As Mulheres, o islão e certa islamofilia do ocidente
Desde o século XVI, que existe esta corrente intelectual europeia que engrandece o islão, construindo uma visão ingénua (estilo “O bom selvagem”), que utilizava para criticar os erros e falhas morais da sociedade que a rodeava. Associada aos movimentos esotéricos que nasciam da maçonaria regular, procurava também encontrar as raízes do deus uno judaico-cristão-islâmico, reinventando os Templários, Baphomet, absorvendo a teologia sefardita e a Cabala judaica em doses q.b. Ou seja, o habitual e conhecido movimento de cultos de intelectuais, aristocracias e elites, que joga menos no dinheiro, mas mais nas influências, tornando-se, hoje, numa velha e triste tradição europeia e sinal da decadência cultural da velha Europa.
No século XIX, um dos defensores dessa «ideia vaga do islão», foi Sir Richard Burton, escritor e aventureiro inglês que visitou disfarçado de médico afegão, Meca e a Kasbah. No seu «Ensaio terminal» defende o islão contra a crítica ocidental, afirmando «o estatuto legal da mulher no islão é excepcionalmente alto» e que «A mulher muçulmana tem grandes vantagens em comparação com as suas irmãs ocidentais», chegando a afirmar que «os muçulmanos estudam a arte e o mistério de satisfazer a mulher».
Burton viu-se forçado, por si próprio, a calar-se…
Ao traduzir os livros que utilizava como exemplo de tal atitude de vanguarda, encontrou, não valores de liberdade sexual, mas um imenso oceano de preconceito masculino que via nas mulheres meras garrafas para o seu esperma…
No Jardim perfumado de Shaykh Nefzawi, que Burton pretendia traduzir, pode-se encontrar:
«- Sabias que a religião das mulheres encontra-se nas suas vaginas? – pergunta o Shaykh.- Elas são insatisfeitas em tudo o que estiver relacionado com as suas vulvas, e enquanto a sua luxúria for satisfeita, elas não se importam que seja um bufão, um negro, um criado, ou até mesmo um homem renegado. É satanás que faz o sumo correr das suas vaginas.» O Shaykh cita o poeta Abu Nuwas (famoso poeta islâmico) com aprovação:
As mulheres são demónios e nasceram como tal
Que ninguém pode confiar nelas, é o sabido por todos
Se amam um homem é por puro capricho
E para quem elas são mais cruéis, é quem elas amam mais
Seres de traição e engano, eu asseguro
Que o homem que ama verdadeiramente, é um homem perdido
E aquele que não acredita em mim, pode provar a minha palavra
Deixando o amor de uma mulher tomar conta dele, por anos
Se na tua disposição generosa, lhes deste
Tudo e tudo, por anos e anos
Elas dirão depois: «Eu juro por deus! Os meus olhos
nunca viram nada que ele me tenha dado!»
E depois de te teres empobrecido por causa delas,
Elas choram de dia e de noite, para sempre: «Dá-me!?
«Dá-me! Homem, levanta-te, compra e empresta»
Se não poderem lucrar contigo, contra ti se virarão
Dirão mentiras sobre ti e te irão caluniar.
Não se coíbem de usar um escravo na ausência do mestre
Uma vez as suas paixões acordadas, usam truques e enganos
De certeza, se alguma vez a sua vulva está molhada,
Só pensam em porem dentro um membro em erecção!
Preserva-nos, Allah! Dos truques das mulheres,
e das mulheres velhas em particular…
Assim seja.»
Temos aqui um inventário completo das falhas das mulheres, aos olhos dos homens muçulmanos:
Engano, gula, ingratidão, ganância, luxúria sem fim… ou seja uma porta para o inferno…
Poderão dizer-me: mas afinal, não é isso o que todos os homens em todas as épocas dizem das mulheres?
As guerras do esperma e do coração existem… E são uma constante da condição humana, mas enquanto que na Europa se compunham “cantigas de amor e bem dizer” e se inventava o conceito de «amor romântico», no islão, em todas as classes sociais e pela literatura das classes altas, temos o caminho contrário…
De uma península arábica beduína, onde as mulheres tinham um estatuto quase igualitário aos homens, temos depois da tomada de Meca por Maomé, a completa aniquilação da condição feminina.
