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Uma vida sem sentido?

Quando ocorrem tentativas de conversão por parte de alguns crentes, um argumento que é o usado recorrentemente é o seguinte: «Então qual é o sentido da vida? Não é triste uma vida sem sentido, sofrendo as injustiças e o sofrimento terrestre, para depois morrer como um mero animal? Não é triste viver a acreditar apenas no vazio incontornável da morte?»

A mim impressiona-me que alguém use estas perguntas (ou suas variações) como argumento. Para mim é tão óbvio que o grau de agradabilidade de uma hipótese é completamente irrelevante para o grau de plausibilidade desta, que nunca me passaria pela cabeça argumentar assim com um cristão: «tu acreditas num Deus que, segundo a Bíblia, vai enviar a esmagadora maioria da humanidade para o Inferno, um lugar de sofrimento angustiante e eterno?». Quando muito poderia argumentar que isso não seria muito próprio de um Deus misericordioso.

Uma vez que (repito) o grau de agradabilidade de uma hipótese é completamente irrelevante para o grau de plausibilidade desta, nós devemos ver a realidade como ela é, e não como gostaríamos que ela fosse. E a discussão poderia estar encerrada por aqui. Mas não está.

Acontece que a minha forma de encarar a realidade e a vida, apesar de não necessitar de se suportar em ilusões baratas, superstições gratuitas e negações primárias, realiza-me tanto ou mais como o mito do paraíso realiza os crentes.

E isto é algo que os ateus não costumam afirmar (porque encerram a discussão nas considerações acima), mas deviam fazê-lo, para esclarecer muita gente que não compreende isso.

É que, mesmo tendo noção da realidade, nada me impede de sonhar. Desde que, claro, saiba distinguir o sonho da realidade. Todo o sentimento de ligação com o infinito, de transcendentalidade, de pertença a algo maior pode estar presente num ateu. O ateu pode sonhar com um mundo melhor, e não com o paraíso celeste. O ateu pode sonhar com o eco da sua obra através da eternidade, ao invés da imortalidade duma alminha; o ateu pode querer fazer o bem, sem ter de crer numa recompensa numa outra vida que não existe.

Os seres humanos eram (e ainda são) animais, e o sentimento religioso surge, tal como uma série de instintos primários – a agressividade, o medo, a ganância, etc. – por questões de selecção natural. Importa compreender e dominar esses instintos.

Tal como o instinto da agressividade pode dar belos resultados no desporto, sob a forma de camaradagem, competitividade, emoção, sem ter de recorrer à guerra a que esse sentimento naturalmente conduz, também o instinto religioso pode conduzir a um sentimento de pertença a algo maior, a uma preocupação com as gerações seguintes, sem ter de cair na religião, na superstição, na crendice primária.

Eu gosto de sonhar, e gosto de usar o sonho para moldar a realidade, tornando-a melhor. Confundir o sonho com a realidade não é um bom método para o fazer, e a história mostrou que pode ter consequências muito desagradáveis.

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