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Mês: Maio 2004

31 de Maio, 2004 André Esteves

O kitsch religioso da semana

Estava eu a passear por um bric-a-brac chinês, quando encontrei as últimas tentativas chinesas de entrada no mercado português da memorabilia religiosa católica, como podem ver à vossa esquerda. Na base deste engraçado boneco, encontramos o nome de Santo Exposito (não creio que haja um santo com esse nome, mas que se trata de um dos mártires antes da época de Constantino, dado o fato militar romano).

Para quem olhar de relance, aparenta que estamos a ver um brinquedo.

Quem olhar com mais cuidado, vê o santo despido do peso da percepção e código estético do catolicismo.

O traço e desenho seguem os códigos do Manga japonês, que hoje influencia várias gerações de artistas na Ásia.

As marcas da santidade na iconografia religiosa além de um valor cultural seguem códigos e regras estéticas que são definidas na ortodoxia. Os fiéis encontram aí a familiaridade e reconhecimento da sua revelação, que julgam especial, particular e pessoal. Fá-los, através do condicionamento, invocar os estados de espírito que associam ao sagrado: paz, união mística com algo maior, medo, culpa, contrição, etc.

Mas quando os mesmos são vistos e revistos pelos «óculos coloridos» de outra cultura, nada de sagrado encontramos na volta.

Só ficam os heróis de banda desenhada.

O que fariam os autores deste kitsch se por exemplo, se inspirassem nas visões de Fátima de 1917? Em que a nossa senhora aparecia a Lúcia de saia acima dos joelhos e sem sapatos? Algum Shunga ou Hentai? Confesso que fico curioso…

Glossário de termos de Manga e Anime (em inglês)

31 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Ponte Europa foi aberta ao trânsito

Com a presença do Dr. Durão Barroso, único especialista português vivo a rubricar concordatas e do pio edil Carlos Encarnação, danado para missas, hóstias e alcunhas (crismou a ponte de Rainha Santa Isabel), teve lugar ontem a inauguração da ponte Europa, em Coimbra.

Houve bandeiras, possíveis bandalhos, força pública, público à força, numerosos figurantes, alguns figurões e um bispo contratado para benzer a obra de arte.

O bispo, D. Albino Cleto, farol da diocese de Coimbra, exorcista, especialista em bênçãos, utilizador experiente do hissope, habituado a aspergir imóveis, envergou vestes talares para dar mais vigor à benzedura e brilho à festa, não esquecendo uma enorme cruz para que quase lhe faltava o peito.

Os engenheiros da obra desconhecem a eficácia da água benta no reforço das fundações e os bombeiros não se pronunciaram sobre a prevenção de acidentes graças à divina guarda cuja protecção D. Albino foi contratado para intermediar.

As pessoas de Coimbra ficaram muito contentes com a alcunha da ponte Europa, mas as promessas de percorrer de joelhos a nova ligação do Mondego estão desaconselhadas por causa da circulação automóvel.

Um sexagenário com ar jacobino avisou uma devota, que se preparava para percorrer a nova ponte de joelhos, que aquilo era uma rodovia e não um piedoso joelhódromo.

31 de Maio, 2004 Ricardo Alves

Por uma Constituição europeia laica

A Associação República e Laicidade lamenta e repudia a exigência da diplomacia governamental portuguesa, expressa numa carta enviada pela ministra dos Negócios Estrangeiros à presidência da União Europeia e reiterada durante a reunião de 24 de maio da União Europeia, de que o preâmbulo da Constituição europeia faça uma referência às “raízes cristãs da Europa”. A Associação República e Laicidade recorda que uma constituição moderna deve ser proclamada em nome dos povos e dos cidadãos a quem se destina, independentemente das suas crenças religiosas ou convicções filosóficas, e não em nome de “Deus” ou de qualquer religião. Uma referência ao cristianismo, para além de menosprezar a riqueza da diversidade cultural e religiosa europeia, só poderia alienar os numerosos cidadãos europeus que se reclamam de outras fés ou de nenhuma. A forma actual do preâmbulo, que nos parece equilibrada e inclusiva, deve ser mantida.

