O contra-argumento ao medo de Pascal…
Paris, 23 de Novembro, de 1654. Uma carruagem atravessa uma ponte sobre o rio Sena.
De repente, os cavalos que a puxavam, assustam-se e com um esticão, levantam a carruagem no ar.
Aterrando sobre a berma da ponte, a carruagem inclina-se perigosamente, deslizando para o rio abundante
que corre por debaixo. Por um milagre, a berma encaixa entre as rodas da frente, imobilizando, pendurados,
a carruagem e os seus ocupantes.
Do silêncio que se tenta impor, depois, entre os transeuntes, não sobra nada…
Dentro da carruagem, Blaise Pascal grita, aterrorizado, olhando a morte à sua frente.
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Em mais de uma discussão sobre a não-existência de Deus, tenho encontrado pessoas, que, pomposamente, invocam a chamada «Aposta de Pascal». A «Aposta» é, supostamente, um argumento probabilístico para convencer qualquer homem, a crer em Deus, se racionalmente fizer uma análise custo/benefício de manter uma fé num redentor.
Na sua forma original:
Deus ou existe ou não existe. Por necessidade, temos que fazer uma aposta:
Se aposto por ele e ele existir: lucro máximo.
Se aposto por ele e ele não existir: nenhuma perda.
Se aposto conta ele e ele existir: perda máxima
Se aposto contra ele e ele não existir: nem perda, nem lucro.
Ou seja, segundo Pascal, a melhor estratégia a seguir é apostar pela existência de deus, porque nas alternativas, não ganhamos nada com isso…
O argumento é intelectualmente desonesto. Porque para o considerarmos, seriamente, temos que aceitar as premissas…
Ou seja. Que se deus existir, ele é cristão. E que pretende pôr todos os pecadores no inferno…
Quando se trabalha com probabilidades é preciso ser-se rigoroso. Num problema em que queiramos determinar a probabilidade de uma proposição, temos que considerar todas, mas TODAS, as possíveis consequências dessa proposição… É exactamente sobre este número que se determina o valor das probabilidades que desejamos conhecer.
Assim, temos que reformular o problema, em termos de probabilidades compostas…
1. Entidades metafísicas existem ou não existem. Logo 50% de probabilidades para cada uma das possibilidades.
2. Qual a probabilidade de uma entidade metafísica existir? Temos que dividir em números iguais, os 50 % pelo número de divindades conhecidas… ( para não falar nos deuses desconhecidos… lembremo-nos de Paulo em Atenas… mas vamos nos restringir aos deuses conhecidos)
É trivial ver que a probabilidade de Deuses não existirem, é sempre maior que a probabilidade de um deus qualquer existir… E não podemos considerar os 50 % das entidades metafísicas como um todo.. Afinal os deuses existem, em exclusão dos outros…
É óbvio, então chegar à conclusão que a aposta mais sensata, é não apostar em deuses…
E procurar a felicidade nesta terra, para nós e para os outros.
Mas, porque é que Pascal, um génio polimático, forçou o argumento? Por causa do medo…
Quando nos deixamos possuir pelo medo e temor. Da morte, deus, inferno, apocalipse ou outro fim qualquer…
Deixamos de viver a vida e também de aplicar a razão…
Forçamos os nossos argumentos, para que justifiquem as nossas emoções.
E no medo, a alternativa é sempre assustadora.
Mas a aposta de Pascal tem um final triste.
Oito anos depois do terrível acidente que o atirou para o ascetismo e obsessão, Pascal morria, acamado, no meio de dores horrendas.
Um cancro do estômago, causado por úlceras de origem nervosa, espalhou-se pelo seu corpo.
Ao mesmo tempo que o seu sistema imunológico, debilitado, sucumbia à tuberculose…
Morreu do medo que tinha de viver.
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