu o humano em si.
Outra entrevista de Björk, no seu site, tem ainda mais reflexões interessantes:
«Acenando com uma bandeira pirata» [Inglês]
Ficou-me de criança a impressão de que a ermida do S. Roque, na margem esquerda do Côa, estava alcandorada num monte enorme e que ao sacrifício da subida se deveria a recompensa dos milagres.
Hoje, ao passar no IP 5, sobre a ponte rodoviária, surpreende-me lá em baixo uma capela exígua abandonada num pequeno cabeço, com a vegetação a apropriar-se da área da devoção e dos negócios. Onde está um chaparro negociava burros um cigano, onde a Lurdes começava às dez a aviar copos de meio quartilho, para terminar às 3 da tarde com o pipo e a paciência devastados, medram giestas e tojos e o abandono tomou conta do espaço onde estava sediada a feira e se realizava a festa.
Onde os solípedes e as pessoas alcançavam não sobem ainda os automóveis.
Eu gostei, ainda gosto, de romarias. Mesmo com milagres cada vez mais raros, a acontecerem na razão inversa dos louvores, encontramos sempre caras que atraem afectos e nos devolvem memórias. Às vezes não são quem pensámos, os anos passam, são filhos, mas vale a pena, falam-nos do que nós sabíamos, são da terra que julgámos.
Há mais de cinquenta anos o Rasga foi ao S. Roque com a mulher, ela cheia de fé, ele com muita sede, como sempre, até a cirrose o consumir. A feira e a romaria partilhavam a data e o espaço. Não sei das promessas dela, as mulheres lá tinham contratos com os santos, não era costume explicitá-los, ele tinha as mãos cheias de cravos, coisa de rapaz, julgava que era feitio. A mulher dissera-lhe que havia de ir ao S. Roque, o Maravilhas curou-se, o Ti Velho também, pelas outras aldeias ia a mesma devoção, os resultados eram de monta. O Rasga até tinha pensado no ferrador, não para ferrar o macho, ele queimava os cravos, mas eram grandes as dores, ficavam as mãos com marcas piores que a cara do Medo com as bexigas, e a febre, às vezes, levava a gente. Já se acostumara, não valia a pena ralar-se, o pior era a mulher a azucrinar-lhe os ouvidos, tens de ir ao S. Roque, se trabalhasses em vez de beberes havias de ver o incómodo, eu faço-te companhia, és um herege, uma oração, uma pequena esmola, dois cruzados, um quartinho no máximo, o S. Roque não é interesseiro, vens de lá bom, levas a burra que já mal pega em erva, enjeita os nabos, não temos feno, há-de morrer-nos em casa, além do prejuízo vais ser tu a enterrá-la, podias vendê-la.
E lá foram os três, que a burra também contava, partiram quando a Lurdes e a Purificação já levavam uma légua de avanço, tinham bestas lestas e levantavam-se cedo, era mister que se antecipassem aos homens que quando chegavam logo queriam matar o bicho e os negócios não podiam fazer-se sem haver onde pagar o alboroque. O Rasga, mal chegou, pediu três notas pela burra a um da Parada que lhe ofereceu duas, a mulher do da Parada ainda o puxou, homem para que queres a burra, o rachador do Monte meteu-se logo, isto não é assunto de mulheres, tinham que fazer negócio, tem que tirar alguma coisa, não tiro, dou-lhe mais uma nota de vinte, tiro-lhe essa nota, nem mais um tostão, e o do Monte a dizer racha-se, vários a apoiar, fica por duas notas e meia, o rachador a agarrar-lhes as mãos, estranha união, e a fazer com a sua um corte simbólico, deram as mãos estava feito o negócio, um tirou cinquenta o outro deu mais cinquenta, consumada a liturgia logo assomou meia nota de sinal, faltavam duas que apareceriam quando lhe entregasse o rabeiro, vai uma rodada, paga o vendedor que recebeu o dinheiro, primeiro um copo para o comprador, o rachador a seguir, depois para todas as testemunhas, outra rodada paga o comprador, outra ainda, esta pago eu, diz um da Cerdeira, não quero mais diz o de Pailobo, morra quem se negue, praguejou um da Mesquitela, olha vem ali o Proença da Malta, grande negociante, como está, disseram todos, uma rodada, pago eu, diz o Proença, mas a minha primeiro, exigiu o da Cerdeira com agrado geral, e ali ficaram a seguir os negócios, os foguetes e a festa, e a tirar o chapéu e a agradecer ao Proença quando este foi dar a volta pelo sítio do gado onde já se encontrava o Serafim dos Gagos a disputar-lhe o vivo e a pôr a fasquia aos preços.
Findas a feira e a festa, esta terminou primeiro, um dos padres ainda tinha de levar o viático a um moribundo de Pínzio, o Rasga e a mulher vinham consolados, ela com a missa e a procissão, ele com duas notas e meia no bolso e o buxo cheio de vinho, ela a pensar na vida e ele a cambalear.
Algum tempo depois perguntei ao Rasga o que era feito dos cravos. Ficaram no S. Roque, menino, ficaram no S. Roque.
Publicada em 13-06-2003 – J.F.
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