A Associação República e Laicidade reafirma que o artigo I-51 do actual projecto de Constituição europeia é inaceitável, tanto por obrigar a UE a um diálogo regular com as igrejas e comunidades religiosas, reconhecendo assim um direito de ingerência destas no exercício dos poderes públicos europeus, como por impedir que o direito europeu afecte os privilégios adquiridos no âmbito nacional pelas instituições religiosas. A diplomacia governamental portuguesa deveria honrar a separação constitucional entre o Estado e as confissões religiosas, exigindo a eliminação do artigo I-51 do projecto de Constituição para a Europa e contribuindo assim para a necessária laicidade da construção europeia.

Ricardo Alves

(Secretário da Direcção)

Comunicado da Associação República e Laicidade (26-5-2004)

31 de Maio, 2004 André Esteves

Onde arranjar boas esposas…

Opus Dei – A única instituição no mundo, que consegue transformar uma física nuclear numa boa dona de casa.

30 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Fátima vista por outros olhos

Não é política habitual a citação de artigos escritos em outros blogs. No entanto, creio que, nesta situação, impõe-se a referência a este excelente texto do blog Confissões de um Atrasado Mental, que o João Vasco teve a boa ideia de partilhar na nossa lista de discussão.

Eu gosto de Fátima

Podia ser uma declaração de amor platónico pela martirizada (e sexy, sejamos sinceros, a mulher só com a voz faria Sua Santidade o Papa ter uma erecção) ex ou actual ou futura presidente (possivelmente as três coisas ao mesmo tempo) da câmara municipal de Felgueiras. Mas não é. Fica para outro dia.

Falo da outra Fátima. Da que tem uma capelinha das aparições em vez de um saco azul e um apartamento com vista sobre Copacabana. E não é pelo pitoresco da coisa nem por convicção religiosa que manifesto a minha afeição. Considero que Fátima desempenha, e tem desempenhado ao longo das décadas, um papel profiláctico na sociedade portuguesa e que esse papel se tem mantido inalterado com a passagem dos anos e com todas as mudanças que o país tem atravessado.

A profilaxia de que falo faz ou fez-se sentir de várias formas. Comecemos pelo princípio. Tudo começou quando três jovens pastores de nome Lúcia, Francisco e Jacinta foram surpreendidos no desempenho da sua actividade pastoril por uma aparição de Nossa Senhora.

A aparição apresentou-se, disse ao que vinha e a partir daí a história é sobejamente conhecida. Não pretendo discutir a veracidade da aparição. Não sendo propriamente uma pessoa de fé, acredito no entanto que existem fenómenos que não podem ser explicados pela ciência e que três crianças analfabetas de um meio pobre e atrasado vejam uma mulher que permaneceu virgem depois de ter concebido e dado à luz um carpinteiro robusto a flutuar sobre uma moita envolta em luzes, estando morta há mil anos, é precisamente o tipo de coisa em que não me custa nada acreditar.

Mas e se a aparição não tivesse existido? Francisco e Lúcia cresceriam para se tornar gente rude do campo como os seus pais e avós. Casariam, teriam filhos, morreriam de velhos. Os seus nomes seriam lembrados apenas pelos familiares. Hoje, e apesar de terem morrido de doença em idade tão tenra, são beatos venerados por católicos fervorosos em todo o mundo. Com um pouco de sorte e vontade milagreira, chegarão a santos em breve.

Quanto a Lúcia, a mais activa no diálogo com a santa, trata-se obviamente de uma mulher de ambição. Se não tivesse visto a virgem mais improvável da história da humanidade a equilibrar-se sobre uma azinheira, teria seguido o caminho dos seus primos. Teria casado, teria sido mãe. Ao longo da sua vida, é provável que tivesse ouvido falar de D. Sebastião, o mítico rei que voltará a Portugal envolto em nevoeiro (ainda não foi hoje, amigos, esperem mais uma semana ou assim). Em vez de ver santas, a sua imaginação prodigiosa fá-la-ia acreditar ser ela a reencarnação do rei desejado, enviada à Terra para salvar o país da perigosa república ateia que o governava. Reuniria seguidores. Os seguidores armar-se-iam. Derrubariam o governo. O movimento espalhar-se-ia a Espanha e, em seguida, a todos os países do mundo católico e até ao mundo herético que descobriria a verdadeira fé pela força se preciso fosse.

