Atrás do véu
Existem duas linhas de argumentação entre aqueles que se opõem à proibição de símbolos religiosos (como o véu islâmico) nas escolas públicas.
(1) Proibir símbolos religiosos pessoais é limitar a liberdade de expressão.
(2) Deve respeitar-se a «identidade cultural» muçulmana ou outra, custe o que custar.
A postura (1) funda-se num valor que muito prezo (a liberdade de expressão) e que só aceito que seja sacrificado neste caso porque estão em risco outros valores igualmente fundamentais: a neutralidade confessional da escola pública e a igualdade entre os sexos. Deve acrescentar-se que proibir símbolos religiosos pessoais não é uma medida indispensável à laicidade escolar; é uma medida de emergência. Efectivamente, o véu islâmico aparece nas escolas francesas devido à pressão exterior de grupos extremistas, e faz-se acompanhar de um crescendo de reivindicações identitárias: rejeição do estudo do genocídio de judeus, recusa de assistir a aulas de educação sexual e até de participar na ginástica e na natação. A mensagem que assim chega à escola, enviada pelo clero mais fanático, é clara:
(i) as meninas não brincam com os meninos;
(ii) o respeito pela «cultura islâmica» necessita da segregação.
A situação agrava-se tanto mais quanto se verifica que, em muitos subúrbios franceses, as raparigas que não usam o véu são vítimas de violência, o que indica que o uso do véu, longe de ser uma escolha livre e pessoal, é uma imposição da família ou dos jovens machistas de bairro. A face e o cabelo desvelados das raparigas de «cultura muçulmana», nas escolas públicas, poderão ser muito educativos para esses jovens aprendizes de mulás extremistas. O direito a uma escola pública livre de pressões clericais deve portanto prevalecer.
Finalmente, a atitude (2) é a de certos «culturalistas» que defendem que as jovens de origem magrebina não fazem outra coisa senão exercer o seu sagrado «direito à diferença», e que não se apercebem de que neste caso se chegou ao «dever de diferença». Não é por acaso que cada vez mais jovens de «cultura muçulmana» se organizam e reivindicam o direito (veja-se lá o atrevimento!), de abandonarem a sua (presumida) «cultura de origem» seguindo o Corão apenas nos preceitos que quiserem, ou até não o seguindo de todo. É esse o caso do «Mouvement des Maghrébins Laïques de France» ou de «Ni putes, ni soumises» (uma associação de mulheres dos subúrbios contra a violência).
Os nossos «culturalistas» argumentam ainda que os valores cívicos e políticos são de origem «cultural» e que portanto não devem ser impostos a outras «culturas», mesmo que esse valores sejam, neste caso, a liberdade individual, a igualdade dos sexos e a laicidade. Mesmo os «culturalistas» da esquerda mais «radical» caem neste erro… É que quem define a «identidade cultural» são sempre os sectores mais tradicionalistas e integristas, ou melhor, não tenhamos medo da palavra: reacionários.