E a culpa disto? Quem é que empurrou nesta direcção a civilização muçulmana?
Maomé, a sua família e os clérigos islâmicos, obviamente.
Para compreendermos o islão, é preciso ver que nas discussões sobre o assunto, confundem-se três islãos diferentes:
O islão que o profeta ensinou (ou seja os ensinamentos contidos no corão), o islão como religião, que nasce, é desenvolvido e refeito pela elite de teólogos e clérigos a partir das necessidades históricas, do corão e do hadith (o livro dos ditados do profeta), e o islão profundo, das culturas conquistadas, cultura poética, ciência e arte…
Muitas das “maravilhas” e tolerância, bem como algumas vicissitudes, que são atribuídas ao islão, são na realidade resultado das culturas locais conquistadas e que para manter vivas as suas especificidades e talentos se adaptaram às exigências ortodoxas das classes conquistadoras.. (Um exemplo são os azulejos e arte de embutidos que se desenvolveram a pontos nunca antes vistos, em termos de complexidade, dada a impossibilidade das artes habituais, devido às forte regras contra a idolatria. Outro, a homossexualidade masculina, que apesar de proibida no corão, existe e é herança da antiga cultura grega )
Assim vejamos a visão que o islão do profeta e dos religiosos têm da mulher…
A mulher é um ser inferior.
A lenda de Adão e Eva.
Sura 4:1 «ó Homens! temei o vosso senhor que vos criou de uma só alma; desta ele criou a vossa companheira e dos dois seres fez sair muitos homens e mulheres. Temei a Deus em nome d’O qual fazeis pedidos uns aos outros e respeitai as entranhas [que vos geraram]. na verdade, Deus observa-vos.»
Sura 7.189 «Foi ele Quem vos criou de um só ente, Quem dela tirou a sua esposa para que vivesse na sua companhia e logo o homem coabitou com ela, esta trouxe primeiramente um fardo ligeiro e caminhava sem dificuldade; depois, quando se tornou mais pesado, ambos invocaram o seu senhor: «Se nos deres um filho bem conformado, pertenceremos certamente ao número dos que te rendem graças»»
Destas e de outra sura, (pequeno número diga-se..) os teólogos islâmicos, concluíram que o homem era a criação original – as mulheres foram criadas secundariamente para o prazer e descanso dos homens. Esta noção foi ainda mais desenvolvida para reforçar a suposta inferioridade da mulher. Finalmente, à lenda de Adão e Eva foi dado um carácter sagrado de maneira que criticá-la, seria criticar as próprias palavras de deus, que são imutáveis e absolutas.
O próprio profeta descreve as mulheres em geral: «Sê amigável para com a mulher, pois as mulheres foram criadas de uma costela, mas a parte torcida da costela. No final, se a tentares endireitar a partirás; se nada fizeres, ela continuará a ser torta.»
Para reforçar a inferioridade da mulher, apareceu a noção que esta é uma serpente tentadora.
O curioso é que esta noção parece provir do Génesis judaico-cristão e não do próprio alcorão, pois se virmos as suras referentes à queda do estado de graça, não encontramos referências a uma Eva maligna…
Sura 2.33 «Dissemos: Ó Adão, habita o jardim com tua esposa; alimentai-vos ambos com os seus frutos, onde quer que eles se achem e à vossa vontade, mas não vos aproximeis dessa árvore, para não vos tornardes pecadores.»
… 2.34 «Satanás, porém, fe-los expulsar daqui e baniu-os. Dissemos-lhe então:«Descei deste lugar, inimigos uns dos outros; a Terra há-de servir-vos de morada e gozo temporário.»
..
Sura 7.18 «E tu, Ó Adão, habita com tua esposa no paraíso e comei ambos os seus frutos onde quiserdes; não vos aproximeis, porém, desta árvore para que não vos torneis pecadores.»
… 7:19 «Satanás fez-lhes uma sugestão pérfida para que eles vissem a sua nudez, que até então, lhes estava escondida. Disse-lhes: O Senhor proibiu-vos esta árvore apenas para não vos tornardes dois anjos ou para não vos tornardes imortais.»
… 7:20 «E jurou-lhes: na verdade, sou o vosso companheiro fiel.»