Em alguns anos, o planeta inteiro seria governado por uma ditadura cruel, férrea e beata em que a reza do terço três vezes ao dia seria mais importante do que as refeições, em que a missa seria uma obrigação diária, sendo as faltas punidas com flagelação na praça pública, em que a Bíblia, o catecismo, os missais e obras piedosas sobre a vida de santos seriam os únicos livros permitidos, em que quem não aceitasse submeter-se acabaria queimado na fogueira (nem tudo seria original, portanto). E, à cabeça de tudo, sentada num trono dourado com almofadinhas de veludo para acomodar o seu amplo e piedoso traseiro, Lúcia contemplaria o império de fé e caridade cristã que tinha construído.

Estamos melhor assim, não estamos?

E foi tudo evitado pelas aparições.

Rebuscado?

Pouco realista?

Talvez. Mas não precisamos de ir tão longe para falar do tal papel profiláctico. Limitemo-nos à realidade contemporânea.

Todos os anos, milhares de pessoas de todo o mundo vão a Fátima, movidas pela fé em Nossa Senhora e no milagre e fazem-no praticamente desde o início, desde o ano de 1917. Desde essa altura, milhões de portugueses e gente de fora terão ido a Fátima. Uma boa parte destes devotos faz promessas e paga-as das maneiras mais diversas. Há quem queime um peso várias vezes superior ao próprio em cera (sob a forma de velas de vários tamanhos ou de partes do corpo), há quem se desloque a pé do outro extremo do país, chegando ao destino com os pés num tal estado que o próprio Cristo flagelado e crucificado (mesmo o Cristo de Mel Gibson) diria ?Bolas… isso está mau, hã?? Há outros que se arrastam de bruços pelo chão ou de joelhos, ou fazendo o pino ou apoiados na extremidade do nariz.

O que cada qual faz com o corpo só ao próprio dirá respeito mas uma coisa é indiscutível. As pessoas que fazem isto são gente perigosa. Compreendo que muitas o fazem por desespero e porque já não têm mais nada a que recorrer para curar doenças ou resolver situações pessoais desagradáveis. Também sei que a maior parte é gente sem grande capacidade cerebral, como os devotos cegos de qualquer religião, e que não sabem mais do que aquilo.

Mas isso não invalida o que antes disse. Seja por culpa própria ou alheia, são gente perigosa. Quem se arrasta de gatas de Viana do Castelo a Fátima também é capaz de pegar numa espingarda, ir para um mercado e desatar aos tiros. Quem gasta uma fortuna para mandar fazer uma réplica do próprio corpo em cera e em tamanho natural, também não terá qualquer tipo de problema em abrir os cordões à bolsa para financiar a investigação e desenvolvimento de uma bomba nuclear de capacidade destrutiva superior à de todas as existentes.

Sendo assim, viva Fátima e o seu santuário altaneiro! Enquanto estiverem ocupados a aleijar-se a eles próprios, não estão a aleijar ou a contribuir para aleijar terceiros que não têm nada a ver com os problemas deles e também terão os seus tão ou mais graves.

E depois há os padres. Segue-se um momento de dissertação anti-clerical pouco fundamentada por isso, quem tiver alguma coisa contra é melhor parar de ler por aqui.

Em Fátima, existe uma maior concentração de sacerdotes do que em qualquer outra parte do país, o que constitui um perigo incontornável (excluo as freiras porque são relativamente inofensivas fechadas nos seus conventos ou a dar catequese no meio da floresta tropical e só pensam em evangelizar o próximo e em técnicas masturbatórias originais).

