11 de Julho, 2004 Carlos Esperança
Tolerância e intolerância
É interessante observar a facilidade com que os prosélitos de qualquer religião acusam de intolerância quem se opõe aos seus desmandos e a dificuldade que sentem em reconhecer os abusos próprios.
Ninguém, que respeite a convivência cívica e manifeste os mais elementares princípios de tolerância, se oporá às manifestações religiosas individuais ou colectivas. Pelo contrário, é obrigação democrática defender esse direito.
Mas os crentes não devem estranhar a hilaridade que pode provocar uma procissão, a piedade que suscite a posição de joelhos, a vergonha que inspire a confissão ao padre, a confusão que faz ver rastejar pessoas no recinto de um santuário. Querem alguma forma maior de alienação do que as peregrinações aos santuários, as cinco orações muçulmanas com os rabos no ar em sentido contrário a Meca, as procissões em honra dos numerosos heterónimos da Virgem Maria ou as novenas a pedir chuva?
Não vejo mal em que os crentes abanem o crucifixo, dependurado na haste do retrovisor dos seus automóveis, encham a casa de virgens e Cristos ou passem os serões a rezar o terço pela conversão dos pecadores, mas não aceito que plantem cruzes nos largos das localidades, erijam ermidas nos cumes dos montes, multipliquem nichos de santos nas esquinas dos caminhos, e imponham santos para nome de ruas, hospitais, pontes, freguesias e até cidades.
Com que direito confiscam os cemitérios para os transformar numa exposição de símbolos religiosos? Como se atrevem a utilizar as escolas públicas para doutrinação? Que direito lhes assiste para impedirem o culto de outras religiões ou lhe dificultarem a edificação dos seus templos?
Deus pode merecer a fé dos seus crentes, mas os homens têm direito a defender a sua razão sem serem vítimas de perseguições religiosas.