Não, «Jesus Cristo» não existiu!
Ao discutir a crença na existência histórica de Jesus Cristo, devemos definir previamente de que «Jesus Cristo» estamos a falar.
É óbvio que não existiu o «Jesus Cristo» milagreiro que fora concebido por uma pomba, teria ressuscitado, multiplicado pães, transformado água em vinho e sido protagonista de outros acontecimentos sobrenaturais que contradizem todo o nosso conhecimento, científico ou empírico, sobre o mundo material. Mesmo alguns católicos (os mais esclarecidos) concordarão que essas alegações são falsas, e defender-se-ão reclamando que são meras metáforas ilustrativas, com valor estritamente poético.
Porém, quase todos os seguidores das várias seitas cristãs se recusam a aceitar que não existiu historicamente um homem real que tivesse fundado uma nova religião, fornecendo algumas palavras e gestos posteriormente retomados e difundidos, e que tivesse inspirado os autores dos Evangelhos (canónicos e apócrifos). É este mito, o mito do Jesus Cristo histórico, que deve ser refutado.
O problema não deve ser comparado com o de provar a existência de outros fundadores de novas religiões, como Lutero ou Maomé. O segundo é referido sobejamente em vários relatos históricos, conduziu exércitos e deixou descendência. O primeiro é referido por um número significativo de fontes coevas. Quanto a «Jesus Cristo», a verdade é que os historiadores e cronistas do 1º século da nossa era não o referiram. Cerca de quarenta historiadores romanos e judeus, que escreveram sobre os acontecimentos políticos, sociais e religiosos da Palestina do século I, não registaram nada quer sobre os acontecimentos que os Evangelhos supostamente relatam, quer sobre o hipotético fundador da seita cristã, «Jesus Cristo». Os Evangelhos são portanto, quando muito, relatos teológicos e não jornalísticos sobre a evolução de uma nova religião a partir de um ramo do judaísmo (há razões para pensar que esse ramo coincidiria originalmente com a seita essénia). Deve notar-se que os Evangelhos segundo Mateus, Marcos e Lucas são referidos pela primeira vez por Irenaeus, em 190 n.e., e o Evangelho segundo João em 180 n.e., por Teófilo de Antioquia. São portanto, presumivelmente, muito posteriores aos acontecimentos que pretendem relatar.
Existem, no entanto, algumas referências que os cristãos costumam alinhar em defesa do suposto carácter histórico de «Jesus Cristo». Referem com insistência, por exemplo, uma passagem das «Antiguidades dos Judeus» de Flávio Josefo, um Fariseu que nasceu no ano 37 da n.e. (e que portanto não poderia ter sido testemunha ocular de um «JC» hipotético que tivesse sido crucificado por volta do ano 30). A referida passagem diria o seguinte:
«Por volta deste tempo, viveu um homem chamado Jesus, se lhe podemos chamar um homem.(…) Ele era o Messias. Quando Pilatos (…) o condenou a ser crucificado (…) ele ressuscitou ao terceiro dia (…) e a tribo dos Cristãos, assim chamada a partir dele, não desapareceu até hoje».
Na realidade, esta passagem só pode ser uma interpolação cristã. Josefo era um Fariseu, e não se referiria a um «Messias» a menos que se tivesse convertido ao cristianismo, o que sabemos que não aconteceu porque Orígenes, um cristão do segundo século n.e. que conhecia os escritos de Josefo, afirmou que este não era Cristão. E Clemente de Alexandria, um dos primeiros polemistas cristãos, nunca usou esta passagem na sua propaganda, tendo a primeira referência ao «testemunho» de Josefo sido feita pelo cristão Eusébio em 324 n.e. Pode portanto concluir-se que esta passagem é falsa. Trata-se de uma interpolação (tal parece óbvio aos especialistas, também do ponto de vista estilístico), sem dúvida feita por cristãos para efeitos de propaganda.
Outra passagem muito citada é de Tácito, nos seus «Anais», escritos por volta do ano 120:
«Nero (…) puniu (…) uma classe de homens odiados pelos seus vícios, a quem chamavam Cristãos. Christus, o seu fundador, sofrera a pena capital durante o reinado de Tibério, por sentença do procurador Pôncio Pilatos.»
Esta passagem é também, muito provavelmente, uma interpolação posterior, uma vez que é referida pela primeira vez no século XV da nossa era! Nenhum propagandista cristão anterior a essa data lhe fez referência, nem à mítica perseguição de Nero aos cristãos, mesmo aqueles que conheciam os escritos de Tácito!
Finalmente, no século I n.e. Paulo de Tarso (possivelmente o homem mais importante na invenção do cristianismo) nas poucas epístolas que podem ser atribuídas, sem margem para dúvidas, a um mesmo autor, jamais se refere a um Cristo histórico. Aliás, não refere alguns dos mitos mais importantes do cristianismo, como o nascimento a partir de uma virgem ou os milagres que lhe concederiam os foros de «divindade». Estas lendas devem portanto ser posteriores ao século I. Deve ainda acrescentar-se que a maioria dos aspectos relevantes da pseudo-biografia de «Jesus Cristo», longe de serem originais, são comuns a outros mitos religiosos da bacia mediterrânica. É esse o caso do nascimento a partir de uma virgem (um elemento recolhido no culto de Mitras). «Jesus Cristo» é portanto um mito, inventado por uma religião nascente.
Nota final: este texto beneficiou grandemente com a leitura de «Did Jesus Christ really live?» de Marshall J. Gauvin, «Did Jesus Exist?» de Frank R. Zindler e «Christ a fiction» de Robert M. Price. Uma descrição da génese do mito cristão, de um ponto de vista judaico, é dada em «O mito do Jesus Histórico», de Hayym ben Yehoshua.