Em qualquer sítio com uma tal concentração de padres católicos, a inquisição pode acontecer a qualquer altura. É a lei da natureza e tão infalível como dizer que se formos enfiando crocodilos no mesmo charco e não os alimentarmos, eventualmente, estes vão começar a devorar-se uns aos outros. Os padres não se devoram uns aos outros. Pelo menos, apenas alguns o fazem e acredito que sejam mais meigos do que os crocodilos mas é dar-lhes tempo e poder e, mais década, menos década, vamos ter autos de fé, tribunais do santo ofício, confissões arrancadas à força de ferros em brasa e práticas de igual colorido.

Mas, mesmo assim, é preferível que ardam uns quantos peregrinos que se atreveram a entrar na basílica expondo os cotovelos de forma pecaminosa ou que digam ?Oh diabo, está calor? numa tarde quente de Agosto do que haver mais paladinos da fé libertos das obrigações relacionadas com a administração do santuário e com a contagem do dinheiro resultante da venda de santinhos e imagens de Cristo a três dimensões para reforçar as fileiras da cruzada contra o preservativo e o aborto porque o vírus da SIDA (e das outras doenças menos mediáticas) também é uma criatura de Deus e porque o Criador gosta de ver o mundo que criou bem povoado por indigentes esfomeados que lhe lembram os bons velhos tempos em que meia dúzia de almas privilegiadas se sentavam em cadeirões confortáveis enquanto o resto esgravatava no lixo por uns pedaços de imundície menos repelentes e mais comestíveis, dizendo que sim a tudo e nunca questionando nada.

Bem haja, Lúcia. Bem haja Francisco e Jacinta lá no jardim de infância do paraíso.

Termino com uma sugestão. Não sei se é original ou não mas também não estou a tentar parecer perspicaz ou engraçadinho. Só digo isto porque acho que é uma boa ideia e gostava muito de a ver concretizada.

Existe no santuário de Fátima, percorrendo a praça principal, uma faixa de pedra polida que ali foi instalada para facilitar o caminho aos peregrinos de joelhos e de bruços e a quem alguém (creio que Manuel João vieira) chamou ?joelhódromo.?

É verdade que Fátima recebe muitos visitantes mas não o é menos que a maior parte são inevitavelmente católicos praticantes ou quase. Para que os ateus, os heréticos, os CNP (católicos não-praticantes) e os crentes de outras religiões comecem a acorrer a Fátima e a beneficiar também eles daquele ar místico que tão bem faz aos humores, é necessário que haja motivos de atracção.

Os devotos têm o santuário, a área comercial, o local das aparições, a casa dos pastorinhos, o museu de cera. Por que não instalar uma ou mais faixas de pedra polida ao lado da que existe e organizarem-se corridas? Até se podiam fazer apostas, o que resultaria em mais receitas para o santuário continuar a sua obra de… de… bom… de fé, suponho.

30 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

O que é uma freira? E um padre?

Se alguém ler hoje o Público, encontrará uma notícia que informa que 42% dos portugueses desconhece a existência de religiosos na Igreja Católica e apenas 58% reconhece significado nas palavras freira, irmão ou irmã. Estes dados foram recolhidos, através de um inquérito, pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica Portuguesa, a pedido Conferência Nacional dos Institutos Religiosos (CNIR) e pela Federação Nacional dos Institutos Religiosos Femininos (FNIRF), com o objectivo de perceber a imagem de frades e freiras junto da população portuguesa.

Estes valores impressionaram não só a própria Igreja Católica por ser a seita com mais seguidores neste país à beira-mar plantado, como também os promotores e organizadores do inquérito. Manuel Luís Marinho Antunes, responsável pela sondagem, diz que se tivessem a percepção de que haveria um número tão elevado de respostas negativas, teríamos feito outro tipo de inquérito e de perguntas. Porquê? Porque, para além de o desconhecimento ter feito com que, em muitas perguntas posteriores, o grau de respostas inválidas atingisse cerca de 50 por cento, o nível de conhecimento acerca da Igreja Católica teria tido a hipótese de ter atingido valores mais altos, mas isto já são especulações e má língua!

