A América debaixo de Deus
Os Estados Unidos da América orgulham-se de ser o farol mais brilhante da Liberdade e da Democracia. No entanto, entre muitos outros atropelos a direitos e garantias fundamentais, encontra-se o pledge of allegiance ou juramento de lealdade. Em todo o país, as crianças da escola primária começam o dia a recitar este juramento.
Criado no séc. XIX pelo jornalista Francis Bellamy – indivíduo anti-clerical -, o texto, curiosamente, não incluía qualquer referência religiosa. Foi na década de 50 que o Congresso americano votou para acrescentar Deus ao juramento. Assim, actualmente, milhares de crianças juram fidelidade à bandeira e a uma nação indivisível, sob Deus.
Em 2002, Michael Newdow, ateu californiano, resolveu acabar com esta violação do princípio da separação entre religião e Estado e abriu um processo judicial para abolir o uso do juramento nas escolas públicas americanas. Newdow ganhou, mas o processo seguiu, de instância em instância, até chegar ao Supremo Tribunal. Esta semana, o autor do processo foi explicar a sua oposição àquele tribunal.
Newdow diz que o juramento divide a sociedade, que aponta o dedo aos ateus. O juiz-presidente do Supremo Tribunal, William Rehnquist, fez notar que quando a adição de sob Deus foi votada no Congresso, há meio século, a votação foi unânime e, portanto, não haveria sinal de divisão. A isto Newdow retorquiu afirmando que o voto só foi unânime porque nenhum ateu poderia ser eleito para um cargo público.
Os apologistas do juramento defendem-se ainda dizendo que a referência a Deus é tão vaga que apenas tem contornos cívicos e não religiosos e que, para além disso, as crianças não são obrigadas a pronunciar as polémicas palavras. Newdow contra-argumenta que a pressão social a que os alunos são submetidos é incompatível com a protecção da sua liberdade religiosa. O Estado tem de ficar totalmente fora [da religião].
O problema da separação da Igreja do Estado não se coloca apenas neste pledge of allegiance. É bem sabido que os dólares ostentam a frase In God We Trust e a sessão de abertura do Supremo Tribunal começa por God save the United States and this honorable court. Estes são reflexos de um sentimento religioso intensamente enraizado numa sociedade que vê com maus olhos o ateísmo e os movimentos humanistas seculares. Reflexos que encontram expressão em determinados sectores políticos, nomeadamente, no Presidente Bush. É assim que um país que foi pioneiro na defesa da Democracia e da Liberdade se torna num poço de contradições e hipocrisias.