A morte de Saramago vista do Vaticano
Não se esperava daquele bairro de 44 hectares onde adejam sotainas e reluzem mitras, daquela teocracia que fabrica santos e rubrica milagres, onde o celibato é o estado civil obrigatório e a santidade a profissão do Papa, que a morte de Saramago fosse sentida.
Desta vez, pelo menos, livrou-nos da hipocrisia. O escritor que quis ser incinerado na morte não foi cremado em vida como soía acontecer aos hereges. E, como o respeito é muito bonito, não teve na morte o acompanhamento lúgubre dos funcionários do deus de Bento XVI, nem de outras seitas, que vendem o Paraíso a retalho e ameaçam com o Inferno por atacado.
Quando o Estado do Vaticano afirma, no obituário do jornal oficial, que Saramago era ‘populista extremista‘, manifesta a raiva de quem não perdoa, de quem esquece o seu próprio passado e os crimes que cometeu e comete.
As Cruzadas, a Inquisição, as perseguições aos judeus, a Reforma e a Evangelização são alguns dos momentos mais cruéis dos dois últimos milénios. A encíclica Syllabus é um monumento de intolerância e perfídia que só um Papa podia ter escrito, ao contrário das páginas de Saramago onde a discutível visão do mundo é um hino à língua portuguesa e uma homenagem amarga aos que são vítimas da tirania.
‘L’Osservatore Romano, de hoje, revela-se um pasquim à altura do ódio que medra por entre velas com odor a incenso. É a imagem do que a Igreja católica ainda seria capaz se mantivesse o poder temporal e se os Estados não tivessem domado a vocação despótica do clero romano.
Saramago é e será uma referência mundial de pensador que, não tendo o monopólio da verdade, procurou contribuir para a justiça social no mundo. Foi um livre-pensador e o notável escritor que sonhou um mundo melhor.
Pelo contrário, o Vaticano tem como Papa um ex-inquisidor que se apoia no Opus Dei, na Legião de Cristo e na Fraternidade Sacerdotal de S. Pio X, movimentos abertamente reaccionários, anti-semitas e de pendor fascista.
Eu não trocava uma página de Saramago pelas obras completas dos último Papa.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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