Relativamente aos factores que possam ter condicionado estes resultados, podem ser considerados dois: a posição religiosa e o grau de instrução. No grupo de pessoas com menos do que o 4º ano de escolaridade (incluindo não escolarizados), que equivale a 13,2 por cento, mais de metade (52,3 por cento) não sabe o que é um frade ou uma freira, o mesmo acontecendo entre «crentes mas sem religião», indiferentes, ateus e agnósticos, em que mais de 51 por cento também desconhece a existência de freiras ou frades, o que me parece um valor elevado… ou talvez não, uma vez que, de acordo com algumas pessoas mais iluminadas, somos um bando de ignaros, incultos, insensatos, desconhecedores da vida, que arderá no fogo do Inferno. De qualquer maneira, há algo de bom na sondagem… para nós. Estas posições face à religião totalizam mais de 12 por cento dos inquiridos. Afinal não somos tão insignificantes como alguns querem fazer crer!

Os bons resultados continuam. Setenta por cento dos inquiridos concordam «pouco» ou «nada» com a afirmação de que os religiosos vivem «em espírito de pobreza», o que não é de espantar quando se vê a quantidade de dinheiro que circula por Fátima, quando poucos padres vivem despojados dos bens materiais e do vício, quando se vêem aquelas sumptuosas cerimónias de elevação de cardeais no Vaticano.

Quanto à castidade, 53 por cento consideram que os religiosos a vivem «pouco» ou «nada» – contra 46 por cento com opinião contrária.

Como é que a Igreja justifica estes valores? O vice-presidente da CNIR, padre José Augusto Leitão, justifica-os com o desconhecimento sobre o significado da pobreza e com alguma «suspeita» sobre os religiosos em relação à castidade. Nestes assuntos, o que tem relevo é a posição religiosa: é sobretudo entre os católicos que vão à missa regularmente e que participam em actividades de paróquias ou movimentos católicos que há uma maior percentagem de inquiridos (74 por cento) com uma visão positiva sobre o modo como os religiosos vivem a castidade. Do mesmo modo, a opinião mais negativa vem dos grupos «indiferentes, agnósticos ou ateus» e «com outra religião diferente da católica ou crentes sem religião». Se calhar é por os ateus, indiferentes e agnósticos terem uma visão neutra (no sentido de não se prostrarem aos ensinamentos da santa madre igreja) sobre este assunto que os resultados são “negativos”. De qualquer maneira, a próxima sondagem já não considerará estes grupos e, assim, a ICAR já não terá tão maus resultados. A culpa da desgraça é, mais uma vez, dos hereges incultos e ignaros que não têm coração para ver a Verdade (com V maiúsculo).

Entre as queixas mais populares feitas ao clero, com valores entre os 19,6 e os 16,4 por cento, estão as «ideias pouco actualizadas», a «intransigência, rigidez e autoritarismo» e as «dificuldades em compreender o nosso tempo». O Público não refere se estes dados também são resultado da posição religiosa, mas suponho a culpa (como juízo moral passível da mais alta censura) dos heréticos que querem governar o mundo e que fazem propagandas a favor do preservativo, da pílula, da despenalização do aborto, da igualdade entre os sexos, da laicidade e da democracia.

29 de Maio, 2004 jvasco

Falsas Profecias na Bíblia

A Religião e a Fé muitas vezes aventuram-se em Profecias. Normalmente são vagas o suficiente para que seja inevitável que se realizem (“devido ao vosso cepticismo vai acontecer um GRANDE DESGRAÇA“), outras vezes são mais concretas.

Nos casos em que são concretas, pode acontecer que simplesmente se realizem, que se auto-realizem, ou que não se realizem.

A Bíblia, em particular, é rica em profecias, e mesmo que a esmagadora maioria esteja na primeira categoria (as vagas), existem bastantes que estão na última (as que não se realizam).

