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Mês: Fevereiro 2004

3 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

A informática parece-me bruxedo. (B)logo existo.

Antigamente a bruxaria era apanágio feminino e alimentava fogueiras e medos colectivos. Aproveitava a calada da noite para os conciliábulos e a vassoura para transporte até às encruzilhadas dos caminhos onde desembocavam fantasmas e se rogavam pragas. Era aí que a tradição judaico-cristã domiciliava a origem das desgraças que semeavam o pânico na populaça e a loucura nos inquisidores.

Hoje, os feiticeiros têm o nome impresso à entrada de gabinetes que acendem as luzes à sua chegada, ar condicionado que evita aos sovacos a náusea do odor, computadores onde escondem o saco dos sortilégios.

Circulam sem cerimónia no Windows, deslocam-se em confortáveis automóveis que deixam aprisionar no inferno do trânsito. Vivem num mundo de luzinhas, textos esotéricos que reflectem a cabala matemática em sequências de 0 e 1, linguagem binária inacessível a profanos e que estarrece os basbaques. Foi-se o pacto com o demónio.

Sob a batuta destes feiticeiros inventam-se rezas com o teclado e são devassadas as trevas do ciberespaço. Há bruxos estabelecidos por conta própria e outros organizados em empresas. Inventam conteúdos donde saem daguerreótipos de várias gerações, informação para todos os gostos e links à espera de um clique. Os informáticos são magos em permanentes e estonteantes viagens à conquista do espaço virtual.

Que sorte para toda esta gente terem morrido Jaime I e Inocêncio VIII. O primeiro, em Inglaterra, mandava pagar prémios em dinheiro aos denunciantes de suspeitos de bruxaria e o segundo encarregou os inquisidores de descobrir e eliminar bruxas, incumbência que desempenharam a preceito.

2 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Jogo disputado à pedrada. Satanás – Maomé: 244 – 0

A peregrinação a Meca é um pretexto para os muçulmanos se exercitarem na arte de bem atirar pedras. O demónio é o alvo e, apesar de nunca ter sido vencido, os crentes não desanimam e insistem em cada novo ano com renovada fúria.

Ontem, pelo menos 244 bons muçulmanos, prosseguiram a viagem de Meca até ao Paraíso, com bilhete adquirido por esmagamento.

Foi feita a vontade de Alá. Alá é grande.

O ministro saudita da Peregrinação confirmou as mortes e soube-se que as forças de segurança impediram que um maior número de fiéis tivesse encontrado o caminho da salvação eterna. As mortes ficaram a dever-se à desordem pública provocada pelo entusiasmo com que se atiram ao maligno.

Para o próximo ano o divertimento repete-se e outros entusiastas descobrirão o caminho para as 70 virgens que os aguardam ansiosas no Paraíso.

1 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Reflexão antes de me entregar nos braços de Morfeu

A seguir ao 25 de Abril de 1974 alguém escreveu numa parede da Faculdade de Medicina de Coimbra:

Deus é parvo.

Alguns dias depois apareceu escrito por baixo:

Parvo és tu.

a) Deus.

Vários meses depois pintaram a parede e, com isso, sumiu-se a única prova da existência de Deus.

1 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Subsídios para um dicionário religioso

666 – O número do apocalipse. A besta. Para um cristão ortodoxo corresponde ao presunto e ao preservativo respectivamente dos muçulmanos e católicos.

Aborto – A descriminalização continua refém de uma minoria que parece temer que os seus efeitos se tornem retroactivos e acabe por ter reflexos na sua própria existência.

Amputação – Divertimento idêntico à custa dos ladrões. Só cortam a mão que rouba. Deixam a outra para segunda oportunidade.

Clero – Aristocracia dos crentes de qualquer religião. Os únicos com competência legal para interpretar a vontade divina.

Direitos das mulheres – Incómodo que os hierarcas de quase todas as religiões têm vindo a ter que suportar. Mas há sempre quem resista.

Espanha – A ligação de Aznar ao Opus Dei e o apoio aos EUA são mera coincidência? “O Mundo Secreto do Opus Dei”, de Robert Hutchison, tem como subtítulo: “Preparando o confronto final entre o Mundo Cristão e o radicalismo Islâmico”.

Fátima – Cidade do concelho de Vila Nova de Ourem, importante centro de comércio religioso, procissões, terços, missas e promessas a que a magreza dos milagres não retira o fausto das encenações religiosas. Número da sorte: 13.

Fatwa – Espécie de excomunhão da igreja muçulmana. Costuma ser acompanhada da obrigação de todos os crentes executarem a sentença de morte, actividade que os deixa ansiosos por cumprirem a obrigação.

Lapidação – Divertimento muçulmano à custa da mulher adúltera. A prova pode ser débil mas o prazer de ver uma mulher apedrejada até à morte – prazer que o profeta partilha – compensa largamente.

Monarquia – Bizarra organização do Estado em que o filho mais velho, por mais estúpido que seja, tem direito a ser chefe toda a vida, sem precisar de se submeter a eleições. Os seus defensores não são obrigatoriamente estúpidos, são provavelmente monárquicos.

Papa – Monarca absoluto com o monopólio no fabrico de beatos e santos, exclusividade na criação de cardeais e produção de bispos. Cabe-lhe ainda decidir sobre os anos santos, o valor e o preço das indulgências, a quantidade de bênçãos e o número de excomunhões. Os relatórios da CIA, se ainda lhe chegam, já não são lidos depois da queda da União soviética.

Papabile – “Papável”, isto é, que tem probabilidades de ser Papa. O cardeal Jean Danielou, arcebispo de Paris, tantas vezes foi referido como tal na comunicação social que a loura espectacular Mimi Santoni, de 24 anos, bailarina de strip-tease num cabaré de Paris, quiçá por erro de interpretação, acolhia-o nos seus braços quando um fulminante enfarte de miocárdio resolveu procurá-lo. Não se pode falar de êxtase místico.

Preservativo – Meio eficaz de evitar doenças sexualmente transmissíveis e que produz em JP2 o mesmo estado de espírito que o toucinho a Maomé.

Presunto – Delicioso produto gastronómico com que Maomé embirrou.

Vaticano – Exótico bairro de Roma com o nome de Estado, detentor de valiosas colecções de arte, numerosos dignitários eclesiásticos, sem uma única maternidade nem a mais leve suspeita de princípios democráticos.