Familiaridade egípcia
Este texto, encontrado nos meus arquivos e publicado na Despertar, foi traduzido de um livro que trouxe do Egipto.
Reparem nas semelhanças existentes entre a religião do Antigo Egipto e o cristianismo. O blog Sem Senso Comum, do Luís Pereira, aborda este assunto.
«As quase infinitas variedades de representação das numerosas divindades
que foram encontradas nos monumentos egípcios conduziram a um
mau-entendimento da religião dos antigos egípcios. A religião do antigo
Egipto, ao contrário do que somos levados a pensar como sendo politeísta,
era, de facto, como todas as grandes religiões, monoteísta. Hoje, estudiosos
concordam que as muitas divindades encontradas nos templos devem ser
consideradas como atributos ou intermediários do Ser Supremo, o Deus Único,
o único reconhecido e adorado pelos sacerdotes, iniciados ou sábios dos
santuários. No topo do panteão egípcio encontra-se um Deus, que é apenas um,
imortal, que não foi criado, que é invisível e escondido nas profundezas
inacessíveis do seu Ser. Produzido dele próprio de toda a eternidade,
concentra em si todas as características divinas. Não eram deuses que eram
adorados no Egipto mas, sob o nome de qualquer divindade, o Deus escondido,
sem nome ou forma. Uma ideia apenas dominava tudo, a um Deus uno e
primordial.
Os sacerdotes egípcios definiram-no nestes termos: Aquele que nasce
dele próprio, o princípio de toda a vida, o pai dos pais, a mãe das mães e
também afirmaram que dele vem a substância de todos os deuses e é pela
Sua vontade que o sol brilha, que a terra está separada do firmamento e que
a harmonia reina em toda a criação. No entanto, para tornar a crença no
Deus Único mais compreensível ao povo egípcio, os sacerdotes expressaram os
seus atributos e os seus vários papéis por meio de subtis representações. A
imagem mais perfeita do Deus era o sol com os seus três atributos: forma,
luz e calor. A alma do sol chamava-se Amon ou Amon-Ra, que significa sol
escondido. Ele é o pai da vida e as outras divindades são apenas as
diferentes partes do seu corpo.
Podemos, agora, introduzir as famosas tríades egípcias. Os conhecedores
desta antiga teogonia dizem-nos que o Ser Supremo, o criador do universo, é
único no seu ser mas não na sua pessoa. Ele não sai fora de si para gerar
mas gera dentro dele. É, simultaneamente, Pai, Mãe e o Filho de Deus sem
deixar Deus. Estas três personagens são Deus em Deus e, longe de
destruírem a unidade da natureza divina, eles engendram a sua infinita
perfeição. O Pai representa o poder criativo enquanto que o Filho, imagem do
Pai, fortalece e manifesta os seus atributos eternos.
Todas as províncias egípcias tinham a sua própria tríade (…). A
principal ou maior tríade era a de Abydos, constituída por Osiris, Isis e
Horus. Era a mais popular e a mais adorada por todo o Egipto porque Osiris
era a personificação de Deus e era vulgarmente conhecido por deus bom. A
tríade em Memphis consistia em Ptah, Sakhmet e Nefer-tum, e, em Tebas, em
Amon, Mut e Khonsu. A trindade não era o único dogma retido pela revelação
primitiva. Nos livros sagrados também se pode encontrar a ideia de pecado
original, a promessa de um Deus redentor, restaurações futuras da
humanidade, e a ressurreição da carne no fim dos tempos. Em todas as
mudanças de dinastia havia uma revolução monoteísta e o Ser Supremo
prevalecia sobre o fetichismo das outras divindades. A revolução religiosa
de Akhnaton foi precedida por aquela de Menes, já para não falar na de
Osiris (5º milénio a.C.). De acordo com alguns historiadores, ocorreu,
durante o reinado de Osiris – rei de Tebas (4200 a.C.) – uma completa
mudança religiosa.
Este rei, o mais devoto de todos, foi bem sucedido na adopção do
monoteísmo numa larga escala. Era o mesmo Osiris que presidia o supremo
tribunal do julgamento das almas dos mortos.
De acordo com o rito da psicostasia (psychostatis, que que dizer peso
da alma, i.e., a cerimónia do julgamento final do falecido), a alma do
morto era transportada numa barcaça sagrada sobre as águas dos Campos
Elísios. Ao passar, a embarcação trazia luz às regiões habitadas pelas almas
dos condenados que tremiam de alegria ao avistarem um pouco daquela luz que
lhes foi negada. A barcaça continuava a sua jornada e, depois de atravessar
uma zona mais leve, correspondendo mais ou menos ao nosso Purgatório,
chegava finalmente ao tribunal presidido por Osiris e pelos seus 42
acessores. O coração do morto era colocado num dos pratos da balança
enquanto que, no outro, era colocada uma pena, símbolo da deusa Ma’at (deusa
da Justiça). Se o falecido tinha feito mais bem do que mal então,
tornava-se uma das verdades da voz e, assim, parte do corpo místico do
deus Osiris. Se sucedesse o contrário, o coração era comido por um animal
com cabeça de crocodilo e corpo de hipopotamo e a sua existência findava no
Outro Mundo. Uma alma que tinha sido, desta forma, justificada era
admitida no Ialou, os campos elísios.
Aqui chegados podemos perguntar porque é que foram encontrados tantos
objectos quotidianos nas piramides e nos tumulos. Não nos devemos esquecer
que a ideia religiosa fundamental do antigo Egipcio era que a vida humana
continuava depois da morte física. Mas só aqueles que continuavam a
disfrutar do que tinham disfrutado em vida podiam alcançar o Outro Mundo.Daí
as mobílias, a comida, a bebida, os servos e outros objectos necessários
para a vida quotidiana.»