Alguns exemplos:

Ao contrário da profecia em Gen. 48:21, José morreu no Egipto, e não em Israel. Gen.50:24

Este versículo diz que Ai nunca mais foi ocupada após ser destruída por Joshua. Mas Nehemiah (Joshua 7:32) lista-a entre as cidades de Israel ocupadas na era do cativo Babilónico. Joshua 8:28

A profecia dada em Is.7:14 não se referia a uma virgem mas a uma mulher jovem, vivendo na época da profecia. E Jesus, claro, chamava-se Jesus – E não é chamado Emanuel em qualquer verso do novo testamento. Mat. 1:23

Jesus visita Tyre que, de acordo com Ezekiel (Ezekiel 26:14, 21; 27:36, 28:19), não era suposto existir. Mat. 15:21

Paulo diz que o fim do mundo chegará ainda durante a sua vida. Corínteos 10:11

Eu escolhi 5 falsas profecias dentro das 173 que estão listadas no excelente site da Bíblia anotada do Céptico. Vale a pena dar uma espreitadela. O Cristianismo é um excelente exemplo de algo que é comum a todas as Religiões: as falsas profecias.

29 de Maio, 2004 jvasco

sobre o "Juramento Jesuíta"

Há dias escrevi neste blogue um artigo denominado “Juramento Jesuíta”. O artigo reproduzia o seguinte texto, alegadamente parte do antigo Juramento da ordem dos Jesuítas:

“Eu declaro e prometo que combaterei incansavelmente, secreta ou abertamente, sempre que tiver oportunidade, todos os hereges, protestantes e liberais, como é meu dever, para extirpá-los e exterminá-los da face da terra, e que não pouparei nem sexo nem idade nem condição, e que destruirei, enforcarei, ferverei, estriparei, esfolarei e enterrarei vivos estes infames hereges; rasgarei os estômagos e os ventres de suas mulheres e esmagarei a cabeça de suas crianças contra a parede, para aniquilar sua execrável raça”

Este texto está razoavelmente divulgado, e se seguirmos as suas origens iremos encontrá-lo nos Registos do Congresso dos E.U.A. bem como no romance de Charles Didier (1805-1864), Rome Souterraine. Além disso, Dr. Alberto Rivera, que desertou da ordem Jesuíta em 1967, confirmou que na cerimónia de iniciação o texto do juramento Jesuíta era o citado.

Na altura que coloquei o texto no meu artigo estava convencido que não haveria qualquer dúvida acerca da sua veracidade. Há, no entanto, dúvidas que rodeiam cada uma destas referências:

Quanto aos registos do congresso dos EUA: nas eleições norte-americanas de 1912, onde para a Pensilvânia concorriam os dois candidatos Eugene C. Bonniwell (democrata) e Thomas S. Butler (republicano), o candidato Bonniwell perdeu, e objectou contra a eleição de Butler em representação do estado da Pensilvânia.

O Comité Eleitoral investigou as objecções de Bonniwell e produziu o relatório 1523 (House Report 1523). Este relatório foi submetido a 15 de Fevereiro de 1913, e a pedido do congressista Olmsted, foi incluído no Congressional Record. Entre outras objecções, o Eugene Bonniwell fazia menção a uma querela religiosa com os apoiantes de Thomas Butler. Eis os detalhes (no original em inglês):

«The West Chester Village Record is a local newspaper largely owned and controlled by T. L. Eyre, Republican boss of Chester County, and personal representative of Thomas S. Butler. The Chester Republican is a local paper largely owned and controlled by Senator William C. Sproul, a Republican boss, and personal representative of Thomas S. Butler in Delaware County. On August 15, 1912, the West Chester Village Record published the following editorial:

“The Hon. Thomas S. Butler, the Republican nominee for Congress, was born and reared in the Society of Friends, and is proud of his Quaker ancestry. His opponent, Eugene C. Bonniwell, is a Roman Catholic.”

On August 28, 1912, the Chester Republican reprinted this editorial. Coincident with the two said editorials messengers in the employ of supporters of Thomas S. Butler traversed the district, having in their possession and circulating a blasphemous and infamous libel, a copy of which is hereto attached, pretended to be an oath of the Knights of Columbus, of which body the contestant [Bonniwell] is a member. So revolting are the terms of this document and so nauseating its pledges that the injury it did not merely to the contestant but also to the Knights of Columbus and to Catholics in general can hardly be measured in terms.