… 7:21 «Seduziu-os pelo engano e logo que provaram o fruto da árvore surgiu-lhes a própria nudez e apressaram-se a cobri-la com folhas de jardim. O senhor admoestou-os: Não vos proibi esta árvore? Não vos disse que satanás era vosso inimigo declarado?»
… 7:22 «Eles [Adão e Eva] responderam: Ó nosso senhor, nós somos pecadores; se não nos perdoas, se não tens piedade de nós, estaremos perdidos.»
… 7:23 «Disse deus: Descei! Ficareis inimigos uns dos outros. Encontrareis na terra residência e gozos temporários.»
A tradição islâmica também atribuiu a gula e ganância ás mulheres. E encontra suporte no Corão, na Sura 12.22-34, a história de José no Egipto e conta o encontro de José com uma mulher que o quer seduzir á força, das mentiras perante o marido desta e a reacção das mulheres na cidade.
Além disso, maomé ataca os ídolos femininos em Meca, e aproveita para atacar o sexo feminino em geral:
Sura 4:117 «Na verdade, além de Deus eles apenas evocam divindades femininas. Na verdade, eles apenas invocam Satanás, o rebelde» Suras 43:15-19, 52.39, 37:149-150, 53:21-22, 53:27
Além disso, existe espalhado por todo o corão, uma multitude de suras que utilizam a mulher como insulto, culpam as mulheres pelos erros dos homens, dão-lhes castigos ou valores de compensação em muito inferiores ou piores que aos homens…
Por exemplo…
Sura 4:38 «Os homens são superiores às mulheres pelas qualidade com que Deus os elevou acima delas e porque os homens gastam os seus bens a dotá-las. As mulheres virtuosas são obedientes e conservam cuidadosamente durante a ausência de seus maridos o que Deus lhes confiou. Deveis repreender as que dão sinais de desobediência; podeis po-las em leitos á parte e bater-lhes, mas desde que obedeçam não procurareis mais motivos de querela. Deus é excelso e grande.»
Mais úteis para os clérigos e teólogos foram os próprios ditados do poeta, quer no hadith, quer os de reputação popular…
– «A mulher que morre, e cujo marido está satisfeito com ela vai para o Paraíso.»
– «Se alguma coisa pressagia um mau prenúncio, é: uma casa, uma mulher ou um cavalo.»
– «Nunca um povo conhecerá o sucesso, se confidenciar os seus negócios com uma mulher»
– «O fogo do inferno surgiu-me num sonho e eu notei que estava principalmente povoada por mulheres que tinham sido ingratas. «Foi para com deus que eles foram ingratas? Elas não tinham mostrado gratidão para com os seus maridos por tudo o que tinham recebido deles. Mesmo que tenhas, durante toda a tua vida, agraciado uma mulher com a tua generosidade, ela encontrará sempre algo de minúsculo para te atacar um dia, dizendo «nunca fizeste nada por mim.»»
As mulheres são assim, para o islão inferiores e podem ser comparadas a garrafas, nas quais uma rachadela é irreparável… Aliás, maomé costumava dizer: “Lidem com as “garrafas” (as mulheres) com cuidado.
«O lugar da mulher é na casa ou na campa» – ditado Pashtun
Se quisermos juntar a esta visão da mulher, todos os outros pontos em que encontramos a condição feminina no islão, não podemos considerar que o islão seja particularmente emancipado e justo.
O hijab – o corão só pede que seja mantida o pudor Sura 24:30-31, no entanto toda a sociedade islâmica é um campo onde as pulsões sexuais masculinas são privilegiadas… Deste modo, a guerra do esperma manifestou-se na sistemática ocultação das mulheres em sistemas de roupa cada vez mais elaborados.
Além disso, o hijab associou-se á ostentação da riqueza de uma família, em certas partes do islão. Noutras, as condições económicas e ambientais geraram uma versão minimalista, o lenço na cabeça…
Mas continua e sempre será uma marca da sua inferioridade perante os homens e allah…
Aos olhos de muitas mulheres muçulmanas, talvez não…
Afinal, não é também a religião um mecanismo de controlo mental?
As ocupações permitidas à mulher: nenhuma que envolva a razão, pois a mulher não a tem.