I charge that the circulation of this oath and the publication of the two editorials herein referred to were part of a conspiracy . . . for the purpose of arousing religious rancour and of defeating the Democratic nominee. The Constitution of the United States prohibits any religious test for office. The organization supporting Thomas S. Butler created such a test, blazed bigotry in the hearts and minds of the ignorant, and slandered and vilified a great body of honourable men.

I file no complaint because of adverse election returns. The Democracy of Pennsylvania is inured to adversity. Nor is this complaint registered because of defeat resultant upon faith or race. In these things I own a just pride and do not protest if, because of either, political honours are to be denied men. But when a calumnious, viperish attack upon either faith or race is launched, injecting religious bigotry into the political affairs of this Nation, then this protest is made in the certain confidence that all patriotic men, mindful of the religious as well as the political liberty that the forefathers designed should be our heritage, will rise and strike down the beneficiary of such a treacherous and dastardly movement.

For myself I make no appeal to your honourable body that I may be seated… This I do maintain, that this man, receiving his election under these circumstances, adding the felonies of forged papers, perjured acknowledgements, and violated grand jury to the more wicked crime of religious slander, ought not to be tolerated in the House of Representatives.»

A este texto, Bonniwell anexou um panfleto chamado “Knights of Columbus Oath”. Este novo “juramento” é só uma versão expandida do “Juramento Jesuíta” que referi.

Quanto à obra e à confirmação: é difícil saber se Charles Didier se baseou nalguma coisa de fiável para escrever o famoso “juramento”. Quanto a Alberto Rivera, ele é um dissidente e há quem considere que as afirmações de um desertor não são credíveis.

***

Pela minha parte, creio que as opiniões de um dissidende devem ser levadas em conta, pois muitos actos de certas instituições só foram conhecidos desta forma, embora posteriormente confirmados por outros meios. No entanto devo concordar que, ao contrário daquilo que eu pensava quando escrevi o artigo, podem restar dúvidas acerca da credibilidade da citação que lá coloquei. Como este espaço se pretende rigoroso e credível, senti que me devia retractar. Lamento ter de o fazer, e lamento o atraso com que o fiz. Espero que continuemos, apesar deste episódio, a merecer toda a confiança dos nossos leitores.

Devo também dirigir uma palavra de apreço a um leitor e comentador do nosso blogue com o qual todos temos tido muitas discussões. Foi ele que me alertou para as questões que refiro neste artigo, tendo sido da parte dele que soube de todo o episódio eleitoral que levou o Juramento aos anais dos Registos do Congresso. Bernardo Sanchez da Motta: muito obrigado.

28 de Maio, 2004 Carlos Esperança

O novo protectorado do Vaticano

A cerimónia de despedida do núncio apostólico em Lisboa, em 2002 deixou as piores apreensões sobre os bastidores das negociações da Concordata. O então MNE, Martins da Cruz, prometeu o que não podia, nem devia, prometer? o reforço da influência da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) no domínio «do ensino, da assistência social, da cultura, nos múltiplos domínios em que nos habituámos a ver uma Igreja activa e empenhada em contribuir para a solução de problemas nacionais». É sempre através da rede de assistência social (lares, hospitais, escolas, creches, templos) que a Igreja se infiltra para controlar o quotidiano dos cidadãos. A tragédia dos países árabes onde o islamismo tem hoje a mesma influência que a ICAR tinha na Europa, na Idade Média, devia fazer reflectir os cidadãos, os crentes e os não crentes.

E, com total impunidade, afirmou ainda: «Como católico considero um privilégio ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros no momento desta importante negociação».

O país livrou-se do ministro mas não se escapou à Concordata. A experiência de 1940 devia ter-nos vacinado contra a reincidência. A própria ICAR, refém da ditadura fascista e associada à repressão de meio século, devia evitar a tentação dos privilégios, embora ninguém, com privilégios, admita que os tem.

Acontece que esta Concordata foi negociada à sorrelfa e não foi fácil aceder-lhe, mesmo alguns dias depois de assinada. É importante discutir o texto que, depois de ratificado, se torna direito interno português, directamente aplicável.

A religião não se impõe por tratados nem a propagação da fé se confia aos Estados. O mundo islâmico é o exemplo trágico. A Concordata, não pode ser um tratado de Tordesilhas que submeta à órbita do Vaticano um país a que a Cúria trace o meridiano. A subserviência à tiara não augura um futuro de tolerância e esta revisão ficou à mercê do promíscuo contubérnio entre ministros de Deus e de Durão Barroso. O resultado está aí.

Não consta que a ICAR tenha sentido qualquer limitação ao exercício do seu múnus nestes anos de democracia. Que pretendia mais, ou o que pretende proibir?

A concordata fere princípios de universalidade e de igualdade de direitos e de obrigações, que a lei geral estabelece e acautela; opõe-se à lei geral na medida em que a ICAR exige tratamento especial naquilo que lhe diz respeito; e enuncia deveres religiosos como se o princípio da separação não impusesse ao Estado o total alheamento quanto a tais «deveres».

Por ser bizarro, cite-se o n.º 2 do Art. 15: «A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vinculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio».

Imagine-se que, por dever de reciprocidade, havia um n.º 3 com esta redacção: «A República Portuguesa, reafirmando a doutrina do Estado sobre o casamento civil, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio civil o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade canónica de requerer o matrimónio religioso».

Esta concordata não serve, e outra não é precisa. Não foi objecto de negociadores, foi um arranjo de negociantes.

Talvez só o facto de ter sido assinada apenas entre Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano nos tenha poupado à primeira frase da de 1940: «Em nome da Santíssima Trindade».

27 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

João Paulo II – O velho hipócrita odeia divorciados e casais alérgicos à hóstia e à água benta, mas enviou uma mensagem a Letícia Ortiz, com um casamento civil e um divórcio anteriores, quando soube que adquiriu a bênção para pernoita e prossecução da espécie com o príncipe Filipe.

Espanha – A coroa espanhola está em vias de prescindir de um varão para descendente real, a fim de evitar um anacronismo. Mas haverá maior anacronismo do que uma monarquia?

O culto silenciado – Em Asseiceira, Rio Maior, onde a Mãe do Redentor apareceu várias vezes a um menino chamado Carlos Alberto, há 50 anos que se pedem graças, pagam promessas e se movimenta dinheiro. A ICAR, com apurado sentido de marketing, tem prejudicado este milagre.

Letícia Ortiz – A nova gata borralheira espanhola precisou de uma missa e algumas hóstias para se tornar princesa, mas merece a simpatia de quem prescindiu dessas exibições no primeiro casamento e posterior divórcio. E não é um mero cabide para dependurar fatos, tem um corpo que dá vida aos trapos, sem precisar deles.

Constituição Europeia – A referência religiosa faz tanta falta como a gasolina nos incêndios mas o governo português, à espera das indulgências do Vaticano, bate-se por essa deformidade como uma beata pela sua ração de incenso.

Concordata – A concordata de 1940, celebrada entre o ditador fascista, Salazar, e o papa PIO XII, autoritário e anti-semita, tinha como primeira frase «Em nome da Santíssima Trindade». Desta vez, assinada pelos cúmplices, Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano, o Vaticano deve ter achado excessivo e despropositado para dois.

Bernard Law vai para Roma – O ex-cardeal de Boston, obrigado a resignar, depois do escândalo de pedofilia na Igreja dos EUA recebeu um novo cargo, atribuído pelo Papa. Bernard Law vai ser agora arcipreste de uma das principais basílicas de Roma – diz a TSF. Não foram tomadas medidas especiais de protecção às crianças.

Suíça – 74,2% dos suíços são de opinião de que o papa devia resignar. Desde quando é que um ditador abandona o poder de livre vontade? Às vezes, no Vaticano, em tempos que já lá vão, era hábito ajudar o papa a ir mais cedo encontrar-se com Deus.