A circuncisão e excisão feminina.
O casamento inegualitário para a mulher.
A impureza constante devido ao período.
A obrigação de satisfação sexual do homem, nenhuma para a mulher…
A desprotecção perante a justiça da mulher, quer em crimes sexuais como abuso físico e financeiro.
O corpo de uma mulher, especialmente a vagina, não lhe pertence! É “comprada” pelo marido na hora do casamento.
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A lista é interminável, bem como as referências corânicas, do hadith, dos califas e família do profeta, quer para o islão wahibita, como para o shiita…
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Querer justificar determinadas posições ocidentais sobre a cultura muçulmana, com somente citações do alcorão é como pedir a um muçulmano que seja como um protestante cristão perante o catolicismo… Coisa que lhe é impossível porque a própria palavra do profeta, garante que seja a classe teológica a protectora da palavra… Além disso, Maomé ao deixar um códice escrito, (assunto ainda por cima difícil de investigar… dado que cópias antigas do corão que se afastassem da ortodoxia foram simplesmente eliminadas… embora hoje haja descobertas arqueológicas que prometem algumas revelações… com muita polémica e furor para os clérigos muçulmanos (infiéis a decidirem o que é o corão?!)), desacelerou efectivamente a capacidade de mudança da religião muçulmana, em contraste com a religião cristã onde o rito precedeu as escrituras, tornando possível a igreja católica e ortodoxa na forma actual.
As grandes mudanças culturais do islão, deveram-se em grande parte às culturas conquistadas e hoje, ao choque da modernidade e da cultura ocidental. No entanto, a distância entre um teólogo moderado e um ortodoxo é muito pequena em comparação com a religião cristã e ainda mais com os movimentos humanistas progressistas mundiais.
O fundamentalismo que hoje, tanto assusta, é em parte, um querer voltar para o passado, para a prática e cultura que distinguiu os muçulmanos do ocidente, e logo para o que de pior e mais reaccionário e inumano que possamos encontrar no islão.
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Nestes tempos pós 11 de Setembro e da «guerra do véu» em França, fica bem a uma certa intelectualidade ecuménica defender, como fizeram no passado, os argumentos e «impressões» da antiga islamofilia, em nome da tolerância. Aliás.. os próprios elementos superiores dos conselhos islâmicos da Europa o fazem com habilidade.
A tolerância é um valor por si. E as religiões nas suas formas originais não o suportam… Só a prática dos homens e a necessidade de paz é que a fez estabelecer nas sociedades. Hoje, temos a Carta Universal dos Direito Humanos como guia, não quaisquer verdades reveladas de um deus qualquer.
Mas no fim disto tudo…
As mulheres é que continuam a sofrer.
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Fontes usadas liberalmente, (sim.. plagiei alguns parágrafos, isto é um blog, não uma tese de doutoramento):
– Porque não sou muçulmano. de Ibn Warraq, Edição da Prometheus Books, ISBN: 0-87975-984-4
– Alcorão de Allah ou da boca do profeta (não sabemos… não se esqueçam dos versículos satânicos), Edição problemática da antiga Junta de Investigações Científicas do Ultramar, tradução de José Pedro Machado… (infelizmente não posso estudar árabe e o corão original, sem me arriscar a ser morto pelo professor…), o facto de o corão ter de ser lido em árabe para não haver degradação da palavra do profeta, traz muitas complicações a quem o quer ler traduzido no ocidente. A inexistência de um versão “oficial” torna difícil a correspondência e citação correcta de muitas suras, devido ao facto, das traduções ocidentais se basearem em “vulgatas” que variam tanto na tradução contextual, como na ordenação das suras por polémicas académicas da ordem cronológica das suras. É assim habitual encontrar discrepâncias nos corões que se possam adquirir.
Provavelmente terei que adquirir um corão em inglês(!), dado que têm maior circulação e a maioria das referências são feitas em relação a essas traduções… As suras citadas são aquelas para as quais encontrei concordâncias…
– Sir Richard Burton, foi o primeiro tradutor do Kama Sutra e do famoso «Arabian Nights» http://www.isidore-of-seville.com/burton/
A minha saudação e agradecimento a Ibn Warraq, homem livre de pensamento, pela sua coragem e discernimento.